Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 110.339/14

Autos n.º 727/14 - MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Fernandópolis

Suscitante: Promotor de Justiça Criminal de Fernandópolis

Suscitado: Promotor de Justiça do Juizado Especial Criminal de Fernandópolis

Assunto: divergência quanto ao enquadramento dos fatos (ameaça ou coação no curso do processo)

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. PROMOTORES DE JUSTIÇA CRIMINAL E DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO (CP, ART. 344) OU AMEAÇA (CP, ART. 147), ALÉM DE DANO (CP, ART. 163) E DESOBEDIÊNCIA (CP, 330). FATOS OCORRIDOS DEPOIS QUE AS PARTES SAÍRAM DA DELEGACIA DE POLÍCIA PARA SEREM CIENTIFICADAS DA CONCESSÃO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA EM FAVOR DA VÍTIMA. COMPORTAMENTO APARENTEMENTE DESVINCULADO DO FAVORECIMENTO DE INTERESSE PRÓPRIO OU ALHEIO. AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECÍFICO RELATIVO AO DELITO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA. CONFIGURAÇÃO DE HIPÓTESE DE APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA. ATRIBUIÇÃO DO MEMBRO DO PARQUET OFICIANTE PERANTE O JUÍZO COMUM.

1. A divergência reside em definir se houve crime de coação no curso do processo (CP, art. 344) ou ameaça (CP, art. 147), infração de menor potencial ofensivo. O delito contra a administração da Justiça é apenado com reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência, motivo por que não se insere na estrita competência do Juizado Especial Criminal. Tal infração visa à tutela da integridade física e psíquica da autoridade, parte ou pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo ou em juízo arbitral. A conduta típica consiste em usar violência ou grave ameaça, visando favorecer interesse próprio ou de terceiro, contra autoridade, parte ou qualquer pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral. São meios executórios: a) violência contra a pessoa (vias de fato, lesão corporal ou morte), ou, ainda, b) a grave ameaça (promessa séria de inflição de mal grave, justo ou injusto). O elemento subjetivo é o dolo (elemento genérico) e abarca a vontade e a consciência de usar de violência ou grave ameaça contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral. Há, ainda, elemento subjetivo específico, consistente no escopo de favorecer interesse pessoal ou de outrem. Pouco importa, deve-se frisar, a natureza do interesse que se busca privilegiar.

2. No tocante à ameaça, a sanção cominada é de detenção, de um a seis meses, ou multa; consubstancia, portanto, delito de pequeno potencial ofensivo. Tal infração não foge à característica fundamental dos crimes contra a liberdade pessoal, ou seja, são eminentemente subsidários. Com efeito, há diversas infrações penais que contêm a ameaça como um dos meios executórios possíveis, dentre as quais a coação no curso do processo. O discrimen se dá pelo exame da finalidade especial a que se dirige a conduta do agente.

3. No caso em tela, o agente danificou a porta do veículo onde se encontrava a ofendida, acompanhada de sua irmã, ameaçando-as de morte, ao tomar conhecimento da concessão de medidas protetivas em favor da ex-companheira, inclusive proibindo-o de aproximar-se dela. Em momento algum se apurou que os dizeres proferidos teriam relação com o intuito de intimidar as ofendidas, para que o favorecessem no processo anteriormente movido.

4. Cuida-se de comportamento, assim, aparentemente desvinculado do elemento subjetivo específico relativo ao crime contra a Administração Pública, subsistindo apenas o delito subsidiário ou famulativo.

 

5. Destaque-se, porém, que se cuida de fato regido pela Lei Maria da Penha, motivo por que a competência é do Juízo Comum e não do Juizado Especial Criminal (art. 41).

 

Conclusão: conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição compete ao Douto Suscitante.

 

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado visando à apuração da prática, em tese, dos crimes de ameaça (CP, art. 147), dano (CP, art. 163, caput) e desobediência (CP, art. 330), imputados a (...).

O Douto Promotor de Justiça do Juizado Especial requereu a designação de audiência preliminar, mas posteriormente retratou-se e pugnou pelo envio do caso ao Juízo Comum, destacando ter ocorrido coação no curso do processo (CP, art. 344) (fls. 35 e 46).

