Conflito Negativo de Atribuição

 

Protocolado n.º 104.300/09

Autos n.º 050.08.015164-7 – MM. Juízo do DIPO 4 (Comarca da Capital)

Autor do fato: (...)

Suscitante: 1.ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital

Suscitado: Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal da Capital

Assunto: análise do cabimento de transação penal

 

 

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. JUÍZO COMPETENTE PARA ANÁLISE DO CRIME DE LESÃO CORPORAL CULPOSA NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. CAUSA DE AUMENTO DE PENA CONSISTENTE NA FALTA DE HABILITAÇÃO (CTB, ART. 303, PAR. ÚN., C.C. ART. 302, PAR. ÚN., INC. I). O CABIMENTO DA TRANSAÇÃO PENAL NÃO IMPORTA NA COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL, QUANDO A PENA MÁXIMA ULTRAPASSA O LIMITE PREVISTO NO ART. 61 DA LEI N. 9.099/95.

1.      O autor do fato praticou, em tese, crime de lesão corporal culposa leve na direção de veículo automotor, agravada pela falta de habilitação para conduzi-lo. O Ilustre Suscitante requereu, destarte, a remessa do expediente ao Juizado Especial Criminal. Houve recusa e, diante dela, promoveu-se o retorno ao Juízo de origem, perante o qual foi suscitado o presente conflito negativo de atribuição.

2.      Deve-se destacar que o cabimento de transação penal não se discute in casu, até porque os Doutos Promotores de Justiça em dissídio concordaram com a incidência da medida. Divergem, todavia, quanto à competência para apuração do ilícito e, via de consequência, à atribuição para oficiar.

3.      O Código de Trânsito, em função da alteração promovida pela Lei n. 11.705/08, passou a conferir regime jurídico especial para o crime do art. 303, no tocante ao cabimento de transação penal e suspensão condicional do processo. Nos termos do art. 291, §1º, do CTB, com sua atual redação, referido delito admitirá os institutos mencionados (independentemente da pena cominada e desde que preenchidos os demais requisitos legais), salvo quando o agente encontrar-se numa das situações previstas nos incisos da norma, isto é, sob a influência de álcool ou substância psicoativa, participando de competição ou corrida não autorizada ou efetuando manobras não permitidas pela autoridade competente ou, ainda, conduzindo o automóvel em velocidade superior a 50km/h do que a permitida na via pública. O fato de existir causa de aumento, portanto, não impede, por si só, o cabimento da transação penal.

4.      Ocorre, todavia, que a pena máxima cominada faz com que a causa escape à restrita esfera de competência ratione materiae dos Juizados Especiais Criminais. De acordo com o art. 61 da Lei n. 9.099/95, o citado Órgão deve se circunscrever ao julgamento das contravenções penais e dos delitos cujo teto punitivo não ultrapasse dois anos.

5.      É oportuno lembrar, neste diapasão, que nossos tribunais não admitem que infrações com penas superiores a esse patamar tramitem na esfera do Juizado. Confira-se, a respeito, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ, CC n. 101.274, rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 20/03/2009; grifos nossos).

 Solução: dirime-se o conflito para declarar que a atribuição incumbe ao Ilustre Suscitante.

 

 

 

Cuida-se de procedimento inquisitivo instaurado para apuração da prática, em tese, do crime tipificado no art. 303 da Lei 9.503/97 (lesão corporal culposa na direção de veículo automotor), que teria sido perpetrado por (...).

Ao término das investigações, o mui competente Promotor de Justiça requereu o envio dos autos ao Juizado Especial Criminal, louvando-se da atual redação do art. 291, §1º, do CTB (fls. 65/67).

O Representante Ministerial em exercício no órgão recipiente, todavia, postulou o retorno ao Juízo Comum, em face da pena máxima cominada ao fato (fls. 84).

Em face disso, o Membro do Parquet que novamente passou a oficiar na causa entendeu por bem suscitar o presente conflito negativo de atribuição (fls. 89/90).

É o relatório.

A solução da controvérsia requer se proceda, em primeiro lugar, à análise do mencionado dispositivo legal.

Pois bem. O caput da norma estabelece, ipsis literis, que:

 

“Art. 291. Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores, previstos neste Código, aplicam-se as normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se este Capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que couber”.

Percebe-se, daí, a construção de uma regra geral, consistente na aplicação das normas do Código Penal, do Código de Processo Penal e, em particular, da Lei dos Juizados Especiais Criminais, no que couber.

