Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 122.922/12

Processo n.º 2.269/12 – MM. Juízo do Núcleo de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

Suscitante: Promotoria de Justiça do Núcleo de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

Suscitada: 5.º Promotoria de Justiça Criminal da Capital

Assunto: subsunção dos fatos ao conceito de violência doméstica ou familiar contra a mulher

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. MAUS-TRATOS (CP, ART. 136, “CAPUT”). GENITORA QUE DESFERIU GOLPE COM INSTRUMENTO CONTUNDENTE CONTRA SUA FILHA ADOLESCENTE, ABUSANDO, EM TESE, DOS MEIOS DE CORREÇÃO. INEXISTÊNCIA DE SITUAÇÃO CARACTERIZADORA DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO. INAPLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA (LEI N. 11.340/06)

1.      A divergência estabelecida no caso diz respeito a definir se a atribuição para oficiar incumbe ao Promotor de Justiça Criminal ou ao Representante Ministerial em exercício no Núcleo de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Capital.

2.      Cuida-se, na hipótese, de suposto delito de maus-tratos (CP, art. 136) cometido, em tese, por genitora em face de sua filha adolescente, de vez que teria aquela desferido golpe com instrumento contundente nesta, por ter sido desacatada.

3.      Nota-se, no presente caso, que o elemento identificador da fragilidade do sujeito passivo não reside em seu sexo, mas em sua idade, pois se trata de adolescente sob o jugo do poder familiar.

4.      Na hipótese concreta, portanto, não há qualquer dado fático que possa indicar cuidar-se de comportamento criminoso no qual houve violência de gênero. A Lei Maria da Penha enfeixa diversas normas restritivas de liberdade individual, com o válido e necessário intuito de conferir proteção eficaz à mulher, atingida em sua condição de hipossuficiência decorrente da dominação histórica e social entre gêneros.

1.      Significa que a incidência das regras contidas na legislação especial não se justifica pura e simplesmente porque uma pessoa do sexo feminino figurou como vítima, mas, além disso, há que se encontrar no caso uma nota característica, traduzida na necessidade de se outorgar a especial proteção à mulher atingida no contexto doméstico ou familiar. Essa vem sendo, inclusive, a interpretação dada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça ao tema, como se pode conferir em diversos julgados (CC n. 88.027, rel. Min. OG FERNANDES, 3ª SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe de 18/12/2008; CC 96.533, rel. Min. OG FERNANDES, 3ª SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe de 05/02/2009).

Solução: conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição de oficiar nos autos incumbe à Promotora de Justiça em exercício no âmbito do Juízo Comum.

 

 

 

 

Cuida-se o presente de inquérito policial instaurado para apurar a prática do delito de maus-tratos (CP, art. 136) cometido, em tese, por (...) em face de sua filha (...).

Concluídas as providências de polícia judiciária, o Douto Promotor de Justiça Criminal houve por bem declinar de sua atribuição em favor da Vara Especializada em Violência Doméstica (fls. 37, verso).

A Ilustre Representante Ministerial nesta oficiante, discordando do posicionamento de seu antecessor, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 40/44).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a presente remessa assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra com a Douta Suscitante, com a devida vênia do Ilustre Suscitado.

O comportamento perpetrado, em nosso sentir, não se enquadra no conceito de violência doméstica e familiar previsto na Lei n. 11.340/06.

Isto porque não há qualquer dado fático que possa indicar cuidar-se de comportamento criminoso no qual houve violência de gênero.

Cuida-se, na hipótese, do delito de maus-tratos (CP, art. 136) cometido, em tese, por (...) em face de sua filha (...) quando, no dia 19 de novembro de 2010, no período da tarde, teria desferido golpe com instrumento contundente, por não ter sido acatada.

Acrescentou a vítima, ademais, que não fora a primeira vez que isso ocorreu, e por vezes sua genitora saiu para se divertir, deixando-a sozinha cuidando do irmão menor, chegando em casa apenas pela manhã.

Nota-se, no presente caso, que o elemento identificador da fragilidade do sujeito passivo não reside em seu sexo, mas em sua idade, pois se trata de adolescente sob o jugo do poder familiar.

Deve-se acentuar, nesta ordem de ideias, que o Texto Normativo acima citado enfeixa diversas normas restritivas de liberdade individual, com o válido e necessário intuito de conferir proteção eficaz à mulher, atingida em sua condição de hipossuficiência, seja física, econômica ou de qualquer natureza.

Significa que a incidência das regras contidas na legislação especial não se justifica pura e simplesmente porque uma pessoa do sexo feminino figurou como vítima, mas, além disso, há que se encontrar no caso uma nota característica, traduzida na necessidade de se outorgar a especial proteção ao sujeito passivo. Essa vem sendo, inclusive, a interpretação dada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça ao tema, como se pode conferir nos seguintes julgados:

 

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E JUIZ DE DIREITO. CRIME COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER. CRIME CONTRA HONRA PRATICADO POR IRMÃ DA VÍTIMA. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 11.340/06. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL.

1. Delito contra honra, envolvendo irmãs, não configura hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06, que tem como objeto a mulher numa perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou inferioridade física e econômica.

2. Sujeito passivo da violência doméstica, objeto da referida lei, é a mulher. Sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade.

2. No caso, havendo apenas desavenças e ofensas entre irmãs, não há qualquer motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize situação de relação íntima que possa causar violência doméstica ou familiar contra a mulher. Não se aplica a Lei nº 11.340/06.

3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Governador Valadares/MG, o suscitado”.

(CC 88.027/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe de 18/12/2008; grifo nosso)

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E JUIZ DE DIREITO. CRIME COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER. AGRESSÕES MÚTUAS ENTRE NAMORADOS SEM CARACTERIZAÇÃO DE SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE DA MULHER. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 11.340/06. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL.

1. Delito de lesões corporais envolvendo agressões mútuas entre namorados não configura hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06, que tem como objeto a mulher numa perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou vulnerabilidade.

2. Sujeito passivo da violência doméstica objeto da referida lei é a mulher. Sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade, além da convivência, com ou sem coabitação.

2. No caso, não fica evidenciado que as agressões sofridas tenham como motivação a opressão à mulher, que é o fundamento de aplicação da Lei Maria da Penha. Sendo o motivo que deu origem às agressões mútuas o ciúmes da namorada, não há qualquer motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06.

3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Conselheiro Lafaiete/MG”.

(CC 96.533/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe 05/02/2009)

 

Diante do exposto, conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, a fim de declarar competir ao Douto Suscitado a atribuição para intervir nos autos.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, já que a presente decisão colide com sua opinio delicti, designo outro promotor de justiça para oficiar na causa, requerendo o que de direito.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático. Cumpra-se.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 22 de agosto de 2012.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

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