Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 109.306/11

Autos n.º 050.11.054621-8 – MM. Juízo do DIPO 4 (Comarca da Capital)

Autor do fato: (...)

Suscitante: 3.ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital

Suscitado: Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal da Capital

Assunto: definição do enquadramento dos fatos

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. LESÃO CORPORAL CULPOSA NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR (CTB, ART. 303). INFRAÇÃO PENAL DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO, SALVO QUANDO PRESENTE ALGUMA DAS CIRCUNSTÂNCIAS LEGAIS DE AUMENTO DE PENA, FUNDADAS NO PARÁGRAFO ÚNICO DA DISPOSIÇÃO. AGENTE QUE CONDUZIA O VEÍCULO COM HABILITAÇÃO VENCIDA. EXASPERANTE CONFIGURADA. INCOMPETÊNCIA RATIONE MATERIAE DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. ATRIBUIÇÃO AFETA AO DOUTO SUSCITADO.

1.     O crime de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor, tipificado no art. 303 do CTB, constitui infração de pequeno potencial ofensivo (CF, art. 98, I e Lei n. 9.099/95, art. 61), já que sua pena máxima é de dois anos de detenção.

2.     Na hipótese de se verificarem quaisquer das circunstâncias previstas no parágrafo único da disposição legal, que remete às causas de aumento de pena do homicídio culposo de trânsito (CTB, art. 302, par. ún.), o teto punitivo extravasa o patamar previsto na Lei dos Juizados Especiais, tornando este órgão materialmente incompetente. No caso concreto, a habilitação do sujeito ativo encontrava-se vencida, tornando aplicável a exasperante contida no inc. I da mencionada disposição (nesse sentido: TJSP, Apelação Criminal n.º 990.10.037744-2, 9.ª Câmara de Direito Criminal, j. em 01.7.2010, Relator Desembargador Francisco Bruno).

Solução: conheço do conflito para dirimi-lo, declarando que a atribuição para oficiar no procedimento cumpre ao Douto Suscitante.

 

 

Cuida-se de procedimento inquisitivo instaurado para apuração, em tese, dos crimes tipificados nos arts. 303 e 309 da Lei n. 9.503/97 (lesão corporal culposa na direção de veículo automotor e condução sem permissão ou habilitação), que teriam sido perpetrados por (...).

Ao término das investigações, o mui competente Promotor de Justiça do Juizado Especial Criminal, em face da pluralidade de infrações, cuja pena máxima ultrapassaria o patamar previsto no art. 61 na Lei n.º 9.099/95, pugnou pela remessa do feito ao Juízo Comum (fls. 49/51).

O Representante Ministerial em exercício no órgão recipiente, todavia, discordando de seu antecessor, capitulou o fato no art. 303, caput, do CTB e, tendo em conta o teto punitivo aplicável, suscitou o presente conflito negativo de atribuição (fls. 55/59).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o encaminhamento do expediente a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

Pois bem.

Deve-se afastar, de plano, o concurso material de infrações, sob pena de afronta ao princípio da subsidiariedade implícita. A falta de habilitação para conduzir veículo automotor, portanto, não subsiste como delito autônomo.

Resta saber, porém, se o fato de o indivíduo encontrar-se com a carteira de habilitação vencida é suficiente para configurar a exasperante prevista no art. 303, par. ún., do CTB.

Cremos que a resposta deve ser afirmativa, na esteira, inclusive, da jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo (confira-se, a respeito, Apelação Criminal n.º 990.10.037744-2, 9.ª Câmara de Direito Criminal, j. em 01.7.2010, Relator Desembargador Francisco Bruno).

No que se refere ao juízo competente e, consequentemente, à atribuição ministerial, parece-nos que a razão se encontra com o Douto Suscitado.

Muito embora o delito admita a incidência da transação penal, por força do art. 291, §1.º, da Lei n.º 9.503/97, não se cuida de infração de menor potencial ofensivo.

É preciso, para se compreender o argumento, fixar a correta exegese desta disposição legal.

Referido preceito estende as medidas despenalizadoras à lesão culposa de trânsito, exceto quando o agente estiver sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência (inc. I); participando, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística, de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente (inc. II); ou, transitando em velocidade superior à máxima permitida para a via em 50 km/h (inc. III).

Na hipótese dos autos, não se afigura nenhuma das exceções mencionadas.

Insista-se, porém, que o permissivo legal não torna o delito de pequeno potencial lesivo.

Em nosso sentir, o espectro de competência ratione materiae dos Juizados Especiais Criminais encontra-se circunscrito ao disposto no art. 61, caput, da Lei n. 9.099/95:

 

“Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa”.

 

É preciso lembrar, neste diapasão, que nossos tribunais não admitem que infrações com penas superiores a esse patamar tramitem na esfera do Juizado. Confira-se, a respeito, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

 

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM E JUIZADO ESPECIAL. RESISTÊNCIA À PRISÃO (ART. 329 DO CPB) E CONTRAVENÇÃO DE PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE (ART. 65 DO DECRETO-LEI 3.688/41). CONCURSO DE CRIMES. COMPETÊNCIA DEFINIDA PELA SOMA DAS PENAS MÁXIMAS COMINADAS AOS DELITOS. JURISPRUDÊNCIA DESTE STJ. PARECER DO MPF PELA COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO. CONFLITO CONHECIDO, PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO DA 3A. VARA CRIMINAL DE PONTA GROSSA/PR, O SUSCITADO.

1. O crime antecedente, que teria originado a ordem de prisão e o subseqüente delito de resistência, é autônomo; assim, estando adequada a qualificação da conduta anterior do investigado como contravenção de perturbação da tranquilidade, constata-se que, somadas as penas máximas atribuídas, em abstrato, às duas infrações, supera-se o limite do art. 61 da Lei 9.099/90, que define como de menor potencial ofensivo apenas os crimes e as contravenções penais a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

2. É pacífica a jurisprudência desta Corte de que, no caso de concurso de crimes, a pena considerada para fins de fixação da competência do Juizado Especial Criminal será o resultado da soma, no caso de concurso material, ou a exasperação, na hipótese de concurso formal ou crime continuado, das penas máximas cominadas aos delitos; destarte, se desse somatório resultar um apenamento superior a 02 (dois) anos, fica afastada a competência do Juizado Especial.

3. Parecer do MPF pela competência do Juízo suscitado.

4. Conflito conhecido, para declarar competência o Juízo de Direito da 3a. Vara Criminal de Ponta Grossa/PR, o suscitado.”

(STJ, CC n. 101.274, rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 20/03/2009; grifos nossos).

 

Conclui-se, desta feita, que o cabimento de eventual transação penal não importa, imediatamente, na competência do órgão perante o qual atua o Ilustre Suscitado.

Diante de todo o exposto, com a máxima vênia do Douto Suscitante, conheço do presente conflito para dirimi-lo, declarando que a ele incumbe intervir no feito.

A fim de que não haja menoscabo à sua independência funcional, designo outro promotor de justiça para atuar nos autos, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

 Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa. Cumpra-se.

 

São Paulo, 15 de agosto de 2011.

 

 

Álvaro Augusto Fonseca de Arruda

Procurador-Geral de Justiça

                                                                                         em Exercício

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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