Código de Processo Penal, art. 28
Protocolado n.º
55.678/13
Processo n.º 1.678/12
– MM. Juízo da 28.ª Vara Criminal do Foro Central da Capital
Ré: (...)
Assunto:
designação de promotor de justiça para oficiar nos autos
EMENTA: CPP, ART. 28 (APLICAÇÃO ANALÓGICA). AÇÃO PENAL POR CRIME DE FALSO TESTEMUNHO. DENÚNCIA RECEBIDA. PEDIDO MINISTERIAL, NA FASE DO ART. 397 DO CPP, VISANDO AO RECONHECIMENTO DA ATIPICIDADE DA CONDUTA. DISCORDÂNCIA JUDICIAL. MAGISTRADO QUE CONSIDERA VIÁVEL A ACUSAÇÃO. DETERMINAÇÃO DE REMESSA DO FEITO A ESTA CHEFIA INSTITUCIONAL PARA DESIGNAÇÃO DE OUTRO PROMOTOR DE JUSTIÇA. DESCABIMENTO. O MECANISMO DE CONTROLE INVOCADO NÃO SE PRESTA A TOLHER A INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, CONSTITUCIONALMENTE CONSAGRADA (CF, ART. 127, §1.º).
1.
No caso
em apreço, deu-se o oferecimento de denúncia por crime de falso testemunho
agravado (CP, art. 342, § 1.º), sendo a exordial devidamente recebida. O réu
foi citado, apresentando sua resposta à acusação. Chamado a se manifestar, o
Douto Promotor de Justiça requereu a absolvição sumária do agente, nos termos
do art. 397 do CPP, baseando-se na suposta atipicidade da conduta.
2.
O MM. Juiz,
porém, discordou de tal posicionamento, e, designando audiência de instrução,
debates e julgamento, conforme preconiza o art. 399 do CPP, determinou a
remessa do expediente a esta Procuradoria-Geral de Justiça, objetivando a indicação
de outro representante ministerial para nele oficiar.
3.
O mecanismo previsto
no art. 28 do CPP, indevidamente aplicado à hipótese, constitui modalidade
anômala de controle do princípio da obrigatoriedade da ação penal de iniciativa
pública (CPP, art. 24). Como se sabe, nosso processo criminal tem como
princípio reitor, entre outros, o nec
delicta maneant impunita. Bem por isso, quando se detectar que o membro do Parquet não exerceu a ação penal
pública, devem ser remetidos os autos à Chefia Institucional para análise da atitude verificada. Não se pode ampliar a
incidência da sistemática sub examen para
situações processuais estranhas ao controle do princípio da legalidade da ação
penal pública (ou de seu corolário, a indisponibilidade – arts. 42 e 576 do
CPP).
4.
Sabe-se que o
art. 28 do CPP tem lugar não apenas quando o promotor de justiça pedir o
arquivamento dos autos e o Juiz discordar. Atualmente, também se pode invocar a
norma mencionada para efeito de controle do exercício da transação penal, da
suspensão condicional do processo, do aditamento da acusação nos casos de mutatio libelli (com expressa remissão
no art. 384 do CPP, cuja redação foi dada pela Lei n. 11.709/08) e quando
houver omissão ministerial (entendida como negativa de atuação).
5.
Em todas as hipóteses enumeradas, a atuação do Procurador-Geral de
Justiça, que age provocado pela autoridade judiciária, guarda íntima relação
com o multicitado princípio da obrigatoriedade (ou seu consectário lógico – a
indisponibilidade).
6.
O procedimento examinado não se enquadra em quaisquer das situações relacionadas,
cumprindo frisar que o Douto Promotor de Justiça em momento algum abriu mão do
processo, negando-se a nele intervir.
7.
O pedido de
absolvição sumária formulado pelo Representante Ministerial, além de
devidamente fundamentado, constituiu o resultado de sua convicção funcional.
8.
