Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 104.051/11

Autos n.º 050.11.021395-5 – MM. Juízo do DIPO 3 (Comarca da Capital)

Suscitante: Promotoria de Justiça Criminal da Capital

Suscitadas: Promotoria de Justiça Criminal de Santo André e Promotoria de Justiça Criminal de São Caetano do Sul

Assunto: foro competente para apuração de crime de receptação (CP, art. 180)

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. RECEPTAÇÃO (CP, ART. 180, CAPUT). FORO COMPETENTE. LUGAR DA CONSUMAÇÃO INCERTO. DETERMINAÇÃO DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL EFETUADA COM BASE NO CRITÉRIO SUBSIDIÁRIO. DOMICÍLIO OU RESIDÊNCIA DO RÉU (CPP, ART. 72).

1.     Na hipótese vertente, não há como precisar o lugar em que o delito atingiu sua realização integral, dada a precariedade de informações quanto à aquisição do objeto material pelo indiciado.

2.     Com efeito, não se pode assegurar ter o summatum opus se operado em quaisquer das Comarcas onde o procedimento tramitou. São Caetano do Sul foi meramente o lugar onde foi o sujeito surpreendido na posse da coisa; Santo André, aquele em que se deu o furto; São Paulo, por fim, fica excluída em razão da inveracidade das informações prestadas pelo agente.

3.     Em casos tais, o foro competente deve ser determinado com base no art. 72 do CPP, segundo o qual: “Não sendo conhecido o lugar da infração, a competência regular-se-á pelo domicílio ou residência do réu”. Nesse sentido, aliás, já se pronunciou o Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “Assiste razão ao juízo suscitante. Sendo incerto o local de consumação do furto das mercadorias receptadas, define-se a competência para processamento do feito pelo art. 72, caput, do Código de Processo Penal, ou seja, o domicílio do réu, no caso a comarca de Passa Quatro/MG” (CC nº 110.831/SP, Relator Ministro GILSON DIPP, 3ª Seção, j. em 17.02.11). 

4.     Cuida-se, portanto, do foro subsidiário, o qual, na hipótese vertente, é a Comarca de São Caetano do Sul, pois este o local apontado pelo sujeito como sendo seu domicílio.

Solução: conflito conhecido e dirimido para declarar que a atribuição de oficiar no procedimento compete ao Douto Suscitado (Promotor de Justiça de São Caetano do Sul).

 

 

Cuida-se o presente feito de conflito negativo de atribuição entre os Promotores de Justiça em exercício nas Comarcas da Capital, Santo André e São Caetano do Sul, que divergem acerca do foro competente para apuração de crime patrimonial.

É o relatório.

Deve-se ponderar, preliminarmente, que se encontra configurado o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

Pois bem.

O inquérito policial busca apurar crime de receptação de arma de fogo furtada.

A investigação se originou de providência adotada no Processo n.º 1.048/10 (2.ª Vara Criminal da Comarca de São Caetano do Sul), no qual se imputou a (...) porte ilegal da res furtivae (art. 14, caput, da Lei nº 10.626/03), pois fora surpreendido por policiais militares na posse do um revólver aos 18 de outubro de 2010, na Av. Tietê, n. 737, na cidade acima mencionada.

O Douto Promotor de Justiça de São Caetano do Sul considerou que somente se poderia atribuir ao sujeito o delito especial, cumprindo seguirem as diligências para apurar a infração patrimonial (fls. 58).

O feito foi remetido a Santo André – local do furto e, posteriormente, em virtude de informação relatada pelo próprio agente, dando conta que adquirira o bem na Capital, coube à Ilustre Representante Ministerial postular o encaminhamento para São Paulo (fls. 66).

O competente Órgão do Ministério Público, então, discordando do posicionamento de sua antecessora, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 90/92).

Cremos que assiste razão ao Douto Suscitante, com a devida vênia dos Ilustres Suscitados.

O envio à Capital, com efeito, deu-se exclusivamente com base nas palavras do suspeito, que se mostraram inverídicas, pois a data que ele apontou para a suposta aquisição da arma em São Paulo foi anterior ao furto (fls. 13 e 48/49).