A ressalva final contida na cabeça do artigo leva à conclusão que a incidência dos institutos da Lei n. 9.099/95 não é automática, devendo sujeitar-se ao preenchimento dos requisitos específicos contidos, v.g., nos arts. 76 e 89 do citado Diploma. Assim, por exemplo, somente se admitirá a transação penal aos delitos de trânsito cuja pena não for superior a dois anos.

O §1º do art. 291, de sua parte, contém uma exceção à regra do caput ao dispor que:

“Aplica-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa o disposto nos arts. 74, 76 e 88 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, exceto se o agente estiver:

       I - sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência; 

        II - participando, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística, de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente;

        III - transitando em velocidade superior à máxima permitida para a via em 50 km/h (cinqüenta quilômetros por hora)”.

 

Isto faz com que o delito de lesão corporal culposa (CTB, art. 303) sujeite-se a uma disciplina diferenciada, em que sempre se admitirá a transação penal e a suspensão condicional do processo, independentemente da pena cominada e desde que presentes os demais requisitos legais, salvo quando o agente encontrar-se numa das hipóteses referidas nos incisos da norma, ou seja, sob influência de álcool ou substância psicoativa, participando de “racha” ou realizando manobras proibidas ou trafegando acima de 50km/h do limite de velocidade da via pública.

Na hipótese dos autos, muito embora se cuide de crime qualificado pela falta de habilitação para conduzir veículos automotores, cuja pena máxima excede o teto do art. 61 da Lei n. 9.099/95, deve-se admitir, em tese, a elaboração de proposta de aplicação imediata de pena alternativa, com fulcro no art. 76 da citada Lei, c.c. art. 291, §1º, do CTB.

Assentada essa premissa, resta definir qual o juízo competente para apuração do ilícito.

Em nosso sentir, o espectro de competência ratione materiae dos Juizados Especiais Criminais encontra-se circunscrito ao disposto no art. 61, caput, da Lei n. 9.099/95:

 

“Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa”.

 

É preciso lembrar, neste diapasão, que nossos tribunais não admitem que infrações com penas superiores a esse patamar tramitem na esfera do Juizado. Confira-se, a respeito, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

 

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM E JUIZADO ESPECIAL. RESISTÊNCIA À PRISÃO (ART. 329 DO CPB) E CONTRAVENÇÃO DE PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE (ART. 65 DO DECRETO-LEI 3.688/41). CONCURSO DE CRIMES. COMPETÊNCIA DEFINIDA PELA SOMA DAS PENAS MÁXIMAS COMINADAS AOS DELITOS. JURISPRUDÊNCIA DESTE STJ. PARECER DO MPF PELA COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO. CONFLITO CONHECIDO, PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO DA 3A. VARA CRIMINAL DE PONTA GROSSA/PR, O SUSCITADO.

1.   O crime antecedente, que teria originado a ordem de prisão e o subseqüente delito de resistência, é autônomo; assim, estando adequada a qualificação da conduta anterior do investigado como contravenção de perturbação da tranquilidade, constata-se que, somadas as penas máximas atribuídas, em abstrato, às duas infrações, supera-se o limite do art. 61 da Lei 9.099/90, que define como de menor potencial ofensivo apenas os crimes e as contravenções penais a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

2.   É pacífica a jurisprudência desta Corte de que, no caso de concurso de crimes, a pena considerada para fins de fixação da competência do Juizado Especial Criminal será o resultado da soma, no caso de concurso material, ou a exasperação, na hipótese de concurso formal ou crime continuado, das penas máximas cominadas aos delitos; destarte, se desse somatório resultar um apenamento superior a 02 (dois) anos, fica afastada a competência do Juizado Especial.

3.   Parecer do MPF pela competência do Juízo suscitado.

4.   Conflito conhecido, para declarar competência o Juízo de Direito da 3a. Vara Criminal de Ponta Grossa/PR, o suscitado.”

(STJ, CC n. 101.274, rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 20/03/2009; grifos nossos).

 

Acrescente-se, ainda, que o cabimento da transação penal não importa, imediatamente, na competência do órgão perante o qual atua o i. Suscitado.

Veja-se, a título de exemplo, o disposto no art. 60, par. ún., da Lei n. 9.099/95:

 

“Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis”.

 

A regra legal transcrita deixa claro que, mesmo quando a causa esteja em curso no Juízo Comum, dever-se-á analisar o cabimento da citada medida despenalizadora.

Diante de todo o exposto, com a máxima vênia do Douto Suscitante, dirime-se o presente conflito para declarar que a ele incumbe intervir no feito.

A fim de que não haja menoscabo à sua independência funcional, designo outro promotor de justiça para atuar nos autos, facultando-se observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 27 de agosto de 2009.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

/aeal