Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n. 120.719/12

Inquérito Policial n. 1.252/12 - MM. Juízo da 4.ª Vara Criminal da Comarca de Guarulhos

Suscitante: Promotoria de Justiça Criminal de Guarulhos

Suscitada: 3.ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital

Assunto: foro competente para apuração de crime de receptação (CP, art. 180)

 

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CRIME DE RECEPTAÇÃO (CP, ART. 180, CAPUT). DIVERGÊNCIA ENTRE PROMOTORES DE JUSTIÇA ACERCA DA COMPETÊNCIA RATIONE LOCI. AGENTE QUE ADQUIRIU O VEÍCULO NUM TERRITÓRIO E O CONDUZIU A OUTRO, ONDE FOI APREENDIDO. MODALIDADE DE CRIME PERMANENTE, CUJA CONSUMAÇÃO ATINGIU MAIS DE UM FORO. CPP, ART. 71. CRITÉRIO DA PREVENÇÃO. ATRIBUIÇÃO MINISTERIAL VINCULADA AO LOCAL EM QUE O FEITO FOI INSTAURADO.

1.      Na hipótese vertente, os indiciados foram surpreendidos nesta Capital por policiais militares ao volante de automóvel produto de furto. Ao serem ouvidos, um deles admitiu que adquirira o bem em Guarulhos.

2.      O crime de receptação em tese praticado consumou-se na Comarca de Guarulhos (a se admitir como verdadeira a versão de um dos investigados), persistindo sua fase consumativa durante todo o período em que os agentes conduziram e ocultaram o objeto (atingindo, então, o foro da Capital). Significa dizer que se trata de delito permanente, motivo pelo qual tem aplicação à espécie o disposto no art. 71 do CPP: “Tratando-se de infração continuada ou permanente, praticada em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção”. Precedentes jurisprudenciais (STJ, CC 88617, rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJU de 10.03.2008, p. 1; TJSP, Câmara Especial, CONFLITO DE JURISDIÇÃO n. 151.925-0/9-00, da Comarca de SÃO PEDRO, rel. Des. Maria Olivia Alves, j. em 29/10/2007).

3.      O juízo prevento é aquele que se antecipou aos demais na prática de algum ato ou medida relativa ao processo, ou seja, a Vara Criminal da Capital.

Solução: conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição de oficiar nos autos incumbe ao Ilustre Suscitado.

 

 

O presente inquérito policial foi instaurado para apurar a conduta perpetrada por (...) e (...) quando, no dia 27 de novembro de 2009, por volta de 14 horas, foram surpreendidos por policiais militares na posse de veículo objeto de furto datado de 20 de outubro do mesmo ano, na Rua Padre Simão Mazzeta, n. 240, Bairro Itaim Paulista, nesta Capital.

(...), ao ser ouvido, informou ter adquirido o bem em uma feira de automóveis, na cidade de Guarulhos.

O Douto Promotor de Justiça inicialmente oficiante, ponderando que poderia o caso tratar-se de furto ou receptação, praticado, de qualquer modo, no Município de Guarulhos, requereu fosse o expediente encaminhado a tal Comarca (fls. 94/95).

A Ilustre Representante Ministerial que o recebeu, de sua parte, discordando do posicionamento de seu antecessor, vislumbrando configurado o delito previsto no artigo 180 do CP, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 98/99). e o recebeu, de sua parte, discordando do posicionamento de seu antecessor, vislumbrando c

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o envio do procedimento a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

Pois bem.

Os elementos de prova acima sintetizados indicam a ocorrência, pelo menos, do crime de receptação dolosa simples, cuja consumação perpassou os territórios da Guarulhos (suposto lugar da aquisição da res) e da Capital (local da condução do objeto).

De aplicar-se à espécie, portanto, o disposto no art. 71 do CPP, vez que se trata de crime permanente.

De acordo com o dispositivo legal indicado, em matéria de delitos permanentes, cuja consumação atingiu mais de um foro, firma-se a competência territorial pela prevenção.

In casu, o juízo prevento, nos termos do art. 83 do CPP, é, sem dúvida, aquele em que atua o Douto Suscitado, ou seja, São Paulo. Nesse sentido:                

 

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL. RECEPTAÇÃO, NA MODALIDADE CONDUZIR OU TRANSPORTAR (CAMINHÃO), E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. CRIMES PERMANENTES COMETIDOS EM MAIS DE UM ESTADO DA FEDERAÇÃO. FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA PELA PREVENÇÃO. ART. 78, II, C, C/C 83 DO CPP. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO.

1.   Na hipótese, o crime de receptação, praticado na modalidade de conduzir ou transportar o bem subtraído do seu proprietário, no caso, um caminhão, adquirindo assim a qualidade de permanente, e o de quadrilha (que já detém essa característica) ocorreram em mais de um Estado da Federação. Nesses casos, havendo Magistrados de igual jurisdição e não sendo possível escolher pela gravidade do crime ou pelo número de infrações, a competência deve ser fixada pela prevenção. Precedentes do STJ.

2. Conhece-se do conflito, para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara Criminal de Inquéritos Policiais de Belo Horizonte/MG, o suscitado”.

(STJ, CC 88617, rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJU de 10.03.2008, p. 1).

 

De ver, ainda, o seguinte julgado, sufragando a mesma tese:

 

CONFLITO NEGATIVO - Formação de quadrilha: roubos e recepção de carga - Crimes ocorridos em diversas Comarcas - Interceptação telefônica que culminou na identificação e prisão de alguns dos acusados – Ordem emanada pelo Juízo de São Pedro - Prisão ocorrida em Piracicaba - Crime permanente - Hipótese em que deve ser reconhecia a prevenção do Juízo que primeiro atuou no processo - Aplicação dos artigos 71 e 83 do Código de Processo Penal - Conflito procedente - Competência do Juízo suscitante.

(TJSP, Câmara Especial, CONFLITO DE JURISDIÇÃO n. 151.925-0/9-00, da Comarca de SÃO PEDRO, rel. Des. Maria Olivia Alves, j. em 29/10/2007).

 

Diante do exposto, conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição de oficiar nos autos incumbe ao Ilustre Promotor de Justiça Criminal da Capital.

A designação de outro Representante Ministerial, na hipótese vertente, afigura-se desnecessária, haja vista não se vislumbrar qualquer menoscabo ao princípio da independência funcional.

Como bem pondera PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN, examinando conflitos de atribuição:

 

“a exclusão de ambos (os Promotores de Justiça em litígio) só pode se dar em caráter excepcional, porque essa modalidade de controvérsia pressupõe, de ordinário, que a atuação caiba a uma das autoridades em dissídio. (...). É evidente que a livre convicção do promotor natural deve ser preservada, mas não ao custo de subtrair-lhe o caso em que lhe cabe atuar, pois o dever de agir, que porventura tenha, é irrenunciável, intransferível e insuscetível de ser eliminado por interpretação unilateral do órgão ao qual toca satisfazê-lo. (...). Somente há incompatibilidade com o desempenho funcional – e, portanto, inconveniência para a sociedade – se o pronunciamento anterior, na sua essência, traduz uma promoção de arquivamento ou envolve uma antecipada afirmação de que a demanda é inviável” (REGIME JURÍDICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO PENAL. São Paulo, Editora Verbatim, 2009, pág. 155); parêntese nosso.

 

Publique-se a ementa. Cumpra-se.

 

São Paulo, 20 de agosto de 2012.

 

 

 

                        Márcio Fernando Elias Rosa

                        Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

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