CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, art. 28

 

Protocolado nº 37.005/09

Inquérito Policial nº 361.02.2008.006898-0 – MM. Juízo da 2ª Vara Judicial do Foro Distrital de Brás Cubas

Indiciado: (...)

 

Ementa: CPP, art. 28. Violência doméstica ou familiar contra a mulher (Lei n. 11.340/06). Crime de lesão corporal dolosa leve (CP, art. 129, §9º). Ação penal. Exigência de representação.

1. Em que pese o entendimento de parte da jurisprudência no sentido de que o art. 41 da Lei n. 11.340/06 afastaria a incidência do art. 88 da Lei n. 9.099/95, tornando o crime de lesão corporal dolosa leve (quando cometido em situação caracterizadora de violência doméstica ou familiar contra a mulher) de ação penal pública incondicionada, cremos que a exigência de representação deve-se entender subsistente.

2. É que a interpretação sistemática e teleológica da Lei Maria da Penha, notadamente em face do disposto no seu art. 16, revela que, na verdade, a mens legis não foi suprimir a exigência da mencionada condição de procedibilidade, mas, antes disso, mantê-la, exigindo porém, no caso de renúncia ou retratação, que a manifestação de vontade fosse confirmada judicialmente, em audiência especialmente designada para esse fim.

Solução: deixo de designar outro promotor de justiça para oferecer denúncia, uma vez que não houve representação da ofendida.

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar suposto delito de lesão corporal dolosa leve, praticado, em tese, no dia 1.º de julho de 2008, no período noturno, no interior da residência situada na Avenida José Rodrigues Pires, n. 387, na Comarca de Mogi das Cruzes, figurando como autor do fato (...) e, como vítima, (...).

As declarações da vítima encontram-se a fls. 09 e a inquirição do autor do fato está registrada no termo de fls. 10.

Há, ainda, laudo de exame de corpo de delito, o qual indica ter (...) sofrido lesões corporais de natureza leve (fls. 13).

A diligente Promotora de Justiça oficiante requereu se aguardasse o decurso do prazo para oferecimento da representação, haja vista cuidar-se de crime de ação penal pública a ela condicionada (fls. 17). Com o transcurso do mencionado lapso, postulou fosse declarada a extinção da punibilidade pela decadência (fls. 21). O MM. Juiz, todavia, entendendo que a infração se procede por ação penal pública incondicionada, indeferiu o requerimento e aplicou, por analogia, o art. 28 do CPP (fls. 22/23).

É o relatório.

Com a devida vênia do d. Magistrado, entendemos que não lhe assiste razão, em que pese encontrar-se ele amparado por sólidos argumentos.

É preciso anotar que, na hipótese dos autos, a ofendida deixou claro seu desinteresse em processar o autor do fato, como se nota no depoimento por ela prestado (fls. 09).

Muito embora o caso sub examen se subsuma ao conceito de violência doméstica ou familiar contra a mulher (pois havia união estável com coabitação e filhos em comum), acreditamos que a Lei n. 11.340/06 não revogou a exigência de representação nos crimes de lesão corporal dolosa leve.

Somos da opinião de que o art. 41 da Lei Maria da Penha não pode ser interpretado isoladamente. Referido dispositivo estabelece que:

 

“aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995”.

Numa interpretação puramente literal e isolada, poder-se-ia concluir que o art. 88 da Lei n. 9.099/95, o qual determina que a lesão corporal dolosa leve e a lesão culposa são crimes de ação pública condicionada à representação, não mais se aplica ao ilícito envolvendo violência doméstica contra a mulher (art. 129, § 9º, do CP), de modo que esse fato teria se tornado delito de ação penal pública incondicionada.

De ver, contudo, que o art. 16 da Lei determina que:

 

“Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público”.

A norma supra transcrita revela a preocupação contida no novo Texto com a renúncia manifestada pela mulher que efetuara representação em fatos envolvendo violência doméstica ou familiar contra ela. Essa precaução foi criada visando a evitar que a ofendida seja pressionada indevidamente, muitas vezes pelo próprio autor do crime, a se retratar.

Como dissemos acima, o art. 41 não pode ser interpretado de modo puramente gramatical e descontextualizado. Os métodos de interpretação sistemática e teleológica devem preferir sobre os demais. Por esse motivo, cremos que a Lei Maria da Penha jamais pretendeu  eliminar a necessidade de representação nos delitos relacionados com violência doméstica e familiar contra a mulher, que antes da entrada em vigor da Lei n. 11.340/2006, eram de ação pública condicionada. A mens legis foi, ao revés, estabelecer requisitos mais rigorosos para o caso de renúncia ou retratação da representação.

Em face do exposto, a propositura da ação penal, em nosso sentir, configuraria constrangimento ilegal, posto que ausente condição de procedibilidade para o seu exercício (vide art. 395, II, do CPP, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.719/08).

Diante disso, deixo de designar outro promotor de justiça para atuar nos autos e insisto na providência postulada a fls. 21.

  

São Paulo, 1.º de abril de 2009.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador Geral de Justiça

 

 

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