Código de Processo Penal, art. 384, §1.º

Protocolado n.º 20.352/14

Autos n.º 24/13 – MM. Juízo da 2.ª Vara Criminal da Comarca de Guarujá

Réu: (...)

Assunto: recusa ministerial em aditar a denúncia em face de provas colhidas na fase judicial

 

EMENTA: CPP, ART. 384, §1º. IMPUTAÇÃO VESTIBULAR PELOS CRIMES DESCRITOS NO ART. 14 DA LEI N.º 10.826/03 E 329, CAPUT, DO CP. DECLARAÇÕES FIRMES DOS MILICIANOS, COLHIDAS EM JUÍZO, NO SENTIDO DE QUE OS DISPAROS DE ARMA DE FOGO FORAM EFETUADOS EM SUA DIREÇÃO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO CONFIGURADA. COMPATIBILIDADE ENTRE DOLO EVENTUAL E CONATUS PROXIMUS. ADITAMENTO QUE SE IMPÕE. ATRIBUIÇÃO DO MEMBRO DO PARQUET OFICIANTE JUNTO AO TRIBUNAL DO JÚRI DA COMARCA PARA EMENDAR A PEÇA EXORDIAL.

1. Cuida-se de ação penal movida pelo Ministério Público em face do agente imputando-lhe os crimes descritos no artigo 14 da Lei n.º 10.826/03 e no art. 329, caput, do CP.

2. A MM. Juíza, ao cabo da instrução processual, aplicou ao caso o art. 384 do CPP, encaminhando o feito ao Parquet para aditamento da petição inicial. O Douto Promotor de Justiça, contudo, deixou de fazê-lo, pois, em sua ótica, o ato perpetrado pelo réu não constituiu tentativa de homicídio, mas mera resistência.

3. Há nos autos declarações dos milicianos colhidas em juízo firmes no sentido de que os disparos de arma de fogo foram efetuados em sua direção. Esse ato não constitui simples delito de resistência, mas verdadeira tentativa de homicídio, podendo-se inferir que o réu, quando menos, assumiu o risco de produzir a morte dos servidores públicos. Houve, senão dolo direto, nítido dolo eventual.

4. Tal figura, como é cediço, encontra-se traçada em nosso Código Penal na fórmula abstrata do art. 18, I, in fine, calcada na atitude subjetiva de assumir o risco do resultado. A descrição legal, todavia, não é considerada pela doutrina como fiel à essência do dolus eventualis, como adverte, entre outros, HELENO CLÁUDIO FRAGOSO (Lições de Direito Penal, A nova Parte Geral, 8ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1985, pág. 178).

5. O delineamento dessa modalidade de dolo ocorre quando o sujeito prevê o resultado como possível e o aceita ou com ele consente. Há, portanto, a representação do evento, isto é, o desfecho gravoso passa pela mente do autor, aliada à sua aquiescência, ou seja, à indiferença quanto à sua produção. Como ensina DAMÁSIO DE JESUS: “A vontade não se dirige ao resultado (o agente não quer o evento), mas sim à conduta, prevendo que esta pode produzir aquele. Percebe que é possível causar o resultado e, não obstante, realiza o comportamento. Entre desistir da conduta e causar o resultado, prefere que este se produza” (Direito Penal, Vol. 1, São Paulo, Saraiva, 2008, pág. 288).

6. Essa anuência à produção do resultado não é, jamais, verbalizada ou mesmo confessada. Não requer, ademais, consentimento explícito e formalmente demonstrado. O único meio de se aferir essa postura psíquica se dá por meio do exame do comportamento exterior. Jamais o indiciado, com efeito, irá declarar perante a autoridade que previu e não se importou com o desfecho. Neste diapasão, o que se deve perquirir é identificar no pensamento do autor da conduta a seguinte postura psicológica: "vejo o perigo, sei de sua possibilidade, mas, apesar disso, dê no que der, vou praticar o ato arriscado" (FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, Princípios básicos de Direito Penal, 5.ª edição, 10.ª Tiragem, São Paulo, Saraiva, 2002, pág. 303).

7. Nessa forma de dolo, ensina LUIZ LUISI: "o agente se propõe determinado fim”, e, “na representação dos meios a serem usados, bem como na forma de operá-los, prevê a possibilidade de ocorrerem determinadas consequências. Quando o agente, apesar de prever essas consequências como possíveis - e embora não as deseje - tolera, consente, aprova ou anui na efetivação das mesmas, não desistindo de orientar sua ação no sentido escolhido e querido para atingir o fim visado, consciente da possibilidade das consequências de tal opção, o dolo, com relação às consequências previstas como possíveis, é eventual" (O tipo penal e a teoria finalista da ação, Porto Alegre, A Nação Editora, 1979, pág. 74).

8. O dolo eventual, ademais, mostra-se compatível com a figura do conatus proximus, pois a Lei o equipara sem ressalvas ao dolo direto.

9. Acrescente-se, por oportuno, que na existência de dúvidas nesta fase da persecução penal, estas seriam dirimidas em favor da sociedade, na esteira do entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23 de março de 2011).

Solução: conhece-se da presente remessa para designar o Membro do Parquet oficiante perante o Tribunal Popular para emendar a denúncia.

 

 

Cuida-se de ação penal movida pelo Ministério Público em face de (...) imputando-lhe, na denúncia de fls. 1-D/2-D, os crimes descritos no artigo 14 da Lei n.º 10.826/03 e no art. 329, caput, do CP.

A peça exordial foi recebida (fl. 39), citando-se regularmente o réu (fl. 56).

O feito teve processamento regular e, ao cabo da instrução processual, as partes apresentaram memoriais escritos (fls. 142/146 e 150/152).

