Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n. 114.990/12

Autos n. 2.218/12 - MM. Juízo da Vara Regional Sul I de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

Suscitante: Promotoria de Justiça da Vara Regional Sul I de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

Suscitada: 5.ª Promotoria de Justiça Criminal do Foro Central da capital

Assunto: subsunção dos fatos ao conceito de violência doméstica ou familiar contra a mulher

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CRIME CONTRA O IDOSO (LEI N. 10.741/03). VÍTIMAS DOS SEXOS FEMININO E MASCULINO. INEXISTÊNCIA DE SITUAÇÃO CARACTERIZADORA DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO. INAPLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA (LEI N. 11.340/06)

1.      O tema central da controvérsia entre os promotores de justiça diz respeito a saber se a conduta do suspeito, o qual receberia a aposentadoria de seu pai e a utilizaria para benefício próprio, deixando os genitores desamparados, se subsume ao conceito de violência doméstica ou familiar contra a mulher, conforme dispõe a Lei n. 11.340/06 e, via de consequência, se a atribuição para atuar na causa deve ficar sob a responsabilidade do órgão do Parquet oficiante na esfera do Juízo Criminal Comum ou no âmbito do Núcleo de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Capital.

2.      Com relação às infrações perpetradas contra seu genitor, descabe falar em aplicação da Lei n. 11.340/06, já que se trata de vítima do sexo masculino.

3.      No que tange aos delitos em face de sua genitora, nota-se que o fator indicativo de sua vulnerabilidade não reside em seu gênero, mas sua condição de idosa.

4.      Na hipótese concreta, portanto, não há qualquer dado fático que possa indicar cuidar-se de comportamento criminoso no qual houve violência de gênero. Deve-se acentuar que o Diploma acima citado enfeixa diversas normas restritivas de liberdade individual, com o válido e necessário intuito de conferir proteção eficaz à mulher, atingida em sua condição de hipossuficiência, seja física, econômica ou de qualquer natureza.

5.      Significa que a incidência das regras contidas na legislação especial não se justifica pura e simplesmente porque uma pessoa do sexo feminino figurou como vítima, mas, além disso, há que se encontrar no caso uma nota característica, traduzida na necessidade de se outorgar a especial proteção à mulher atingida no contexto doméstico ou familiar. Essa vem sendo, inclusive, a interpretação dada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça ao tema, como se pode conferir em diversos julgados (CC n. 88.027, rel. Min. OG FERNANDES, 3ª SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe de 18/12/2008; CC 96.533, rel. Min. OG FERNANDES, 3ª SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe de 05/02/2009).

Solução: conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição de oficiar nos autos incumbe à Promotora de Justiça em exercício no âmbito do Juízo Comum.

 

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar a prática dos delitos previstos nos arts. 99 e 102 da Lei n. 10.741/03 (Estatuto do Idoso) cometidos, em tese, por (...) em face de seus genitores, (...) e (...).

O Ilustre Promotor de Justiça Criminal, ao receber o procedimento, requereu seu encaminhamento ao Juízo Especializado de Violência Doméstica contra a Mulher (fls. 68 verso).

O Douto Representante Ministerial neste oficiante, por sua vez, discordando do posicionamento de seu antecessor, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 72/75).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a presente remessa assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

Pois bem.

A conduta do suspeito, em nosso sentir, não se enquadra no conceito de violência doméstica e familiar previsto na Lei n. 11.340/06. Isto porque não há qualquer dado fático que possa indicar comportamento criminoso no qual houve violência de gênero.

Da narrativa constante dos autos infere-se, em síntese, que o agente receberia a aposentadoria de seu pai e a utilizaria para benefício próprio, deixando os genitores desamparados.

Com relação às infrações perpetradas contra (...), descabe falar em aplicação da Lei n. 11.340/06, já que se trata de vítima do sexo masculino.

No que tange aos delitos em face de (...), nota-se que o fator indicativo de sua vulnerabilidade não reside em seu gênero, mas sua condição de idosa.

Deve-se acentuar que a Lei n. 11.340/06 enfeixa diversas normas restritivas de liberdade individual, com o válido e necessário intuito de conferir proteção eficaz à mulher, atingida em sua condição de hipossuficiência, seja física, econômica ou de qualquer natureza.

Significa que a incidência das regras contidas na legislação especial acima citada não se justifica pura e simplesmente porque uma pessoa do sexo feminino figurou como vítima, mas, além disso, há que se encontrar no caso uma nota característica, traduzida na necessidade de se outorgar a especial proteção ao sujeito passivo. Essa vem sendo, inclusive, a interpretação dada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça ao tema, como se pode conferir nos seguintes julgados:

 

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E JUIZ DE DIREITO. CRIME COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER. CRIME CONTRA HONRA PRATICADO POR IRMÃ DA VÍTIMA. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 11.340/06. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL.

1. Delito contra honra, envolvendo irmãs, não configura hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06, que tem como objeto a mulher numa perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou inferioridade física e econômica.

2. Sujeito passivo da violência doméstica, objeto da referida lei, é a mulher. Sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade.

2. No caso, havendo apenas desavenças e ofensas entre irmãs, não há qualquer motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize situação de relação íntima que possa causar violência doméstica ou familiar contra a mulher. Não se aplica a Lei nº 11.340/06.

3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Governador Valadares/MG, o suscitado”. (CC 88.027/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe de 18/12/2008; grifo nosso)

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E JUIZ DE DIREITO. CRIME COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER. AGRESSÕES MÚTUAS ENTRE NAMORADOS SEM CARACTERIZAÇÃO DE SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE DA MULHER. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 11.340/06. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL.

1. Delito de lesões corporais envolvendo agressões mútuas entre namorados não configura hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06, que tem como objeto a mulher numa perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou vulnerabilidade.

2. Sujeito passivo da violência doméstica objeto da referida lei é a mulher. Sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade, além da convivência, com ou sem coabitação.

2. No caso, não fica evidenciado que as agressões sofridas tenham como motivação a opressão à mulher, que é o fundamento de aplicação da Lei Maria da Penha. Sendo o motivo que deu origem às agressões mútuas o ciúmes da namorada, não há qualquer motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06.

3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Conselheiro Lafaiete/MG”. (CC 96.533/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe 05/02/2009)

 

Diante do exposto, conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, declarando competir ao Douto Suscitado a atribuição para intervir nos autos.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, já que a presente decisão colide com sua opinio delicti, designo outro promotor de justiça para oficiar na causa, requerendo o que de direito.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Cumpra-se. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 08 de agosto de 2012.

 

 

   Márcio Fernando Elias Rosa

   Procurador-Geral de Justiça

 

 

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