Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n. 55.682/13

Autos n. 455/13 – MM. Juízo da 28.ª Vara Criminal Central da Capital

Indiciado: (...)

Assunto: revisão de arquivamento parcial de inquérito policial

 

EMENTA: CPP, ART. 28. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO (LEI N. 10.826/03, ART. 12). INSTRUMENTO BÉLICO APREENDIDO NA RESIDÊNCIA DO INDICIADO DURANTE DILIGÊNCIA POLICIAL DESTINADA À INVESTIGAÇÃO DE TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. JUSTA CAUSA CONFIGURADA. REGIME JURÍDICO IMPLEMENTADO PELA LEI N. 11.706/08. NORMA QUE CONSAGRA A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE EM FACE DA ENTREGA VOLUNTÁRIA, ATITUDE SEM A QUAL O FATO É PUNÍVEL. ADITAMENTO DA DENÚNCIA QUE SE IMPÕE.

1.      As armas foram apreendidas na residência do suspeito, quando policiais civis para lá se dirigiram depois de receberem a informação de que ele e outras pessoas realizavam o comércio ilícito de tóxicos para a região nordeste do País. Inexiste, por ora, dúvida, quanto à propriedade do objeto material, pois o averiguado manteve-se em silêncio quando interrogado. Reconhece-se, desta feita, a presença de justa causa para deflagração da persecução penal em juízo.

2.      O regime legal da posse de armas de fogo de uso permitido, cujo detentor não as têm regularizadas, por qualquer motivo, modificou-se com o passar dos anos, desde o início da vigência do Estatuto do Desarmamento. Na hipótese dos autos, a apreensão do instrumento bélico ocorreu em fevereiro de 2013, devendo a questão ser analisada nos termos do art. 32 da Lei n. 10.826/03, segundo o qual se admite a entrega espontânea do armamento aos órgãos federais competentes, atitude esta que provocará a extinção da punibilidade.

3.      Arremate-se, nesta ordem de ideias, que se a norma citada proclama a extinção do direito de punir do Estado, conclui-se, por imperativo lógico, que a conduta, até então, era punível. Em outras palavras, sem essa conduta espontânea, permanecerá incólume o ius puniendi estatal.

Solução: designa-se outro promotor de justiça para, tão somente, aditar a denúncia, cumprindo ao Douto Representante Ministerial já oficiante prosseguir na causa até sua conclusão.

 

Cuida-se de ação penal movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em face de (...), (...), (...) e (...) imputando-lhes, na denúncia de fls. 01-d/06-d, o crime descrito no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, c.c. art. 29, caput, do CP.

O Douto Promotor de Justiça, ao propor a ação, entendeu por bem requerer o arquivamento do feito quanto aos delitos de associação para o tráfico e posse irregular de arma de fogo de uso proibido, o último cometido, em tese, por (...) (fls. 79/94).

O MM. Juiz, todavia, com relação ao pleito de arquivamento da investigação pelo delito capitulado no Estatuto do Desarmamento, aplicou o art. 28 do CPP, remetendo o caso a esta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 123).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia do Ilustre Representante Ministerial, não lhe assiste razão.

Seu pedido de arquivamento fundou-se na atipicidade da conduta, sustentada em interpretação dos atuais arts. 30 e 32 do Estatuto do Desarmamento.

A tese sufragada, contudo, não se apoiou na melhor interpretação dos dispositivos legais mencionados.

De acordo com o art. 30 da Lei n. 10.826/03:

 

“Os possuidores e proprietários de arma de fogo de uso permitido ainda não registrada deverão solicitar seu registro até o dia 31 de dezembro de 2008, mediante apresentação de documento de identificação pessoal e comprovante de residência fixa, acompanhados de nota fiscal de compra ou comprovação da origem lícita da posse, pelos meios de prova admitidos em direito, ou declaração firmada na qual constem as características da arma e a sua condição de proprietário, ficando este dispensado do pagamento de taxas e do cumprimento das demais exigências constantes dos incisos I a III do caput do art. 4o desta Lei.

Parágrafo único. Para fins do cumprimento do disposto no caput deste artigo, o proprietário de arma de fogo poderá obter, no Departamento de Polícia Federal, certificado de registro provisório, expedido na forma do § 4o do art. 5o desta Lei.” (grifo nosso).

 

O prazo para a entrega (ampliado no art. 20 da Lei n. 11.922, de 2009) abrange, pela singela leitura do dispositivo legal, apenas armas de uso permitido.

O lapso temporal encerrou-se em 31 de dezembro de 2009. Ampliá-lo indefinidamente, como pretende o Douto Órgão do Parquet, representa afronta ao texto expresso da lei.

Ademais, o instrumento bélico apreendido apresentava numeração suprimida, qualificando-o como arma de uso proibido, de tal maneira que a ele não incide o dispositivo aludido.

Com relação ao art. 32, este prevê:

 

“Os possuidores e proprietários de arma de fogo poderão entregá-la, espontaneamente, mediante recibo, e, presumindo-se de boa-fé, serão indenizados, na forma do regulamento, ficando extinta a punibilidade de eventual posse irregular da referida arma”.

 

Cuida-se a norma destacada de causa extintiva da punibilidade, decorrente da entrega espontânea do armamento.

A pistola, como se nota indisputavelmente nos autos, foi apreendida por policiais e não entregue espontaneamente pelo indiciado.

Não há mais falar-se em abolitio criminis temporária, como ocorria nos primeiros anos da vigência do Diploma mencionado.

A Comissão do Senado Federal que examinou o Projeto de Lei do qual resultou a elaboração da Lei n. 11.706/08, em face da conversão da Medida Provisória n. 417, em parecer, exarou:

 

“Como ressalva, um comentário sobre a polêmica tese da descriminalização da posse de arma de fogo em razão do art. 32 da Lei n. 10.826, de 2003. Temia-se que a possibilidade de entrega, a qualquer tempo, da arma de fogo mediante indenização e presunção de boa-fé fosse entendida como uma estratégia de descriminalização, na linha de algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça e do próprio Supremo Tribunal Federal.

Ciente dessa disputa jurídica, o PLV utiliza, no art. 32 da Lei n. 10.826, de 2003, a expressão ‘ficando extinta a punibilidade de eventual posse irregular da referida arma’. Desse modo, não se poderá alegar que a posse ilegal de arma de fogo foi descriminalizada, pois o que se admitiu, tecnicamente, foi a ‘extinção da punibilidade’ pela entrega voluntária. Noutras palavras: se, ao cumprir um mandado de busca e apreensão domiciliar, a polícia encontrar uma arma de fogo não registrada no interior da residência, o crime subsiste.

A causa de extinção da punibilidade só incidirá se o interessado voluntariamente entregar a arma de fogo, buscando por iniciativa própria a polícia federal.” (fonte: www.senado.gov.br).

 

Arremate-se, nesta ordem de ideias, que se a norma proclama a extinção do direito de punir do Estado, conclui-se, por imperativo lógico, que a conduta, até então, era punível.

Em outras palavras, sem essa atitude espontânea, permanecerá incólume o ius puniendi estatal.

Tem-se, daí, que todo aquele que guarda em sua residência arma de fogo sem o devido registro, incorre na infração penal contida nos arts. 12 ou 16 da Lei n. 10.826/03, os quais se encontram em pleno vigor.

Reconhece-se, desta feita, a presença de justa causa para deflagração da persecução penal em juízo.

Diante do exposto, designa-se outro promotor de justiça para, tão somente, aditar a denúncia, cumprindo ao Douto Representante Ministerial já oficiante prosseguir na causa até sua conclusão.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

 

São Paulo, 22 de abril de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

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