O Ilustre Representante Ministerial que o recebeu, contudo, discordando do posicionamento de seu antecessor quanto à capitulação jurídica, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 51/52).

Eis a síntese do necessário.

 

Preliminarmente

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento do caso a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n.º 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

Assiste razão ao Douto Suscitado quanto à competência, mas se afigura correta a postura do Ilustre Suscitante no que alude à tipificação da conduta; senão, vejamos.

 

Dos fatos

Segundo se apurou, o agente, no dia 19 de dezembro de 2013, depois de deixar as dependências da Delegacia de Polícia e ser cientificado da concessão de medidas protetivas de urgência em favor de sua ex-companheira (...), com quem teve uma filha, perseguiu com sua motocicleta o veículo onde ela se encontrava, acompanhada de sua irmã (...), e as ameaçou de morte, chegando a danificar com o biciclo o automóvel.

 

 

Do enquadramento legal

A divergência surgida neste procedimento, consoante se antecipou, reside em definir se houve crime de coação no curso do processo (CP, art. 344) ou ameaça (CP, art. 147), infração de menor potencial ofensivo.

O delito contra a administração da Justiça consiste em:

 

“Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral”.

 

O fato é apenado com reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência, motivo por que não se insere na estrita competência do Juizado Especial Criminal.

Tal infração visa à tutela da integridade física e psíquica da autoridade, parte ou pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo ou em juízo arbitral.

A conduta típica consiste em usar (utilizar-se de) violência ou grave ameaça, visando favorecer interesse (moral ou material) próprio ou de terceiro, contra autoridade (magistrado, membro do Ministério Público, delegado de polícia, etc.), parte (p. ex., autor, réu, reclamante, reclamado, querelante, querelado, assistente de acusação) ou qualquer pessoa que funciona ou é chamada a intervir (p. ex., jurado, perito, testemunha, vítima, etc.) em processo judicial (de qualquer natureza: civil, trabalhista ou penal), policial ou administrativo, ou em juízo arbitral.

Pode-se citar como exemplo o ato do acusado que profere ameaças e promessas de vingança contra juiz durante audiência ou, ainda, o parente do réu que intimida as testemunhas convocadas a depor pela acusação, a fim de que se retratem.

São meios executórios: a) violência contra a pessoa (vias de fato, lesão corporal ou morte); b) grave ameaça (promessa séria de inflição de mal grave, justo ou injusto).

O elemento subjetivo é o dolo e abarca a vontade e a consciência de usar de violência ou grave ameaça contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral.

Há, ainda, elemento subjetivo específico, consistente no escopo de favorecer interesse pessoal ou de outrem. Pouco importa, frise-se, a natureza do interesse que se busca privilegiar.

No tocante à ameaça, dá-se tal crimen quando o agente:

 

“Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave”.

 

A sanção cominada é de detenção, de um a seis meses, ou multa; consubstancia, portanto, delito de pequeno potencial ofensivo.

A ameaça não foge à característica fundamental dos crimes contra a liberdade pessoal, ou seja, são eminentemente subsidários. Com efeito, há diversas infrações penais que contêm a ameaça como um dos meios executórios possíveis, dentre as quais a coação no curso do processo.

O discrimen se dá pelo exame da finalidade especial a que se dirige a conduta do sujeito.

No caso em tela, não há qualquer elemento capaz de vincular a inflição de promessa de mal grave e injusto ao propósito de favorecer interesse processual.

Não se pode presumir esta intenção, sobretudo quando nem o próprio sujeito passivo o indicou.

Em nosso modo de ver, desta feita, subsiste apenas o delito subsidiário ou famulativo.

Destaque-se, porém, que se cuida de fato regido pela Lei Maria da Penha, motivo por que a competência é do Juízo Comum e não do Juizado Especial Criminal (art. 41).

 

Conclusão

Diante do exposto, conhece-se deste incidente para dirimi-lo, declarando que a atribuição de atuar no caso compete ao Douto Suscitante.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designo outro representante ministerial para oficiar no feito.

Facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 31 de julho de 2014.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

]

/aeal