Código de Processo Penal, art. 28

Protocolado n. 144.127/13

Autos n. 1.280/12 – MM. Juízo da Vara do Juizado Especial Criminal da Comarca de Dracena

Investigado: (...)

Assunto: revisão de arquivamento de inquérito policial

 

EMENTA: CPP, ART. 28. CRIME CONTRA A HONRA SUPOSTAMENTE PRATICADO CONTRA FUNCIONÁRIO PÚBLICO EM RAZÃO DE SUAS FUNÇÕES. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO (CP, ART. 145, PARÁGRAFO ÚNICO E SÚMULA N. 714 DO STF). HIPÓTESE EM QUE O INVESTIGADO PUBLICOU, EM JORNAL DA CIDADE, ARTIGO QUESTIONANDO  A DIFERENÇA NA CONDUTA DO PREFEITO DA CIDADE PERANTE EMPRESAS VENCEDORAS DE LICITAÇÕES PÚBLICAS. EXERCÍCIO DO DIREITO CONSTITUCIONAL DE EXPRESSÃO. AUSÊNCIA DE ANIMUS CALUNIANDI VEL DIFFAMANDI. ARQUIVAMENTO QUE SE IMPÕE.

1. A instauração da persecutio criminis in judicio somente será minimamente viável se a petição inicial descrever fato aparentemente criminoso, isto é, penalmente típico e antijurídico.

2. Analisando a representação formulada e o artigo publicado no jornal, nota-se que os comentários não foram elaborados visando à macular a honra objetiva ou subjetiva do peticionário, e, sim, questionar a diferença na conduta do Prefeito Municipal ao punir apenas determinadas pessoas jurídicas por descumprimento contratual, e outras não.

3. Deve-se sublinhar, outrossim, que o suposto ofendido, na condição de agente político, não poderia pretender que suas decisões e providências administrativas ficassem a salvo de crítica por parte de seu destinatário último: a sociedade, representada pelos órgãos de imprensa. Estes, ademais, não podem ser coartados em sua liberdade de manifestação e crítica, inerente à sua atividade fiscalizatória.

4. Discorrendo sobre os crimes de opinião por meio da imprensa, DARCY ARRUDA MIRANDA afirmava: “deve ser considerada como esculca incansável da civilização, almenara vigilante e impertérrita dos direitos dos povos, pálio sagrado de todas as liberdades” (Comentários à Lei de Imprensa, Vol. 1, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1969, pág. 38). O eminente ex-Ministro do STF, CARLOS BRITTO, no voto proferido na liminar concedida na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 130, pontificou: “Por isso que emerge da nossa Constituição a inviolabilidade da liberdade de expressão e de informação (incisos IV, V, IX e XXXIII do art. 5º) e todo um capítulo que é a mais nítida exaltação da liberdade de imprensa. Refiro-me ao Capítulo V, do Título VIII, que principia com os altissonantes enunciados de que: a) “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão nenhuma restrição, observado o disposto nesta Constituição” (art. 220); b) “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XV” (§ 1º do art. 220). (...). Por isso que, em nosso País, a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade, porquanto o que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja”.

5. Nota-se, das lições transcritas, que, seja no plano doutrinário ou da interpretação judicial, inexistiu infração penal na hipótese em tela.

6. É preciso acrescentar, por oportuno, não ter havido animus calumniandi vel diffamandi, elemento subjetivo indispensável à existência do ilícito penal. Consoante já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça (Ação Penal n. 473, rel. Min. GILSON DIPP, DJe de 08/09/2008): “(...). CRIME CONTRA A HONRA. CALÚNIA. DOLO ESPECÍFICO. AUSÊNCIA. QUEIXA REJEITADA. O dolo específico (animus calumniandi), ou seja, a vontade de atingir a honra do sujeito passivo, é indispensável para a configuração do delito de calúnia”.

7. Recorde-se, neste diapasão, a teoria dos animi, que retrata situações nas quais, por ausência deste elemento típico, não há ilícito penal algum. É o que ocorre nos seguintes casos: (i) animus jocandi: intenção jocosa, desde que não tenha caráter humilhante; (ii) animus corrigendi, instruendi, docendi, emendandi: intenção de instruir, educar, informar, repreendendo ou admoestando; (iii) animus narrandi: intuito de transmitir (narrar) uma informação, sem deturpação; (iv) animus defendendi: é o que se verifica quando a ofensa é irrogada em juízo, na discussão da causa; (v) animus consulendi: intenção de aconselhar, advertir, de maneira espontânea ou provocada, isto é, por iniciativa própria ou a pedido de alguém.

8. As frases enunciadas pelo suspeito foram elaboradas, pelo que se depreende, com animus narrandi, ainda que traduzindo indignação.

9. Pode-se concluir, então, no sentido da inviabilidade do ajuizamento da demanda.

Solução: insiste-se no arquivamento formulado.

 

Cuida-se de investigação penal instaurada a partir de representação encaminhada pelo Prefeito Municipal de Dracena, (...), visando à apuração da suposta prática de difamação agravada (CP, art. 139 c.c. art. 141, II) cometido, em tese, por (...).

Conforme sua narrativa, o autor da conduta publicou matéria no periódico impresso intitulado “Interativo”, em edição de 18 de agosto de 2012, noticiando que a sedizente vítima, por interesse próprio, privilegiaria determinadas empreiteiras vencedoras de licitações (fls. 02/04).

O indiciado, ouvido, negou o ato imputado, asseverando que em momento algum promoveu acusações a respeito da conduta do Prefeito, a quem respeitaria e admiraria; contudo, sua coluna serviria como “palco para a fomentação de discussões relevantes para a sociedade Dracenense” e ele estranhou o fato de algumas empresas não serem punidas pelo descumprimento dos contratos firmados ou as sanções eventualmente cominadas não se tornarem públicas.

