Código de Processo Penal, art. 28
Protocolado nº
39.148/09
Processo n
1.619/08 – MM. Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Suzano
Assunto: análise
de proposta de suspensão condicional do processo
Ementa:
CPP, art. 28. Suspensão condicional do processo.
Desclassificação, no julgamento, de roubo para furto. Emendatio libelli. Recusa ministerial em formular a proposta, por
discordar da nova tipificação jurídica. Preclusão. Inocorrência. Roubo.
Arrebatamento de inopino. Agente que derruba a ofendida para levar sua bolsa.
Violência contra a pessoa.
1. Quando o juiz, ao decidir o caso, suspende o julgamento em face da procedência parcial ou de desclassificação para crime menos grave, deve abrir vista dos autos ao Ministério Público para formular a proposta de sursis processual (Súmula 337 do STJ).
2. Se o Representante Ministerial se recusar a formular a proposta por discordar do teor da decisão, não há falar-se em preclusão pela falta de interposição de recurso no ato.
3. Em tais situações, deve-se aplicar o art. 28 do CPP, com a remessa da questão ao PGJ, o qual pode, inclusive, insistir na postura ministerial adotada, com respeito ao enquadramento legal do fato, pois, repise-se, não se trata de matéria preclusa, já que a sentença encontra-se incompleta.
4. O ato do agente que, de maneira abrupta, visando tomar a bolsa da vítima, a derruba no chão, configura violência contra a pessoa (e não somente contra a coisa), de modo que não há falar-se em simples crime de furto, mas em delito de roubo.
Solução: deixo de formular a proposta de suspensão condicional do processo ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo.
Cuida-se de processo criminal movido em face de (...), imputando-se crime de roubo tentado (CP, art. 157, caput, c.c. art. 14, II).
Ao cabo da instrução processual, o Ministério Público manifestou-se em debates orais, pugnando pela condenação do agente nos termos da denúncia. A d. Defensoria, de sua parte, requereu a desclassificação para o crime de furto, tendo sido o pleito acolhido pelo MM. Juiz, o qual, em decorrência do novo enquadramento legal, abriu oportunidade ao Parquet para que propusesse a suspensão condicional do processo.
O órgão acusador, todavia, recusou-se a fazê-lo, reiterando o pedido formulado em debates orais.
O d. Magistrado, destarte, entendeu por bem remeter o feito a esta Procuradoria Geral de Justiça, com base no art. 28 do CPP (fls. 70/71).
É o relatório.
Deve-se analisar, de início, se a questão acerca da tipificação penal encontra-se preclusa, como consignou o ínclito julgador.
É bem verdade que esta Procuradoria Geral de Justiça já decidiu anteriormente que a falta de interposição de recurso, quando da aplicação dos arts. 383 ou 384 do CPP, com a consequente abertura de vista para o Ministério Público oferecer proposta de suspensão condicional do processo, impede que, no âmbito do art. 28 do CPP, seja rediscutida a classificação jurídica do fato, que se tornaria, destarte, matéria preclusa.
Melhor refletindo
sobre o tema, contudo, não há falar-se em preclusão.
A decisão judicial que reconhece a existência de tipo penal diverso daquele constante da imputação deduzida pelo órgão acusatório, seja em face de entendimento distinto sobre o enquadramento legal dos fatos (emendatio libelli), seja por conta do surgimento de prova de elementar ou circunstância não descrita na exordial (mutatio libelli), além de não se sujeitar a recurso autônomo, não pode ser considerada sentença definitiva.
A recorribilidade do ato, pelo contrário, deve estar condicionada ao julgamento efetivo da pretensão punitiva, isto é, ao momento em que o órgão julgador, apreciando de modo exauriente o material probatório, absolver o réu ou condená-lo, aplicando a pena in concreto.
Na hipótese dos autos, o d. Magistrado fez uma ampla análise da prova contida no processo, porém não absolveu ou condenou o agente; e nem poderia fazê-lo, pois, com a classificação jurídica que reconheceu, surgiu questão prejudicial, traduzida na análise da suspensão condicional do processo, ex vi do art. 383, §1º, do CPP, com a redação que lhe deu a Lei n. 11.719/08 e das Súmulas n. 337 do STJ e 696 do STF.
