Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n. 55.664/13

Autos n. 01/13 – MM. Juízo da 5.ª Vara Criminal da Comarca de São Bernardo do Campo

Autor do fato: (...)

Assunto: revisão de promoção de arquivamento de inquérito policial

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. CTB, ART. 306 (COM REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 12.760/12). COMPROMETIMENTO DA CAPACIDADE PSICOMOTORA DECORRENTE DE EMBRIAGUEZ CONFIRMADA POR TESTEMUNHAS. EXAME CLÍNICO, REALIZADO OITO HORAS APÓS, QUE NÃO CONSTATOU A ALCOOLEMIA. PREVALÊNCIA DA PROVA COLHIDA NO MOMENTO DA CONDUTA. APLICAÇÃO, ADEMAIS, DO PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO SOCIETATE”. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.

1. O confronto dos elementos informativos amealhados no curso da investigação deve ser efetuado de maneira crítica, não se admitindo que uma prova, qualquer que seja, se sobreponha às demais, sem se verificar as condições nas quais colhida. No caso em tela, os policiais responsáveis pela prisão do investigado constataram, com segurança, a embriaguez e a alteração da capacidade psicomotora, mas a perícia, realizada horas após, não a atestou. Destaque-se, não obstante, que a contradição é apenas aparente. Isto porque, como é sabido, o organismo humano possui condições, com o passar do tempo, de eliminar o álcool ingerido.

2. De mais a ver, ainda que se pudesse reputar conflitante o cenário probatório, nesta fase da persecução penal as dúvidas devem ser dirimidas em favor da sociedade (nesse sentido: STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23 de março de 2011). Há de prevalecer, destarte, a constatação aferida no momento da ação.

3. O delito em questão configura, ademais, crime de perigo abstrato e sua descrição legal não atenta contra princípios constitucionais, até porque é científica e estatisticamente comprovado que a condução de veículo automotor por quem ingeriu álcool ou substâncias psicoativas em determinado patamar põe em risco a incolumidade física e a vida de terceiros, dada a diminuição dos reflexos, da percepção sensorial e motora, entre outros (vide, nesse sentido, HC n. 109.269/MG, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, j. em 27/09/2011, DJe de 11/10/2011).

4. A conduta perpetrada se subsume ao art. 306 do CTB. De acordo com o caput do tipo penal, depois da modificação decorrente da Lei n. 12.760, de 2012, incorre na infração aquele que: “Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência”. O indiciado, de maneira indisputável, dirigia automóvel em via pública embriagado e, pela análise efetuada pelos policiais, apresentava-se, ictu oculi, com sua capacidade psicomotora alterada, tanto que sequer conseguia ficar de pé. Frise-se, ainda, que o comprometimento da citada capacidade pode ser demonstrado por qualquer prova em direito admitida, inclusive testemunhal, nos exatos termos do §2.º do art. 306 do CTB.

Solução: designa-se outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal.

 

Cuida-se de investigação penal instaurada para apurar a conduta de (...), o qual, em tese, teria praticado o delito de embriaguez ao volante (CTB, art. 306).

Concluídas as diligências de polícia judiciária, a Douta Promotora de Justiça pugnou pelo arquivamento do procedimento, ponderando existir dúvida a respeito do comprometimento da capacidade psicomotora do condutor do veículo, em face da divergência entre as declarações dos policiais responsáveis pela sua prisão e o laudo de exame médico, elaborado horas após, o qual não concluiu pela presença de sinais específicos indicativos da ebriedade (fls. 33/34).

O MM. Juiz, entretanto, discordou de tal posicionamento, entendendo que o teste clínico não poderia prevalecer, pois realizado horas depois do fato, bastando, para configuração do delito em tela, a circunstância do agente dirigir automóvel sob a influência de substância inebriante; encaminhou, em consequência, a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 36/37).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia da Ilustre Representante Ministerial, assiste razão ao Digníssimo Magistrado.

 

Dos fatos

Apurou-se neste procedimento inquisitivo que, aos 05 de janeiro de 2013, policiais militares, realizando operação direcionada ao combate à alcoolemia no trânsito, abordaram o indiciado quando conduzia veículo automotor.

