Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 100.880/15

Autos n.º 0003017-10.2014.8.26.0566 – MM. 1.ª Vara Criminal da Comarca de São Carlos

Suscitante: 3.º Promotor de Justiça de São Carlos

Suscitado: 4.º Promotor de Justiça de São Carlos

Assunto: divergência acerca do correto enquadramento dos fatos, com reflexo na atribuição funcional

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO OU LESÃO CORPORAL DOLOSA. INDICIADO QUE EFETUOU DOIS DISPAROS CONTRA O OFENDIDO, UM DOS QUAIS LHE ATINGIU NA REGIÃO PEITORAL. VÍTIMA QUE LOGROU SE ABRIGAR. FUGA DO AGENTE. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA NÃO CONFIGURADA. “ANIMUS NECANDI” SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADO PARA EFEITO DE IMPUTAÇÃO PREAMBULAR. PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO SOCIETATE”. ATRIBUIÇÃO DO PROMOTOR DE JUSTIÇA DO TRIBUNAL DO JÚRI.

1.      A controvérsia estabelecida no feito em testilha reside em identificar a presença do animus necandi e a ocorrência do instituto da desistência voluntária.

2.      Em razão dos disparos efetuados pelo autor (pelo menos dois, segundo uma das testemunhas, e três ou quatro, segundo outra), desferidos contra o tórax da vítima, há de se reconhecer presente o dolo de matar.

3.      De mais a ver, não restou inequivocamente configurada a desistência voluntária, de vez que a vítima narrou ter fugido para tomar abrigo atrás de um barracão, mesmo ferida. Significa dizer que a cessação dos disparos parece ter ocorrido após essa circunstância (fuga da vítima), alheia à vontade do investigado, que impediu a consumação de seu intento homicida.

4.      Não se pode assegurar, destarte, encontrar-se consubstanciada uma hipótese de desistência voluntária, de tal maneira que se justifica a permanência do feito sob os cuidados da Promotoria do Júri.

5.      Acrescente-se que na existência de dúvidas nesta fase da persecução penal acerca do elemento subjetivo, estas devem ser dirimidas em favor da sociedade, na esteira do entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. JUSTIÇA MILITAR E JUSTIÇA COMUM. FUNDADA DÚVIDA QUANTO AO ELEMENTO SUBJETIVO DO HOMICÍDIO DOLOSO. DISPARO DE ARMA DE FOGO NA DIREÇÃO DO VEÍCULO DA VÍTIMA. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO SOCIETATE”. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. 1. Os crimes dolosos contra a vida cometidos por militar contra civil, mesmo que no desempenho de suas atividades, serão da competência da Justiça comum (Tribunal do Júri), nos termos do art. 9.º, parágrafo único, do Código Penal Militar. 2. No caso, somente com a análise aprofundada de todo o conjunto probatório a ser produzido durante a instrução criminal será possível identificar, categoricamente, a intenção do militar ao efetuar o disparo de arma de fogo no carro da vítima. Havendo fundada dúvida quanto ao elemento subjetivo, o feito deve tramitar na Justiça Comum, por força do princípio in dubio pro societate. Precedentes. 3. Conflito negativo de competência conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara de Caldas/MG (suscitado)” (CC 129.497/MG, Rel. Ministro ERICSON MARANHO – DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP, 3.ª SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe de 16/10/2014)

6.      Nada obsta, por óbvio, que durante a instrução criminal, sob o crivo do contraditório, outras provas possam modificar o quadro que até o momento se anteviu.

 

Solução: designa-se outro promotor de justiça para oferecer a peça inaugural, bem como para prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

 

 

 

Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração do suposto crime de homicídio tentado, perpetrado por (...) em face de (...).

Segundo se revelou, no dia 22 de fevereiro de 2014, após uma discussão, o autor efetuou disparos de arma de fogo contra a vítima, atingindo-a no braço e no peito.

A testemunha(...), filho do sujeito passivo, narrou ter ouvido dois disparos de arma de fogo. Dirigiu-se ao local, onde encontrou (...) sangrando, ferido por disparo de arma de fogo na região peitoral. O ofendido lhe disse que fora atingido por dois disparos (fls. 24/25).

A policial militar (...) afirmou que, em conversa com (...) no hospital, ele narrou que o crime teria decorrido de uma discussão, após a qual o autor saiu do local, retornando posteriormente para efetuar alguns disparos, que lhe atingiram o peito e o braço (fls. 32/33).

