Conflito Negativo de Atribuição

 

Protocolado n.º 107.104/10

Inquérito Policial n.º 253/2009 – MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Itapira

Suscitante: Promotoria de Justiça de Itapira

Suscitada: Promotoria de Justiça de Amparo

Assunto: enquadramento legal dos fatos (estelionato ou apropriação indébita)

 

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. ENQUADRAMENTO LEGAL DOS FATOS. ESTELIONATO (CP, ART. 171) OU APROPRIAÇÃO INDÉBITA (CP, ART. 168). AGENTE QUE INGRESSOU NA POSSE DA RES DE MÁ FÉ, IMPEDINDO A SUBSISTÊNCIA DA TIPIFICAÇÃO LEVADA A EFEITO EM SEDE POLICIAL. ESTELIONATO QUE SE CONSUMA COM A OBTENÇÃO DA VANTAGEM ILÍCITA. FORO COMPETENTE.

1.     O investigado vendera à vítima um veículo automotor e, quando esta se encontrava prestes a quitá-lo, o agente a procurou e alegou que pretendia readquirir o bem. Para isso, solicitou testá-lo, porém jamais o devolveu, descobrindo-se que transferiu onerosamente o automóvel a terceiro em outra Comarca, dias depois.

2.     Segundo a doutrina, a fattispecie do art. 168 do CP requer a presença concomitante dos seguintes requisitos: 1º) posse ou detenção lícitas e desvigiadas; 2º) boa-fé ao ingressar na posse ou detenção do bem; 3º) inversão do ânimo da posse.

3.     No caso sub examen, contudo, o sujeito não ingressou na posse do objeto de boa-fé, pois tudo leva a crer que, desde o início, já tinha intenção de não devolvê-lo.

4.     Definindo-se o correto enquadramento legal, resta determinar onde se deu o summatum opus. O estelionato, na modalidade fundamental (CP, art. 171, caput), atinge sua realização integral típica com o ganho ilícito por parte do agente.

Cuida-se, inclusive, de entendimento reiterado de nossos tribunais (STJ, CC n. 73.738, rel. Ministro OG FERNANDES, DJe de 21/10/2008).

Solução: conflito dirimido para declarar que a atribuição de oficiar nos autos incumbe ao Douto Promotor de Justiça de Amparo.

 

Cuida-se de conflito negativo de atribuição entre os Promotores de Justiça da Comarca de Amparo e Itapira, os quais divergem acerca da competência para atuar no feito, que foi instaurado para apuração do delito patrimonial, que teria sido praticado, em tese, por (...), em face de (...).

Deve-se registrar que o procedimento foi encaminhado, de início, ao Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, pois se entendeu haver conflito negativo de jurisdição. Ocorre, todavia, que a Colenda Câmara Especial do mencionado Sodalício julgou inexistir semelhante incidente, posto que ausente, por ora, o ajuizamento da ação penal, devendo a quaestio ser solucionada em favor de determinar-se a quem incumbe a formação da opinio delicti (fls. 74/77). Eis a razão da intervenção desta Procuradoria Geral de Justiça.

É o relatório.

Na hipótese dos autos, apurou-se que o ofendido vendeu o veículo à vítima em 2005 e, no dia dos fatos, a procurou dizendo-se interessado em readquirir o automóvel. Com esse pretexto, solicitou testá-lo, mas, na verdade, tomou para si o bem e o alienou em outra Comarca.

O Douto Promotor de Justiça de Amparo entendeu que o fato configuraria apropriação indébita propriamente dita e se consumara em Itapira (local da última venda).

O Digno Representante Ministerial a quem o procedimento foi remetido, contudo, ponderou cuidar-se de estelionato, o que deslocaria o momento consumativo ao local do desfalque patrimonial, ou seja, o foro originário.

Pois bem. Parece-nos que a razão está com o Promotor de Justiça de Itapira.

A conduta do agente, que a toda evidência operou com dolo ab initio, se subsume à infração descrita no art. 171 do CP.

A fattispecie do art. 168 do CP requer a presença concomitante dos seguintes requisitos: 1º) posse ou detenção lícitas e desvigiadas; 2º) boa-fé ao ingressar na posse ou detenção do bem; 3º) inversão do ânimo da posse.

No caso sub examen, contudo, o sujeito não ingressou na posse do objeto de boa-fé, pois tudo leva a crer que, desde o início, já tinha intenção de não devolvê-lo.

Definindo-se o correto enquadramento legal, resta determinar onde se deu o summatum opus.

O estelionato, na modalidade fundamental (CP, art. 171, caput), atinge sua realização integral típica com o ganho ilícito por parte do agente. Cuida-se, inclusive, de entendimento reiterado de nossos tribunais:

 

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. INQUÉRITO. ESTELIONATO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO LOCAL DA OBTENÇÃO DA VANTAGEM ILÍCITA.

1. Inquérito em que se apura, em tese, crime previsto no artigo 171, caput, do Código Penal a merecer processamento no local da obtenção da vantagem ilícita.

2. Conflito conhecido para declarar competente o suscitado, Juízo de Direito da Comarca de Camacan/BA”.

(STJ, CC n. 73.738, rel. Ministro OG FERNANDES, DJe de 21/10/2008).

 

Diante do exposto, dirimo o presente conflito para declarar que a atribuição para atuar no expediente incumbe ao Douto Promotor de Justiça de Amparo.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designo outro representante ministerial para oficiar no feito, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 19 de agosto de 2010.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

 

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