Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n. 69.160/13

Autos n. 706/12 – MM. Juízo do Juizado Especial Criminal da Comarca de Cerqueira César

Indiciada: (...)

Assunto: revisão de pedido de arquivamento do feito

 

 

EMENTA: CPP, ART. 28. CRIME DE “FAVORECIMENTO REAL IMPRÓPRIO” (CP, ART. 349-A). PESSOA SURPREENDIDA NA POSSE DE PLACA DE CIRCUITO IMPRESSO DE APARELHO DE TELEFONIA MÓVEL, DURANTE REVISTA EFETUADA EM PENITENCIÁRIA. HIPÓTESE ABRANGIDA PELO TIPO PENAL MENCIONADO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA QUE NÃO SE CONFUNDE COM ANALOGIA IN MALAM PARTEM. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA OU PROPOSTA DE TRANSAÇÃO PENAL QUE SE IMPÕEM.

1. A controvérsia estabelecida no feito em testilha reside em definir se a conduta consistente na entrada desautorizada em penitenciária com peças componente de aparelho de telefone celular configura o crime previsto no art. 349-A do CP.

2. Dá-se o delito em questão quando do ingresso de aparato telefônico de comunicação móvel, rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional. A lei incrimina, também, os atos de promover (efetuar, direta ou indiretamente), intermediar (atuar como intermediador, interceder), auxiliar (prestar ajuda) ou facilitar a entrada do dispositivo de comunicação à distância. O objeto material, isto é, a coisa sobre a qual recai o comportamento, é o aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, v.g. os radiocomunicadores, “walkie-talkies”, dispositivos que permitam acesso à rede mundial de computadores (“internet”), etc.

3. Estão incluídas na disposição, ainda, as partes essenciais do objeto, tais como “chip”, placas do sistema informático, bateria ou antena. Não se trata de analogia in malam partem (vedada), mas de interpretação extensiva (permitida), já que a norma não é ampliada, nesse caso, para fora de seu âmbito, atingindo situação nela não prevista, mas estendida dentro do limite de seu próprio campo de ação, porque se nota que o legislador disse menos do que queria (lex dixit minus quam voluit). A prevalecer solução diversa, a lei coibiria o ingresso do aparelho intacto, mas não puniria sua entrada fracionada, o que se mostra de todo absurdo.

4. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu várias vezes, no que se refere à caracterização de falta grave (art. 50, VII, da LEP), que a posse de “chip” de aparelho celular configura o ilícito penitenciário tanto quanto a do objeto inteiro. Parece-nos que idêntico raciocínio há de prevalecer para a caracterização do delito em estudo, até porque os princípios constitucionais penais, como a legalidade e a retroatividade benéfica, são aplicáveis à esfera da execução penal e, se não há ofensa a eles na fase executiva, não há por que reconhecê-la no que toca à tipificação do art. 349-A.

Solução: designa-se outro promotor de justiça para oferecer denúncia ou propor transação penal, devendo prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

 

 

 

 

Cuida-se de procedimento instaurado para apurar a conduta praticada por (...) quando, no dia 04 de fevereiro de 2012, tentou ingressar na Penitenciária II – Potim, São Paulo, portando placa de madeira com numeração referente ao guarda-volumes do estabelecimento adulterada, a qual levava em seu interior uma placa de circuito interno de aparelho de telefonia móvel.

Concluídas as providências de polícia judiciária, o Douto Promotor de Justiça deixou de oferecer denúncia quanto ao crime previsto no art. 349-A do CP, entendendo atípico o comportamento retratado no feito, diante do novo tipo penal introduzido pela Lei n. 12.012/09 (fl. 26).

A MM. Juíza, discordando do arquivamento proposto, remeteu a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fls. 28/30).

Eis a síntese do necessário.

A razão se encontra com a Digníssima Magistrada, com a máxima vênia do Ilustre Representante Ministerial.

A controvérsia estabelecida no feito em testilha reside em definir se ingresso desautorizado em penitenciária com parte de aparelho de telefonia móvel configura o crime previsto no art. 349-A do CP.