A remessa a Santo André, de outra parte, embasou-se no simples fato de que neste foro consumou-se o furtum.

Cremos, em verdade, que o caso deve ser devolvido à Comarca de São Caetano do Sul.

Não há como precisar o lugar em que o delito atingiu sua realização integral, dada a precariedade de informações quanto à compra da arma pelo indiciado.

Destaque-se, porém, que isto não impede o prosseguimento da persecutio criminis, pois, como bem ponderou o eminente Desembargador Renato Nalini, quando Juiz do extinto Tribunal de Alçada Criminal:

 

“a apreensão da res em poder do agente gera presunção de autoria do crime, invertendo-se o ônus da prova. Ao suspeito incumbe oferecer justificativa plausível para a comprometedora posse. Em não o fazendo, prevalecer, para efeito de condenação, a certeza possível de ter praticado a subtração” (RJTACRIM 39/253, Rel. RENATO NALINI).

 

No que toca à fixação da competência territorial, repise-se que não se pode assegurar ter o summatum opus se operado em quaisquer das Comarcas onde o procedimento tramitou. São Caetano do Sul foi meramente o lugar em que foi o indiciado surpreendido na posse do objeto; Santo André, aquele em que se deu o furto; São Paulo, por fim, fica excluída em razão da inveracidade das informações prestadas pelo investigado.

Em casos tais, o foro competente deve ser determinado com base no art. 72 do CPP, segundo o qual:

 

“Não sendo conhecido o lugar da infração, a competência regular-se-á pelo domicílio ou residência do réu”.

 

Nesse sentido, aliás, já se pronunciou o Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

“Assiste razão ao juízo suscitante. Sendo incerto o local de consumação do furto das mercadorias receptadas, define-se a competência para processamento do feito pelo art. 72, caput, do Código de Processo Penal, ou seja, o domicílio do réu, no caso a comarca de Passa Quatro/MG”

(CC nº 110.831/SP, Relator Ministro GILSON DIPP, 3ª Seção, j. em 17.02.11).  

 

Cuida-se, portanto, do foro subsidiário, o qual, na hipótese sub examen, é a Comarca de São Caetano do Sul, pois este o local apontado pelo sujeito a fls. 13 como sendo seu domicílio.

Há, ainda, a possível conexão instrumental ou probatória entre o porte ilegal de arma de fogo e a receptação do instrumento bélico, o que também tenderia à atribuição do Douto Promotor de Justiça inicialmente oficiante.

Diante do exposto, conheço do presente conflito e o dirimo, declarando competir ao Ilustre Representante Ministerial em exercício junto à Comarca de São Caetano do Sul a incumbência de intervir no feito.

A designação de outro Representante Ministerial, no caso vertente, afigura-se desnecessária, haja vista não se vislumbrar qualquer menoscabo ao princípio da independência funcional.

Como bem pondera PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN, examinando questões semelhantes à que ora se analisa:

 

“a exclusão de ambos (os Promotores de Justiça em litígio) só pode se dar em caráter excepcional, porque essa modalidade de controvérsia pressupõe, de ordinário, que a atuação caiba a uma das autoridades em dissídio. (...). É evidente que a livre convicção do promotor natural deve ser preservada, mas não ao custo de subtrair-lhe o caso em que lhe cabe atuar, pois o dever de agir, que porventura tenha, é irrenunciável, intransferível e insuscetível de ser eliminado por interpretação unilateral do órgão ao qual toca satisfazê-lo. (...). Somente há incompatibilidade com o desempenho funcional – e, portanto, inconveniência para a sociedade – se o pronunciamento anterior, na sua essência, traduz uma promoção de arquivamento ou envolve uma antecipada afirmação de que a demanda é inviável” (REGIME JURÍDICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO PENAL. São Paulo: Editora Verbatim, 2009. pág. 155); parêntese nosso.

 

Cumpra-se.

São Paulo, 10 de agosto de 2011.

 

 

 

                        Álvaro Augusto Fonseca de Arruda

                        Procurador-Geral de Justiça

                             em exercício

/aeal