Conflito
Negativo de Atribuição
Protocolado
n.º 100.884/15
Autos n.º 0004685-88.2012.8.26.0306 – MM.
Juízo da 4.a Vara Criminal do Foro de São José do Rio Preto
Suscitante: 11.º Promotor de Justiça de São
José do Rio Preto
Suscitada: 2.º Promotor de Justiça de
Fernandópolis
Assunto: controvérsia a respeito do enquadramento
legal da conduta, com reflexo na atribuição funcional
EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. DIVERGÊNCIA ACERCA DA PREVALÊNCIA DO CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO SOBRE A FALSIFICAÇÃO ANTECEDENTE. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. ATRIBUIÇÃO FUNCIONAL DEFINIDA COM BASE NO DELITO-FIM. DOCUMENTO PRODUZIDO NA COMARCA DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO E UTILIZADO NA COMARCA DE FERNANDÓPOLIS. ABSORÇÃO DO FALSUM PELO USUM. ATRIBUIÇÃO DO ILUSTRE SUSCITADO.
1.
Cuida-se
de conflito negativo de atribuição, em que os Doutos Promotores de Justiça
divergem a respeito do foro competente para apuração do crime: se o local da
produção ou da utilização do documento falsificado. No caso, o falso
teria sido cometido em São José do Rio Preto e o uso, em Fernandópolis.
2.
Tendo em
vista que o falso constitui antefactum impunível,
dado que sua potencialidade lesiva esgota-se na utilização do documento, em
contexto fático posterior, subsiste tão-somente a responsabilidade penal pelo
crime do art. 304 do CP (c.c. art. 297, caput),
que se consumou em Fernandópolis, nos termos do art. 70 do CPP.
3.
Em
sentido semelhante, decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo: “FALSIDADE
DOCUMENTAL – Falsificação de documento público e uso de documento falso –
Condenação do agente pelas duas infrações – Inadmissibilidade – Falsificação
que foi utilizada como crime-meio para atingir o desiderato do réu, qual seja,
a utilização da contrafação – Aplicação do princípio da consunção – RT 800/599”. No mesmo sentido: TJSP, Apelação
Criminal n.º 0006431-20.2010. 8.26.0125, julgada em 20.06.2013.
Solução: conhece-se do conflito para dirimi-lo e declarar que a atribuição incumbe ao Douto Suscitado.
Cuida-se de investigação penal
instaurada visando à apuração da conduta perpetrada por (...).
Isto porque, no dia 05 de dezembro de 2011, compareceu ao 1.º Tabelião
de Notas de São José do Rio Preto para lavrar a escritura pública de fl. 50, na
qual fez inserir informações falsas com o fim de alterar a verdade sobre fato
juridicamente relevante.
Fez juntar, posteriormente, tal documento em processo que tramitava na
Comarca de Fernandópolis, para tentar isentar (...) responsabilidade criminal
por crime contra a ordem tributária.
O Douto Promotor de Justiça de São José do Rio Preto vislumbrou
configurado o delito descrito no art. 304 do CP (c.c. art. 297, caput), consumado em Fernandópolis, onde
o suspeito fez uso da escritura pública ideologicamente falsificada; postulou,
assim, o encaminhamento do feito àquela Comarca (fls. 146/148).
A MM. Juíza deferiu tal pleito, declinando de sua competência para o
conhecimento da causa (fl. 149).
O Ilustre Representante Ministerial destinatário, contudo, discordou de
seu antecessor, entendendo caracterizado o crime de falsidade ideológica (CP,
art. 299), realizado integralmente na origem, para onde postulou o retorno do
expediente (fls. 174/176).
O Nobre Órgão do Parquet atuante
em São José do Rio Preto, então, suscitou conflito negativo de atribuição (fls.
202/203).
Eis a síntese do necessário.
Há de se sublinhar, preliminarmente, que a vinda da questão para análise desta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n.º 734/93.
Encontra-se configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.
Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).
Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.
Pois bem.
A conduta do sujeito ativo, em nosso sentir, deve ser subsumida ao delito tipificado no art. 304 do CP, fato consumado na Comarca de Fernandópolis; senão, vejamos.
Ainda que se possa atribuir ao increpado participação na falsificação anterior, esta constitui antefactum impunível, por força do princípio da consunção ou absorção.
Como se sabe, referido princípio tem como escopo afastar conflito aparente de normas, evitando a plúrima incriminação de fato produtor de lesão única ao bem jurídico (ne bis in idem).
Por meio dele, quando uma infração é perpetrada como meio necessário, fase normal de preparação ou de execução de outra, fica por esta absorvida. Na hipótese vertente, dá-se a consunção do falsum pelo usum, até porque neste exaure sua potencialidade lesiva.
O
Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu nesse sentido:
“FALSIDADE DOCUMENTAL – Falsificação de documento público e uso de documento falso – Condenação do agente pelas duas infrações – Inadmissibilidade – Falsificação que foi utilizada como crime-meio para atingir o desiderato do réu, qual seja, a utilização da contrafação – Aplicação do princípio da consunção (TJSP) – RT 800/599.”
“APELAÇÃO – Falsificação de documento Público – Autoria e materialidade demonstradas – Falsificação que deve ser absorvida pelo uso de documento – Reconhecimento da continuidade delitiva em relação ao co-réu que concorreu para as falsificações – Substituição das penas e fixação e regime prisional aberto – Apelo de dois co-réus parcialmente providos e demais improvidos”. (Apelação Criminal n.º 0006431-20.2010. 8.26.0125, julgada em 20.06.2013; grifo nosso).
Diante do exposto, conhece-se deste incidente para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição para oficiar nos autos incumbe ao Douto Suscitado.
Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designo outro Representante Ministerial para atuar no feito, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.
Expeça-se portaria designando o substituto automático.
Publique-se a ementa.
São Paulo, 22 de julho de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
/aeal