Nota-se, portanto, que o julgamento não se encontra concluído, pois pende a solução acerca do cabimento da medida despenalizadora prevista na Lei n. 9.099/95. Caso não se reconheça a sua viabilidade, independentemente do motivo (recusa da acusação em propô-la, do acusado em aceitá-la ou do juiz em homologá-la), dever-se-á, então, concluir o ato, com a prolação do decisum. A partir deste momento, tendo a pretensão punitiva sido definitivamente julgada, ou, em outras palavras, dando-se a entrega efetiva da prestação jurisdicional, o ato processual torna-se completo e, destarte, recorrível.
A tese aqui exposta, deve-se registrar, não é vanguardeira; pelo contrário. A situação é análoga à que ocorre em matéria de incidentes processuais que suspendem o julgamento em segunda instância, v.g., incidente de uniformização de jurisprudência (CPC, arts. 476 e segs.) ou de inconstitucionalidade (CPC, arts. 480 e segs.).
Em tais casos, a turma ou câmara dá início ao julgamento e, depois de verificar que é caso de instaurar o incidente, prolata o acórdão e remete a questão ao pleno ou órgão especial. O julgamento, a esta altura, fica suspenso. Desta decisão não cabe qualquer recurso, salvo embargos de declaração. O mesmo se diga da decisão prolatada pelo órgão máximo do tribunal, julgando o incidente. Eventual recurso (especial ou extraordinário) somente será interponível quando do terceiro acórdão, isto é, da decisão do órgão fracionário que julgar o recurso em definitivo.
Nesse sentido, a Súmula n. 513 do STF:
“A decisão que enseja a interposição de recurso ordinário ou extraordinário não é a do plenário, que resolve o incidente de inconstitucionalidade, mas a do órgão (Câmaras, Grupos ou Turmas) que completa o julgamento feito”.
No sentido do entendimento sumular, há, ainda, o julgado inserido na RTJ 73/803.
JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA ensina que:
“À semelhança da decisão que fixa a interpretação a ser
observada no incidente de uniformização, também o pronunciamento do tribunal
pleno (ou do “órgão especial”), declarando ou não a inconstitucionalidade, é
irrecorrível, salvo por embargos de declaração. Qualquer outro recurso
unicamente poderá caber, satisfeitos os respectivos pressupostos, contra o
acórdão do órgão fracionário que decidir a espécie, pois só com esse acórdão se completará o julgamento do recurso ou
da causa, cindido em virtude do acolhimento da arguição...” (Comentários ao Código de Processo Civil.
12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. pág. 48-49).
Em face do exposto, não há falar-se, com a devida vênia do MM. Juiz e, reformulando orientação anteriormente assumida por este Órgão, em preclusão.
Com respeito à questão de fundo, isto é, ao cabimento da
suspensão condicional do processo, entende esta Procuradoria Geral de Justiça
que a razão está com a combativa Promotora de Justiça oficiante. De fato, não
há falar-se em simples violência contra a coisa, mas em agressão física
perpetrada contra a ofendida e, via de consequência, em crime de roubo.
O Superior Tribunal de Justiça, aliás, já decidiu de modo semelhante:
“RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. TROMBADA. EMPREGO
DE VIOLÊNCIA QUE RESULTOU OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA DA VÍTIMA. DELITO DE ROUBO. CONSUMAÇÃO DO DELITO. POSSE
TRANQÜILA DA RES FURTIVA.
DESNECESSIDADE. PRECEDENTES DO STJ E DO STF.
1. Tendo sido a vítima atacada e derrubada por um trombadinha,
inclusive com o comprometimento de sua integridade física, lesão corporal, o
delito é classificado como roubo,
e não como simples furto. Precedentes.
3. Fica prejudicada a alegada violação ao art. 89 da Lei n.°
9.099/95, tendo em vista o reconhecimento da prática de roubo consumado.
4. Conheço parcialmente do recurso especial, e nessa parte,
dou-lhe provimento"
(R.Esp. n. 336.634, rel. Min. LAURITA VAZ, publicado no DJ de 30/06/2003, pág. 285).
A pena do delito serve, na hipótese vertente, como óbice insuperável à aplicação da medida despenalizadora. Vencida a questão prejudicial, aguarda-se a prolação de sentença, cumprindo à competente Representante Ministerial, se assim entender, interpor tempestivamente o recurso cabível (tão logo complete-se o julgamento).
Diante de tudo o quanto se consignou, incabível se afigura
a elaboração de proposta de sursis
processual, com a devida vênia do d. Magistrado. Deixo, portanto, de oferecer o
benefício ou de designar outro promotor de justiça para fazê-lo.
São
Paulo, 06 de abril de 2009.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
/aeal