Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 110.344/14

Autos n.º 770/14 – MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Bragança Paulista

Suscitante: 1.º Promotor de Justiça de Bragança Paulista

Suscitado: 6.º Promotor de Justiça de Bragança Paulista

Assunto: divergência acerca do enquadramento legal com reflexo na atribuição funcional

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO OU LESÃO CORPORAL DOLOSA GRAVE (CP, ART. 121, C.C. ART. 14, INC. III, OU ART. 129, §1º, INC. II). AGENTE QUE REPENTINAMENTE DESFERE NA VÍTIMA DOIS GOLPES COM UM BANCO DE MADEIRA, E, MINUTOS DEPOIS, O ATINGE COM UM CANIVETE OITO VEZES, PRODUZINDO-LHE LESÕES CORPORAIS DE NATUREZA GRAVE PELO PERIGO DE VIDA. “ANIMUS NECANDI” SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADO PARA EFEITO DE IMPUTAÇÃO PREAMBULAR. PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO SOCIETATE”. ATRIBUIÇÃO DA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DO TRIBUNAL DO JÚRI.

1.      O increpado surpreendeu o ofendido com dois golpes desferidos com um banco de madeira, e depois de alguns minutos repetiu a agressão, atingindo-o com um canivete oito vezes. O sujeito passivo sofreu lesões corporais de natureza grave, em face do perigo à sua vida. Ao ver a vítima caída, o indiciado se evadiu do sítio dos acontecimentos, levando consigo o instrumento pérfuro-cortante.

2.      O modo repentino como agiu o indiciado, a quantidade de golpes desferidos e a sede das lesões produzidas, uma delas na região escapular, de caráter pérfuro-inciso, não permitem afastar, de plano, o animus occidendi.

3.      Frise-se que nesta fase da persecução penal vigora o princípio in dubio pro societate, impondo que eventuais dúvidas sejam dirimidas em favor da propositura da ação penal. A esse respeito, assim se pronunciou o Colendo Superior Tribunal de Justiça: “(...) Se durante o inquérito policial, a prova quanto à falta do animus necandi não é inconteste e tranqüila, não pode ser aceita nesta fase que favorece a sociedade, eis que não existem evidências inquestionáveis para ampará-la sem margem de dúvida. (...)”. (STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23 de março de 2011).

Solução: designa-se outro promotor de justiça para oferecer a peça inaugural, bem como para prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

 

 

Cuida-se de procedimento instaurado para apurar a conduta perpetrada por (...) em face de (...).

Concluídas as providências de polícia judiciária, o feito aportou no MM. Tribunal do Júri da Comarca e a Douta Promotora de Justiça nele oficiante concluiu inexistirem elementos informativos reveladores de que o indiciado atuara com animus necandi, postulando o envio do caso ao Juízo Comum (fls. 110/111).

O Ilustre Representante Ministerial que o recebeu, discordando de sua antecessora, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 115/117).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a remessa do expediente a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n.º 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra com o Ilustre Suscitante, com a máxima vênia da Douta Suscitada; senão, vejamos.

Segundo as declarações de (...) ele se encontrava, no dia 05 de maio de 2013, no interior de um estabelecimento denominado “Bar do Burro Véio”, quando repentinamente foi agredido pelo increpado, o qual lhe desferiu, num primeiro momento, dois golpes contundentes nas costas, valendo-se de um banco de madeira e, pouco tempo depois, oito golpes pérfuro-incisos, valendo-se o autor, desta feita, de um canivete.

Como resultado, o ofendido sofreu lesões corporais de natureza grave, pois houve perigo à sua vida (fls. 74).

A quantidade e a sede dos ferimentos, perpetrados na região escapular direita (resultando pneumotórax), na face, coxa esquerda, coxa direita e cotovelo esquerdo, bem como o fato de o agente ter atacado a vítima de surpresa, revelam seu propósito homicida.

Note-se que essa versão foi corroborada pelos depoimentos de testemunhas de visu (fls. 30/31 e 46/47).

A tese encampada pela Ilustre Suscitada somente poderia prosperar se cristalina a ausência de animus occidendi. A dinâmica dos fatos, contudo, não autoriza semelhante ilação.

Pelo contrário, ao menos para efeito de imputação preambular, pode-se dessumir que houve crime doloso contra a vida.

Frise-se que nesta fase da persecução penal vigora o princípio in dubio pro societate, consoante entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

 

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. HOMICÍDIO, NA FORMA TENTADA, PRATICADO POR MILITAR CONTRA CIVIL. INQUÉRITO POLICIAL. NECESSIDADE DE EXAME DETALHADO E CUIDADOSO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.

(...)

2. Os fatos serão melhor elucidados no decorrer do desenvolvimento da ação penal, devendo o processo tramitar no Juízo Comum, por força do princípio in dubio pro societate que rege a fase do inquérito policial, em razão de que somente diante de prova inequívoca deve o réu ser subtraído de seu juiz natural. Se durante o inquérito policial, a prova quanto à falta do animus necandi não é inconteste e tranqüila, não pode ser aceita nesta fase que favorece a sociedade, eis que não existem evidências inquestionáveis para ampará-la sem margem de dúvida.

(...)”

(STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23 de março de 2011).

 

Nada obsta, por óbvio, que durante a instrução criminal, sob o crivo do contraditório, outras provas possam modificar o quadro que até o momento se anteviu.

Conhece-se, portanto, do presente conflito para dirimi-lo, declarando que a atribuição para oficiar no feito incumbe à Douta Suscitada.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designo outro representante ministerial para atuar nos autos, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n.º 302 PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando-se o substituto automático. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 30 de julho de 2014.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

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