Conflito Negativo de Atribuição
Protocolado n.º 121.594/12
Inquérito Policial n.º 008221-41.2010.8.26.0050 – MM. Juízo da Vara do Juizado Especial Criminal Central da Comarca da Capital
Suscitante: Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal Central da Comarca da Capital
Suscitada: 3.ª Promotoria de Justiça Criminal Central da Capital
Assunto: definição da classificação jurídica do fato (violação de sigilo funcional ou corrupção passiva)
EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE PROMOTORES DE JUSTIÇA OFICIANTES JUNTO AO JUÍZO COMUM E JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL ACERCA DA CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS (VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL OU CORRUPÇÃO PASSIVA AGRAVADA – ARTS. 325, CAPUT, E 317, §1.º, DO CP). HIPÓTESE EM QUE O SERVIDOR POSSUÍA ACESSO A SISTEMA SIGILOSO DE DADOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E, MEDIANTE PAGAMENTO EM DINHEIRO, OS REPASSAVA A EMPRESA DE SEGURANÇA. CORRUPÇÃO PASSIVA CARACTERIZADA. ATRIBUIÇÃO DO DOUTO SUSCITADO.
1. A prova demonstrou suficientemente que o indiciado, na condição de funcionário público, possuía acesso a sistema de dados sigilosos da Administração Pública e, por diversas vezes, utilizando-se de sua senha pessoal, obteve informações protegidas e as repassou a empresa de segurança, recebendo, por isto, vantagem patrimonial indevida.
2. O agente, portanto, não se limitou a usurpar o sigilo funcional que lhe era devido, mas defraudou, mediante contraprestação pecuniária, a confiança que a Administração Pública lhe outorgou, mercadejando seu munus.
3. A corrupção passiva encontra-se devidamente caracterizada, nomeadamente para efeito de imputação preambular. Referido crime dá-se quando o agente solicitar (pedir, requerer), receber (obter, entrar na posse ou detenção) e aceitar (concordar, anuir) para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.
4. O delito do art. 325 do CP consubstancia-se na revelação de fato do qual o servidor tem ciência em razão do cargo e deva permanecer em sigilo (caput); ocorre, ainda, quando uma pessoa se utiliza indevidamente do acesso restrito (hipótese dos autos). Deve-se anotar que tal infração, que desde já fica afastada, é expressamente subsidiária.
Solução: conhece-se da presente remessa, dirimindo-se o conflito para declarar que a atribuição compete ao Douto Suscitado.
Cuida-se de conflito negativo de atribuição entre os Promotores de Justiça oficiantes junto ao Juízo Comum e Juizado Especial, ambos da Capital, os quais divergem acerca de quem possui o dever de atuar nos autos, onde se investiga crime contra a Administração Pública.
Na visão da Douta Representante Ministerial Criminal, trata-se de delito de violação de sigilo funcional, figura contida no art. 325, §1.º, II, do CP (fls. 178).
O competente Órgão do Parquet atuante na esfera do JECRIM, de sua parte, vislumbrou a ocorrência de corrupção passiva agravada (art. 317, §1.º, na forma do art. 71, ambos do CP) (fls. 203/206).
Eis a síntese do necessário.
Há de se sublinhar, preliminarmente, que a vinda do expediente a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.
Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.
Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).
Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.
Pois bem.
O deslinde da presente quaestio depende, como se nota acima, da definição do enquadramento legal dos fatos.
Os elementos de informação colhidos demonstram que o indiciado, na condição de Escrivão de Polícia, utilizava-se de sua senha na rede INFOSEG, obtendo acesso a dados sigilosos, vindo, após, a repassá-los à pessoa jurídica denominada “SIGMA ASSESSORIA E CONSULTORIA DE SEGURANÇA”, onde chegou a prestar serviços como segurança no período noturno, mediante retribuição monetária.
O agente, portanto, não se limitou a usurpar o sigilo funcional que lhe era devido, mas defraudou, mediante contraprestação pecuniária, a confiança que a Administração Pública lhe outorgou, mercadejando seu munus.
A corrupção passiva encontra-se devidamente caracterizada, nomeadamente para efeito de imputação preambular.
Referido crime dá-se quando o sujeito solicitar (pedir, requerer), receber (obter, entrar na posse ou detenção) e aceitar (concordar, anuir) para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.
No caso concreto, o investigado recebeu quantias em dinheiro para repassar à empresa de segurança as informações às quais ele, mediante senha pessoal e intransferível, possuía acesso.
O crime do art. 325 do CP consubstancia-se na revelação de fato do qual o servidor tem ciência em razão do cargo e deva permanecer em sigilo (caput); ocorre, ainda, quando uma pessoa se utiliza indevidamente do acesso restrito (hipótese dos autos).
Deve-se anotar que tal infração, que desde já fica afastada, é expressamente subsidiária.
Diante do exposto, conhece-se da presente remessa, dirimindo-se o conflito para declarar que a atribuição para intervir no feito compete ao Douto Suscitado.
Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designa-se outro promotor de justiça para oferecer a denúncia, devendo prosseguir nos ulteriores termos da causa.
Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.
Expeça-se portaria designando o substituto automático. Cumpra-se. Publique-se a ementa.
São Paulo, 20 de agosto de 2012.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
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