Nesta senda,
acolher o pedido judicial e designar outro Órgão do Parquet para passar a atuar no expediente seria o mesmo que, a um
só tempo, ferir dois dos mais importantes e basilares princípios institucionais
do Ministério Público brasileiro: a independência funcional e o princípio do
promotor natural, ambos consagrados na Constituição Federal. Como ensina o
festejado HUGO NIGRO MAZZILLI, “O princípio do promotor natural consiste, pois,
na existência de um órgão independente do Ministério Público, escolhido por
prévios critérios legais e não casuisticamente, para o exercício das
atribuições que a lei conferiu à instituição” (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo,
Saraiva, 2007, pág. 117). Ressalte-se que o Egrégio Supremo Tribunal Federal já
asseverou cuidar-se de princípio positivado no ordenamento pátrio: “O postulado
do Promotor Natural consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a
proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o
exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria
coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer
causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios
abstratos e pré-determinados, estabelecidos em lei” (HC 102.147/GO, rel. Min.
Celso de Mello, DJe nº 22 de 02.02.2011). Em sentido semelhante, HC n. 103.038,
rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, julgado em 11/10/2011, publicado em
27-10-2011).
9.
O ponto que se
examina, nunca é demais frisar, nada tem com o mérito do processo que corre em
primeiro grau, isto é, aqui não se discute se há base fático-probatória
suficiente para sustentar a acusação
10.
Consoante
abalizada lição de MARCELLUS POLASTRI LIMA: “Isto não impede, a toda evidência,
que o promotor venha, na fase própria, pedir a absolvição do réu, desde que
provada sua inocência ou as provas não sejam suficientes para autorizar uma
condenação, pois ao Estado não interessa uma sentença injusta.” (Ministério Público e Persecução Criminal,
4ª edição, Lumen Juris, 2007, p. 150). No mesmo sentido, o autorizado escólio
de PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN e JORGE ASSAF MALULY: “O artigo 42 do CPP diz que o
Ministério Público não pode desistir da ação que haja proposto, não pode dispor
da ação por razões de conveniência, política criminal etc. Isso não significa
que não possa e deva alvitrar a absolvição, quando vislumbrar a inocência do
acusado, máxime porque jamais perde sua qualidade de fiscal da lei, ainda quando
atuando na acusação” (Curso de Processo
Penal, 5ª edição, Forense, 2009, p. 107). Não há, portanto, atuação
ministerial a ser corrigida. O MM. Juiz já indeferiu o pedido de absolvição
sumária, cumprindo-lhe, então, dar o necessário impulso à marcha processual,
realizando a audiência única de instrução, debates e julgamento, nos termos do
art. 399 e seguintes do CPP, inclusive já designada.
Solução: não se conhece da presente remessa e, via de consequência,
deixa-se de designar outro membro do Ministério Público para oficiar nos autos,
destacando que a incumbência de intervir no feito em seus ulteriores termos
subsiste ao competente promotor natural.
Cuida-se de ação penal
movida pelo Ministério Público em face de (...) imputando-lhe, na denúncia de
fls. 01-d/02-d, o crime de falso testemunho agravado (CP, art. 342, § 1.º).
A inicial foi devidamente recebida,
determinando-se a citação da ré para responder à acusação (fl. 48), sendo a peça
correspondente apresentada, na qual se postulou a rejeição da peça exordial
(fls. 54/59).
O Douto Promotor de Justiça, recebendo os autos, apresentou
manifestação postulando a absolvição sumária em face da suposta atipicidade da
conduta (fls. 72/78).
O MM. Juiz, porém, discordou de tal posicionamento, e, designando audiência de instrução, debates e julgamento, conforme preconiza o art. 399 do CPP, determinou a remessa do caso a esta Procuradoria-Geral de Justiça, com fulcro no art. 28 do CPP, objetivando a designação de outro representante ministerial para nele oficiar (fls. 80/82).
Eis a síntese do
necessário.
Com a devida vênia do Digníssimo
Magistrado, não se justifica na hipótese concreta o envio do processo a esta
Chefia Institucional.
Isto porque o mecanismo contido
no art. 28 do CPP, invocado na r. decisão de fls. 80/82, constitui modalidade
anômala de controle do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública (CPP,
art. 24).
Como se sabe, nosso
processo criminal tem como princípio reitor, entre outros, o nec delicta maneant impunita. Bem por
isso, quando se detectar que o membro do Parquet
não exerceu a ação penal pública, devem ser endereçados os autos à Chefia
Institucional para análise da atitude verificada.
Não há dúvida alguma que a
sistemática sub examen há de sempre ser
interpretada de maneira restrita. Não se pode ampliar sua incidência para
situações processuais estranhas ao controle do princípio da legalidade da ação
penal pública (ou de seu corolário, o princípio da indisponibilidade – arts. 42
e 576 do CPP).
