Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 120.724/12

Inquérito Policial n.º 0030805-63.2012.8.26.0050 – MM. Juízo da Vara do Juizado Especial Criminal Central da Comarca da Capital

Suscitante: Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal Central da Capital

Suscitada: 2.ª Promotoria de Justiça Criminal Central da Capital

Assunto: definição da classificação jurídica do fato (falsa identidade ou tentativa de falsidade ideológica)

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. FALSIDADE IDEOLÓGICA OU FALSA IDENTIDADE. AGENTE QUE PROMOVE A ABERTURA DE PESSOA JURÍDICA EM NOME DA VÍTIMA SEM SEU CONHECIMENTO. ELEMENTARES DO ART. 299 DO CP CONFIGURADAS.

1.    Cuida-se de conflito negativo de atribuição, em que os Ilustres Promotores de Justiça divergem a respeito da capitulação jurídica dos fatos: falsa identidade (CP, art. 307) ou falsidade ideológica (CP, art. 299).

2. Na hipótese concreta, os elementos de informação colhidos demonstram que o indiciado efetuou a abertura de empresa fornecendo o nome de sua ex-cunhada e, segundo esta, tudo se deu sem o seu conhecimento.

3. A conduta em tese praticada configura crime de competência do juízo comum. Com efeito, dá-se o falso ideal ou expressional quando alguém mente no tocante ao conteúdo de documento fisicamente verdadeiro. Não é o exterior que é falso, mas o interior, a ideia exposta no documento. Cuida-se a falsidade ideológica, portanto, da mentira reduzida a termo. Nesta, “o agente forma um documento até então inexistente para, através dele, fraudar a verdade. O documento assim elaborado pelo falsificador é extrinsecamente verdadeiro, pois quem o escreve é efetivamente quem aparece no texto como seu autor; o que há nele de inverídico é o conteúdo ideológico, pois seu texto é falso ou omisso em relação à realidade que deveria consignar” (Sylvio do Amaral, Falsidade Documental, p. 47).

4. O falso ideal também fica sujeito à verificação dos quatro requisitos gerais relativos à falsidade documental, a saber: a mudança da verdade (immutatio veritatis), a imitação da verdade (immitatio veritatis), compreendida como verossimilhança do conteúdo, a potencialidade de dano (falsum punitur licet nemini damun inferret, sufficit enim quod potuit damnum inferre) e o dolo (animus fallendi).

5. O falso ideal não envolve a modificação da peça, do instrumento, do objeto, etc., mas a inserção de conteúdo inverídico sobre estes. Assim, deve a mentira aposta no documento ser hábil a iludir, o que jamais se cogitará quando a verdade falseada for inverossímil. A falsidade ideológica pressupõe, portanto, como em todos os crimes contra a fé pública, idoneidade (capacidade de enganar o homem médio) e potencialidade lesiva. Com respeito ao dolo, outra característica do falso ideal reside em que não basta o elemento subjetivo genérico, pois requer também a existência de uma finalidade ulterior à qual deve a conduta do agente dirigir-se, consistente no fim de “prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”. Note-se que a lei condiciona a existência do delito a que o conteúdo do falso refira-se a fato juridicamente relevante. Entende-se como tal a declaração capaz de criar, alterar ou extinguir relações jurídicas, algo que constitua a essência do ato ou documento, e não uma simples mentira sem maiores consequências legais.

6. Restou claro que o agente, ao inserir declaração falsa da que devia ser escrita (o nome da cunhada como sócia da pessoa jurídica), atuou com o fim de prejudicar direito e criar obrigação sobre fato juridicamente relevante.

7. O delito excogitado pelo Douto Suscitado, ademais, é expressamente subsidiário, como deixa claro seu preceito secundário, o que somente vem a confirmar se cuidar a causa, em tese, do tipo penal previsto no art. 299 do CP.

Solução: conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, a fim de declarar que ao Douto Suscitado compete oficiar nos autos.

 

 

Cuida-se de conflito negativo de atribuição entre os Promotores de Justiça Criminal e do Juizado Especial, ambos da Capital, os quais divergem acerca de quem possui o dever de atuar nos autos, onde se investiga crime contra a fé pública.

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a vinda do expediente a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

Pois bem.

O deslinde da presente quaestio depende da definição do enquadramento legal dos fatos.

Os elementos de informação colhidos demonstram que (...) efetuou a abertura de empresa fornecendo o nome de sua ex-cunhada, (...).

Segundo esta, entretanto, tudo se deu sem o seu conhecimento (informação, porém, rebatida pelo suspeito).

Cuida-se o ato supostamente praticado de falsidade ideológica (CP, art. 299), de vez que configuradas todas as elementares do respectivo tipo penal.

Ocorre o falso ideal ou expressional quando alguém mente no tocante ao conteúdo de documento fisicamente verdadeiro. Não é o exterior que é falso, mas o interior, a ideia exposta no documento. Trata-se a falsidade ideológica, portanto, da mentira reduzida a termo.

Nesta, “o agente forma um documento até então inexistente para, através dele, fraudar a verdade. O documento assim elaborado pelo falsificador é extrinsecamente verdadeiro, pois quem o escreve é efetivamente quem aparece no texto como seu autor; o que há nele de inverídico é o conteúdo ideológico, pois seu texto é falso ou omisso em relação à realidade que deveria consignar” (Sylvio do Amaral, Falsidade Documental, p. 47).

O falso ideal também fica sujeito à verificação dos quatro requisitos gerais relativos à falsidade documental, a saber: a mudança da verdade (immutatio veritatis), a imitação da verdade (immitatio veritatis), a potencialidade de dano (falsum punitur licet nemini damun inferret, sufficit enim quod potuit damnum inferre) e o dolo (animus fallendi).

Em se tratando de falsidade ideológica, porém, a immitatio veritatis deverá ser entendida como verossimilhança do conteúdo. O falso ideal, recorde-se, não envolve a modificação da peça, do instrumento, do objeto, etc., mas a inserção de conteúdo inverídico sobre estes. Assim, deve a mentira aposta no documento ser hábil a iludir, o que jamais se cogitará quando a verdade falseada for inverossímil.

A falsidade ideológica pressupõe, portanto, como em todos os crimes contra a fé pública, idoneidade (capacidade de enganar o homem médio) e potencialidade lesiva.

Com respeito ao dolo, outra característica do falso ideal reside em que não basta o elemento subjetivo genérico, pois requer também a existência de uma finalidade ulterior à qual deve a conduta do agente dirigir-se, consistente no fim de “prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.

Note-se que a lei condiciona a existência do delito a que o conteúdo do falso refira-se a fato juridicamente relevante. Entende-se como tal a declaração capaz de criar, alterar ou extinguir relações jurídicas, algo que constitua a essência do ato ou documento, e não uma simples mentira sem maiores consequências legais.

O delito excogitado pelo Douto Suscitado, ademais, é expressamente subsidiário, como deixa claro seu preceito secundário, o que somente vem a confirmar se cuidar a causa, em tese, do tipo penal previsto no art. 299 do CP.

Não há falar-se, portanto, em simples “falsa identidade”, infração de menor potencial ofensivo capitulada no art. 307 do CP.

Diante do exposto, conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, a fim de declarar que ao Ilustre Representante Ministerial atuante perante o MM. Juízo Comum compete intervir no procedimento.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional e desde que o Ilustre Subscritor da manifestação exarada a fls. 30/31 continue no exercício do mesmo cargo, designa-se outro Representante Ministerial para atuar na causa.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se, acaso necessário, portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

   São Paulo, 20 de agosto de 2012.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

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