No mesmo sentido as declarações do miliciano (...) (fls. 34/35).

A testemunha (...) asseverou que houve breve discussão entre a vítima e o investigado, sendo que, mais tarde, ouviu três ou quatro disparos de arma de fogo, encontrando (...) ferido e (...)fugindo (fl. 102).

O sujeito passivo, por sua vez, narrou que, após a discussão, o autor deixou o local, retornando com uma arma de fogo. Após ser atingida no peito e no braço por um disparo, fugiu para trás de um barracão, abrigando-se (fls. 37/38).

VICENTE não se apresentou para realizar o exame de corpo de delito, embora tenha sido requisitado para tanto (fl. 39), sendo realizado o exame indireto (fl. 97).

         O Douto Promotor de Justiça em exercício perante o Tribunal do Júri considerou não haver provas da ocorrência de crime doloso contra a vida. Destacou, ainda, que, em sua ótica, ainda que presente o animus necandi no início da agressão, a atitude do investigado, no sentido de não efetuar novos disparos, revelaria ter ele desistido voluntariamente de produzir a morte da vítima.

Pugnou, portanto, a remessa do feito à Vara Criminal Comum (fl. 78), pleito judicialmente deferido (fl. 79).

O Ilustre Representante Ministerial destinatário, contudo, discordou de seu antecessor, considerando que as circunstâncias do crime revelaram o animus occidendi do agressor. Sublinhou, ademais, considerar ausente a figura da desistência voluntária e, por consequência, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 124/126).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento da questão para análise desta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n.º 734/93.

Encontra-se configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra com o Douto Suscitante, com a máxima vênia do Ilustre Suscitado; senão, vejamos.

A controvérsia estabelecida no feito em testilha reside em identificar a presença do animus necandi e a ocorrência do instituto da desistência voluntária.

Em razão dos disparos efetuados pelo autor (pelo menos dois, segundo a testemunha (...), e três ou quatro, segundo (...)), desferidos contra o tórax da vítima, há de se reconhecer presente o dolo de matar.

De mais a ver, não restou inequivocamente configurada a desistência voluntária, de vez que a vítima narrou ter fugido para tomar abrigo atrás de um barracão, mesmo ferida. Significa dizer que a cessação dos disparos parece ter ocorrido após essa circunstância (fuga da vítima), alheia à vontade do investigado, que impediu a consumação de seu intento homicida.

Não se pode assegurar, destarte, encontrar-se consubstanciada uma hipótese de desistência voluntária, de tal maneira que se justifica a permanência do feito sob os cuidados da Promotoria do Júri.

Acrescente-se que na existência de dúvidas nesta fase da persecução penal acerca do elemento subjetivo, estas devem ser dirimidas em favor da sociedade, na esteira do entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

                               

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. JUSTIÇA MILITAR E JUSTIÇA COMUM. FUNDADA DÚVIDA QUANTO AO ELEMENTO SUBJETIVO DO HOMICÍDIO DOLOSO. DISPARO DE ARMA DE FOGO NA DIREÇÃO DO VEÍCULO DA VÍTIMA. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO SOCIETATE”. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL.

- Os crimes dolosos contra a vida cometidos por militar contra civil, mesmo que no desempenho de suas atividades, serão da competência da Justiça comum (Tribunal do Júri), nos termos do art. 9.º, parágrafo único, do Código Penal Militar.

- No caso, somente com a análise aprofundada de todo o conjunto probatório a ser produzido durante a instrução criminal será possível identificar, categoricamente, a intenção do militar ao efetuar o disparo de arma de fogo no carro da vítima. Havendo fundada dúvida quanto ao elemento subjetivo, o feito deve tramitar na Justiça Comum, por força do princípio in dubio pro societate.

Precedentes.

Conflito negativo de competência conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara de Caldas/MG (suscitado)”.

(CC 129.497/MG, Rel. Ministro ERICSON MARANHO – DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP, 3.ª SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe de 16/10/2014)

 

Nada obsta, por óbvio, que durante a instrução criminal, sob o crivo do contraditório, outras provas possam modificar o quadro que até o momento se anteviu.

Diante do exposto, conhece-se da presente remessa, determinando-se que a atribuição para oficiar nos autos e formar a opinião delitiva compete ao Douto Suscitado.

Para preservação de sua independência funcional, determina-se seja outro membro ministerial designado para prosseguir neste feito, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 22 de julho de 2015.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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