Cumpre consignar, de início, que a utilização destas vias de comunicação em estabelecimentos prisionais tornou-se, a partir da última década, grave problema de segurança pública. No início dos anos 2000, viu-se um progressivo crescimento da telefonia celular móvel em nosso país, acompanhado da oferta, cada vez mais intensa e menos exigente de formalidades (notadamente na modalidade de aparelhos e chips pré-pagos), de dispositivos para conversação à distância.

Os criminosos não ficaram alheios a tais facilidades e aproveitaram para se abastecer de incontáveis linhas telefônicas móveis, com as quais começaram a cometer delitos no interior de prisões, coordenando ações ilícitas e gerenciando organizações criminosas.

O Estado, então, apercebeu-se da necessidade de combater essas condutas.

No plano jurídico, a primeira tentativa de reprimir os atos deu-se com a edição de regulamentos administrativos impondo sanções disciplinares que levavam à cassação de benefícios, como se fosse falta grave.

Ocorre, todavia, que a Lei de Execução Penal somente autoriza o Estado-membro a dispor sobre faltas leves e médias, sendo as graves albergadas por reserva de lei federal (art. 49 da LEP, a contrario sensu).

Baseando-se nesse fundamento, o Superior Tribunal de Justiça tornou sem efeito inúmeras decisões que impuseram a perda dos dias remidos a presos flagrados com aparelho celular (posto que tal consequência apenas pode decorrer da citada falta grave).

Nossos legisladores, a partir daí, visando suprir a lacuna identificada, apressaram-se em aprovar a Lei n. 11.466/2007, a qual incluiu o inciso VII ao art. 50 da Lei de Execução Penal, considerando falta grave o ato de ter na “posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo”.

Além disso, inseriram no Código Penal o art. 319-A, punindo o diretor de penitenciária ou agente público que se omitir no dever de impedir o ingresso de tais objetos no ambiente prisional.

Colmatava-se, então, o hiato acima mencionado. Outro, todavia, persistia, porquanto os particulares responsáveis pela introdução dos aparelhos nas prisões, salvo quando conluiados com o servidor penitenciário, permaneciam impunes.

Por esse motivo, entrou em vigor a Lei n. 12.012/09, introduzindo no Código Penal o art. 349-A, tipificando referida conduta (“ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional”).

Pune-se, no chamado “favorecimento real impróprio”, o ingresso (entrada) de aparelho telefônico de comunicação móvel, rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional.

A lei incrimina, também, os atos de promover (efetuar, direta ou indiretamente), intermediar (atuar como intermediador, interceder), auxiliar (prestar ajuda) ou facilitar a entrada do dispositivo de comunicação à distância.

O objeto material, isto é, a coisa sobre a qual recai o comportamento, é o aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, v.g. os radiocomunicadores, walkie-talkies, dispositivos que permitam acesso à rede mundial de computadores (internet), etc.

Estão incluídas na disposição, ainda, as partes essenciais do objeto, tais como “chip”, bateria ou antena. Não se trata de analogia in malam partem (vedada), mas de interpretação extensiva (permitida), já que a norma não é ampliada, nesse caso, para fora de seu âmbito, atingindo situação nela não prevista, mas estendida dentro do limite de seu próprio campo de ação, porque se nota que o legislador disse menos do que queria (lex dixit minus quam voluit). A prevalecer solução diversa, a lei coibiria o ingresso do aparelho intacto, mas não puniria sua entrada fracionada, o que se mostra de todo absurdo.

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu várias vezes, no que se refere à caracterização de falta grave (art. 50, VII, da LEP), que a posse de “chip” de aparelho celular configura o ilícito penitenciário tanto quanto a do objeto inteiro. Parece-nos que idêntico raciocínio há de prevalecer para a caracterização do delito em estudo, até porque os princípios constitucionais penais, como a legalidade e a retroatividade benéfica, são aplicáveis à esfera da execução penal e, se não há ofensa a eles na fase executiva, não há por que reconhecê-la no que toca à tipificação do art. 349-A.

Diante do exposto, designa-se outro promotor de justiça para oficiar no feito e verificar, segundo sua independência funcional, o cabimento da transação penal ou, caso a investigada não preencha os requisitos legais, o oferecimento de denúncia, devendo, em qualquer hipótese, prosseguir no procedimento em seus ulteriores termos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 14 de maio de 2013.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

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