Isto não significa que
somente tem lugar o art. 28 do CPP quando o promotor de justiça pedir o
arquivamento dos autos e o Juiz discordar. Atualmente, como é cediço, também incide
a norma mencionada para efeito de controle do exercício da transação penal, da
suspensão condicional do processo, do aditamento da acusação nos casos de mutatio libelli (com expressa remissão
no art. 384 do CPP, cuja redação foi dada pela Lei n. 11.709/08) e na hipótese
de omissão ministerial (entendida como negativa de atuação).
Em todas as hipóteses enumeradas, a atuação do Procurador-Geral de Justiça, que age provocado pela autoridade judiciária, guarda íntima relação com o multicitado princípio da obrigatoriedade (ou seu consectário lógico – a indisponibilidade).
O procedimento examinado não se enquadra em quaisquer das situações relacionadas, cumprindo frisar que o Douto Promotor de Justiça em momento algum abriu mão do processo, negando-se a nele oficiar.
O pedido de absolvição sumária formulado pelo Representante Ministerial, além de devidamente fundamentado, constituiu o resultado de sua convicção funcional.
Nesta senda, acolher o pedido judicial e designar outro Órgão do Parquet para passar a atuar no expediente seria o mesmo que, a um só tempo, ferir dois dos mais importantes e basilares princípios institucionais do Ministério Público brasileiro: a independência funcional e o princípio do promotor natural, ambos consagrados na Constituição Federal.
Como ensina o festejado HUGO NIGRO MAZZILLI,
“O princípio do promotor natural consiste, pois, na existência de um órgão independente do Ministério Público, escolhido por prévios critérios legais e não casuisticamente, para o exercício das atribuições que a lei conferiu à instituição” (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 117).
Ressalte-se que o Egrégio Supremo Tribunal Federal já asseverou cuidar-se de princípio positivado no ordenamento pátrio:
“O postulado do Promotor Natural consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e pré-determinados, estabelecidos em lei” (HC 102.147/GO, rel. Min. Celso de Mello, DJe nº 22 de 02.02.2011). Em sentido semelhante, HC n. 103.038, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, julgado em 11/10/2011, publicado em 27-10-2011).
O ponto que se examina, nunca é demais frisar, nada tem com
o mérito do processo que corre em primeiro grau, isto é, aqui não se discute se
há base fático-probatória suficiente para sustentar a acusação
A resposta, como já se anteviu nos argumentos anteriormente expostos, é evidentemente negativa.
Consoante abalizada lição de MARCELLUS POLASTRI LIMA:
“Isto não impede, a toda evidência,
que o promotor venha, na fase própria, pedir a absolvição do réu, desde que
provada sua inocência ou as provas não sejam suficientes para autorizar uma
condenação, pois ao Estado não interessa uma sentença injusta.” (Ministério Público e Persecução Criminal,
4ª edição, Lumen Juris, 2007, p. 150).
No mesmo sentido, o autorizado escólio de PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN e JORGE ASSAF MALULY:
“O artigo 42 do CPP diz que o
Ministério Público não pode desistir da ação que haja proposto, não pode dispor
da ação por razões de conveniência, política criminal etc. Isso não significa
que não possa e deva alvitrar a absolvição, quando vislumbrar a inocência do
acusado, máxime porque jamais perde sua qualidade de fiscal da lei, ainda quando
atuando na acusação” (Curso de Processo
Penal, 5ª edição, Forense, 2009, p. 107).
Não há, portanto, atuação ministerial a ser revista.
O MM. Juiz já indeferiu o pedido de absolvição sumária, cumprindo-lhe, então, dar o necessário impulso à marcha processual, realizando a audiência única de instrução, debates e julgamento, nos termos do art. 399 e seguintes do CPP, inclusive já designada.
Diante do exposto, não se
conhece da presente remessa e, via de consequência, deixa-se de designar outro membro
do Ministério Público para oficiar nos autos, destacando que a incumbência de intervir
no feito em seus ulteriores termos subsiste ao competente promotor natural.
Publique-se a ementa.
São Paulo, 22 de abril de
2013.
Márcio Fernando Elias
Rosa
Procurador-Geral de
Justiça
/aeal