 A MM. Juíza, recebendo os autos conclusos, determinou ao Parquet o aditamento da petição inicial, vislumbrando prova do cometimento de infração diversa daquelas descritas na acusação (fl. 156).

O Douto Promotor de Justiça, contudo, deixou de fazê-lo, pois, em sua ótica, o ato perpetrado pelo agente não constituiu tentativa de homicídio, mas mera resistência (fls. 158/159).

A Digníssima Magistrada discordou de tal posicionamento, encaminhando a questão para análise desta Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do art. 384, §1.º, do CPP (fl. 160).

Eis a síntese do necessário.

A razão se encontra com a Insigne Julgadora, com a máxima vênia do Ilustre Representante Ministerial.

Isto porque as declarações dos milicianos em juízo foram firmes no sentido de que os disparos de arma de fogo foram efetuados na direção da guarnição policial (fls. 122 e 140).

Esse ato não constitui simples delito de resistência, mas verdadeira tentativa de homicídio, podendo-se inferir que o réu, quando menos, assumiu o risco de produzir a morte dos servidores públicos. Houve, senão dolo direto, nítido dolo eventual.

Tal figura, como é cediço, encontra-se traçada em nosso Código Penal na fórmula abstrata do art. 18, I, in fine, calcada na atitude subjetiva de assumir o risco do resultado.

A descrição legal, todavia, não é considerada pela doutrina como fiel à essência do dolus eventualis, como adverte, entre outros, HELENO CLÁUDIO FRAGOSO (Lições de Direito Penal, A nova Parte Geral, 8ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1985, pág. 178).

O delineamento dessa modalidade de dolo ocorre quando o sujeito prevê o resultado como possível e o aceita ou com ele consente.

Há, portanto, a representação do evento, isto é, o desfecho gravoso passa pela mente do autor, aliada à sua aquiescência, ou seja, à indiferença quanto à sua produção. Como ensina DAMÁSIO DE JESUS:

 

“A vontade não se dirige ao resultado (o agente não quer o evento), mas sim à conduta, prevendo que esta pode produzir aquele. Percebe que é possível causar o resultado e, não obstante, realiza o comportamento. Entre desistir da conduta e causar o resultado, prefere que este se produza” (Direito Penal, Vol. 1, São Paulo, Saraiva, 2008, pág. 288).

 

Essa anuência à produção do resultado não é, jamais, verbalizada ou mesmo confessada. Não requer, ademais, consentimento explícito e formalmente demonstrado. O único meio de se aferir essa postura psíquica se dá por meio do exame do comportamento exterior. Jamais o indiciado, com efeito, irá declarar perante a autoridade que previu e não se importou com o desfecho.

Neste diapasão, o que se deve perquirir é identificar no pensamento do autor da conduta a seguinte postura psicológica:

 

"vejo o perigo, sei de sua possibilidade, mas, apesar disso, dê no que der, vou praticar o ato arriscado" (FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, Princípios básicos de Direito Penal, 5.ª edição, 10.ª Tiragem, São Paulo, Saraiva, 2002, pág. 303).

 

Nessa forma de dolo, ensina LUIZ LUISI:

 

"o agente se propõe determinado fim”, e, “na representação dos meios a serem usados, bem como na forma de operá-los, prevê a possibilidade de ocorrerem determinadas consequências. Quando o agente, apesar de prever essas consequências como possíveis - e embora não as deseje - tolera, consente, aprova ou anui na efetivação das mesmas, não desistindo de orientar sua ação no sentido escolhido e querido para atingir o fim visado, consciente da possibilidade das consequências de tal opção, o dolo, com relação às consequências previstas como possíveis, é eventual" (O tipo penal e a teoria finalista da ação, Porto Alegre, A Nação Editora, 1979, pág. 74).

 

O dolo eventual, ademais, mostra-se compatível com a figura do conatus proximus, pois a Lei o equipara sem ressalvas ao dolo direto.

Acrescente-se, por oportuno, que na existência de dúvidas nesta fase da persecução penal, estas seriam dirimidas em favor da sociedade, na esteira do entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. HOMICÍDIO, NA FORMA TENTADA, PRATICADO POR MILITAR CONTRA CIVIL. INQUÉRITO POLICIAL. NECESSIDADE DE EXAME DETALHADO E CUIDADOSO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO SOCIETATE”. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.

1. A presença de dolo, direito ou eventual, na conduta do agente só pode ser acolhida na fase inquisitorial quando se apresentar de forma inequívoca e sem necessidade de exame aprofundado de provas, eis que neste momento pré-processual prevalece o princípio do “in dubio pro societate”.

2. Os fatos serão melhor elucidados no decorrer do desenvolvimento da ação penal, devendo o processo tramitar no Juízo Comum, por força do princípio “in dubio pro societate” que rege a fase do inquérito policial, em razão de que somente diante de prova inequívoca deve o réu ser subtraído de seu juiz natural. Se durante o inquérito policial, a prova quanto à falta do “animus necandi” não é inconteste e tranquila, não pode ser aceita nesta fase que favorece a sociedade, eis que não existem evidências inquestionáveis para ampará-la sem margem de dúvida. (...)”.

(STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23 de março de 2011)

 

A análise do conjunto probatório, portanto, recomenda que se proceda ao aditamento excogitado, o qual há de ser concretizado, desde já, pelo Promotor do Júri da Comarca.

Diante disso, conhece-se da presente remessa para designar o Membro do Parquet oficiante perante o Tribunal Popular para emendar a denúncia (ou seu substituto legal, se aquele eventualmente for o Nobre Representante Ministerial que subscreveu a preambular), cabendo-lhe prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 07 de fevereiro de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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