O investigado, que apresentava sinais visíveis de embriaguez (hálito etílico, voz alterada, fala desconexa e dificuldade de deambulação), se recusou a se submeter, in loco, ao exame do etilômetro.

Os milicianos o prenderam em flagrante, encaminhando-o ao Distrito Policial, e somente oito horas após os fatos procedeu-se ao exame clínico, no qual se consignou não estar o sujeito embriagado, registrando-se, contudo, que o tempo decorrido para a confecção da análise prejudicou a avaliação dos sinais externos da ebriedade (fls. 15).

 

Do quadro probatório

O confronto dos elementos informativos amealhados no curso da investigação deve ser efetuado de maneira crítica, não se admitindo que uma prova, qualquer que seja, se sobreponha às demais, sem se verificar as condições nas quais colhida.

No caso em tela, os policiais responsáveis pela prisão do investigado constataram, com segurança, a embriaguez, mas a perícia, realizada horas após, não a atestou.

Destaque-se que a contradição é apenas aparente.

Isto porque, como é sabido, o organismo humano possui condições, com o passar do tempo, de eliminar o álcool ingerido.

De mais a ver, ainda que se pudesse reputar conflitante o cenário probatório, nesta fase da persecução penal as dúvidas devem ser dirimidas em favor da sociedade (nesse sentido: STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23 de março de 2011).

Há de prevalecer, destarte, a constatação aferida no momento da ação.

                                            

Do enquadramento típico

A conduta perpetrada se subsume ao art. 306 do CTB.

De acordo com o tipo penal, depois da modificação decorrente da Lei n. 12.760, de 2012, incorre na infração aquele que:

 

“Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência”.

 

O indiciado, de maneira indisputável, dirigia automóvel em via pública embriagado e, pela análise efetuada pelos policiais, apresentava-se, ictu oculi, com sua capacidade psicomotora alterada, tanto que sequer conseguia ficar de pé.

Frise-se, ainda, que o comprometimento da citada capacidade pode ser demonstrado por qualquer prova em direito admitida, inclusive testemunhal, nos exatos termos do §2.º do art. 306 do CTB.

Acrescente-se, a título de argumentação, que, cientifica e estatisticamente, já se demonstrou que o fato de o motorista estar com determinado nível de álcool (ou substância psicoativa) em seu sangue reduz consideravelmente seus reflexos e percepção, provocando risco efetivo a ele próprio e a todos os demais que se encontram ao seu redor.

Bem por isso, não se admite como válido eventual argumento de violação ao princípio da ofensividade, na medida em que o comportamento não produziria, de per si, riscos aos valores maiores (vida e integridade corporal) salvaguardados por nossa Constituição.

O Colendo Supremo Tribunal Federal, com relação ao tema, assim se manifestou:

 

HABEAS CORPUS. PENAL. DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO REFERIDO TIPO PENAL POR TRATAR-SE DE CRIME DE PERIGO ABSTRATO. IMPROCEDÊNCIA. ORDEM DENEGADA.

I – A objetividade jurídica do delito tipificado na mencionada norma transcende a mera proteção da incolumidade pessoal, para alcançar também a tutela da proteção de todo corpo social, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança nas vias públicas.

II – Mostra-se irrelevante, nesse contexto, indagar se o comportamento do agente atingiu, ou não, concretamente, o bem jurídico tutelado pela norma, porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para o qual não importa o resultado. Precedente.

III – No tipo penal sob análise, basta que se comprove que o acusado conduzia veículo automotor, na via pública, apresentando concentração de álcool no sangue igual ou superior a 6 decigramas por litro para que esteja caracterizado o perigo ao bem tutelado e, portanto, configurado o crime.

IV – Por opção legislativa, não se faz necessária a prova do risco potencial de dano causado pela conduta do agente que dirige embriagado, inexistindo qualquer inconstitucionalidade em tal previsão legal.

V – Ordem denegada”

(HC 109.269/MG, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, j. em 27/09/2011, DJe de 11/10/2011).

 

Não se afigura acertada, bem por isso, a solução excogitada pela Ilustre Promotora de Justiça oficiante.

 

Conclusão

Diante do exposto, designa-se outro membro ministerial para oferecer denúncia e prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria designando-se o substituto automático. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 22 de abril de 2013.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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