Acrescentou, outrossim, que o ofendido, ao invés de se preocupar em imputar-lhe infração penal, deveria esclarecer a população acerca dos fatos (fls. 09/10 e 88/89).

Encerradas as providências inquisitivas, o Douto Promotor de Justiça, em judiciosa manifestação, pleiteou o arquivamento do feito, pois, em sua ótica, não restou demonstrado o elemento subjetivo do injusto a configurar o tipo penal previsto no art. 139 do CP; o comportamento do indiciado, não obstante, estaria calcado nos direitos constitucionais de liberdade de manifestação de pensamento (CF, art. 5.º, IV) e liberdade de comunicação (CF, art. 5.º, IX).

O MM. Juiz, entretanto, discordou de tal solução, determinando o envio da questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do CPP (fl. 99).

Eis a síntese do necessário.

A razão se encontra com o Ilustre Representante Ministerial, com a devida vênia do Digníssimo Magistrado.

Dos elementos de informação coligidos infere-se que o investigado publicou no jornal “Interativo”, edição de 18 de agosto de 2012, artigo questionando a conduta do Prefeito Municipal, ao punir algumas somente determinadas empresas que não cumprissem contratos celebrados com a Administração Pública, privilegiando outras, asseverando que poderia haver favorecimento ilegal.

A propositura da ação, na hipótese vertente, mostra-se inadmissível.

É preciso lembrar, de início, que o oferecimento de denúncia exige o cumprimento dos pressupostos processuais e das condições da ação criminal. Não é por outra razão que o Código de Processo Penal, em seu artigo 395, cuja redação foi modificada pela Lei n. 11.719/08, declara deva a exordial ser rejeitada liminarmente quando ausentes mencionados requisitos.

A instauração da persecutio criminis in judicio somente será minimamente viável se a petição inicial descrever fato aparentemente ilícito, isto é, penalmente típico e antijurídico.

Analisando a representação formulada, que deu origem à investigação e as críticas do suspeito, nota-se que os comentários não foram elaborados visando a macular a honra objetiva ou subjetiva do peticionário, e, sim, externar opinião relativa aos atos do Chefe do Poder Executivo.

Deve-se sublinhar, outrossim, que a sedizente vítima, na condição de agente político, não poderia pretender que suas políticas administrativas ficassem a salvo de qualquer crítica por parte de seu destinatário último: a sociedade.

A se considerar criminosa a publicação, estar-se-ia coartando a liberdade de manifestação e crítica, inerente à atividade fiscalizatória dos órgãos de imprensa.

Não há, assim, como atribuir ao suspeito infração penal lesiva à honra.

Discorrendo sobre os crimes de opinião por meio da imprensa, DARCY ARRUDA MIRANDA afirmava:

 

“deve ser considerada como esculca incansável da civilização, almenara vigilante e impertérrita dos direitos dos povos, pálio sagrado de todas as liberdades” (Comentários à Lei de Imprensa, Vol. 1, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1969, pág. 38).

 

O eminente ex-Ministro CARLOS BRITTO, no voto proferido na liminar concedida na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 130 (STF), assim pontificou:

 

“Por isso que emerge da nossa Constituição a inviolabilidade da liberdade de expressão e de informação (incisos IV, V, IX e XXXIII do art. 5º) e todo um capítulo que é a mais nítida exaltação da liberdade de imprensa. Refiro-me ao Capítulo V, do Título VIII, que principia com os altissonantes enunciados de que: a) “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão nenhuma restrição, observado o disposto nesta Constituição” (art. 220); b) “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XV” (§ 1º do art. 220). (...). Por isso que, em nosso País, a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade, porquanto o que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja”.

Nota-se, das lições transcritas, que, seja no plano doutrinário ou da interpretação judicial, inexistiu infração na hipótese em tela.

É preciso acrescentar, por oportuno, não ter havido animus calumniandi vel diffamandi, elemento subjetivo indispensável à existência do ilícito penal.

Consoante já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça (Ação Penal n. 473, rel. Min. GILSON DIPP, DJe de 08/09/2008):

 

“(...). CRIME CONTRA A HONRA. CALÚNIA. DOLO ESPECÍFICO. AUSÊNCIA. QUEIXA REJEITADA. O dolo específico (animus calumniandi), ou seja, a vontade de atingir a honra do sujeito passivo, é indispensável para a configuração do delito de calúnia”.

 

Recorde-se, neste diapasão, a teoria dos animi, que retrata situações nas quais, por ausência deste elemento típico, não há ilícito penal algum.

É o que ocorre nos seguintes casos: (i) animus jocandi: intenção jocosa, desde que não tenha caráter humilhante; (ii) animus corrigendi, instruendi, docendi, emendandi: intenção de instruir, educar, informar, repreendendo ou admoestando; (iii) animus narrandi: intuito de transmitir (narrar) uma informação, sem deturpação; (iv) animus defendendi: é o que se verifica quando a ofensa é irrogada em juízo, na discussão da causa; (v) animus consulendi: intenção de aconselhar, advertir, de maneira espontânea ou provocada, isto é, por iniciativa própria ou a pedido de alguém.

As frases enunciadas pelo suspeito foram elaboradas, ao que nos parece, com animus narrandi, ainda que traduzindo indignação.

Pode-se concluir, então, no sentido da inviabilidade do ajuizamento da demanda.

Diante do exposto, com a máxima vênia do Digníssimo Magistrado, deixa-se de designar outro promotor de justiça para oferecer denúncia ou requisitar novas diligências e insiste-se no arquivamento do inquérito policial.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 24 de setembro de 2013.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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