Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 123.929/15

Autos n.º 0004777-52.2012.8.26.0052 – MM. Juízo do DIPO 3 (Comarca da Capital)

Suscitante: 117.º Promotor de Justiça Criminal da Capital

Suscitados: 3.º Promotor de Justiça do I Tribunal do Júri da Capital e 4.º Promotor de Justiça Criminal de Itaquera

Assunto: divergência acerca do correto enquadramento dos fatos, com reflexo na atribuição funcional

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO OU LESÃO CORPORAL DOLOSA. INCREPADO QUE ENCOSTOU A ARMA NA REGIÃO ENCEFÁLICA DA VÍTIMA E, TENDO INICIADO O MOVIMENTO TENDENTE AO DISPARO, FOI IMPEDIDO POR TESTEMUNHA DE PROSSEGUIR EM SEU INTENTO, SENDO, AO FINAL, DOMINADO POR TERCEIROS. “ANIMUS NECANDI” SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADO PARA EFEITO DE IMPUTAÇÃO PREAMBULAR. PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO SOCIETATE”. ATRIBUIÇÃO DO PROMOTOR DE JUSTIÇA DO TRIBUNAL DO JÚRI.

1.      Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração da conduta do indiciado, o qual, de posse de arma de fogo (e depois de anunciar que mataria a vítima), apontou-a contra a cabeça do sujeito passivo e, quando estava prestes a disparar, foi deslocado por uma testemunha e, por conta disso, o projétil não atingiu o ofendido, mas terceiro, o qual sofreu ferimentos na perna. O autor, em seguida, foi desarmado e, com a chegada da Polícia, preso em flagrante.

2.      Essa sequência de atos foi comprovada no depoimento de uma das testemunhas, embora houvesse outra que apresentou narrativa diversa, apontando que o tiro somente foi deflagrado em razão da intervenção exercida para desarmar o increpado.

3.      É forçoso concluir, diante desse quadro, que há indícios aptos a amparar a classificação jurídica sustentada pela Douta Suscitante, no sentido de que houve crime doloso contra a vida. Acrescente-se, ademais, que eventuais dúvidas nesta fase da persecução penal acerca do elemento subjetivo devem ser dirimidas em favor da sociedade, na esteira do entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. JUSTIÇA MILITAR E JUSTIÇA COMUM. FUNDADA DÚVIDA QUANTO AO ELEMENTO SUBJETIVO DO HOMICÍDIO DOLOSO. DISPARO DE ARMA DE FOGO NA DIREÇÃO DO VEÍCULO DA VÍTIMA. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO SOCIETATE”. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. 1. Os crimes dolosos contra a vida cometidos por militar contra civil, mesmo que no desempenho de suas atividades, serão da competência da Justiça comum (Tribunal do Júri), nos termos do art. 9.º, parágrafo único, do Código Penal Militar. 2. No caso, somente com a análise aprofundada de todo o conjunto probatório a ser produzido durante a instrução criminal será possível identificar, categoricamente, a intenção do militar ao efetuar o disparo de arma de fogo no carro da vítima. Havendo fundada dúvida quanto ao elemento subjetivo, o feito deve tramitar na Justiça Comum, por força do princípio in dubio pro societate. Precedentes. 3. Conflito negativo de competência conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara de Caldas/MG (suscitado)” (CC 129.497/MG, Rel. Ministro ERICSON MARANHO – DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP, 3.ª SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe de 16/10/2014)

4.      Nada obsta, por óbvio, que durante a instrução criminal, sob o crivo do contraditório, outras provas possam modificar o quadro que até o momento se anteviu.

 

Solução: designa-se outro promotor de justiça para oferecer a peça inaugural, bem como para prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

 

 

 

Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração da conduta de (...) o qual, de posse de arma de fogo, apontou-a contra a cabeça de (...)e, quando estava prestes a disparar, foi deslocado por (...) e, por conta disso, o projétil não atingiu a vítima pretendida, mas (...), o qual sofreu ferimentos na perna.

O autor, em seguida, foi desarmado pela testemunha e, com a chegada da Polícia, preso em flagrante.

Concluídas as providências de polícia judiciária, o Douto Promotor de Justiça do Júri requisitou diligências complementares (fls. 44) e, ao final, entendeu ausente animus necandi, motivo por que postulou o envio do caso ao juízo singular (fls. 109/111).

Os autos foram encaminhados ao Juizado Especial Criminal, tendo o respectivo Membro do Parquet asseverado que a infração remanescente – disparo de arma de fogo – seria de competência do Juízo Comum, para onde requereu o necessário encaminhamento (fls. 156/157).

A Ilustre Representante Ministerial destinatária, contudo, discordou de seus antecessores, considerando que as circunstâncias do crime revelaram o animus occidendi do agressor. Sublinhou, ademais, que mesmo ausente referido elemento subjetivo, não seria possível imputar ao agente o delito especial e, por consequência, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 176/183).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento da questão para análise desta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n.º 734/93.

Encontra-se configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra com a Douta Suscitante, com a máxima vênia do Ilustre Promotor do Júri; senão, vejamos.

A controvérsia estabelecida no feito em testilha reside em identificar a presença do animus necandi.

Nota-se, do exame das manifestações ministeriais, que os Doutos Promotores do Júri e Criminal divergem a respeito da dinâmica dos fatos; em especial, do instante em que o disparo foi deflagrado.

De ver, nesse sentido, que o autor, depois de anunciar que mataria a vítima, a dominou e encostou o revólver em sua cabeça.

Nesse momento, as testemunhas tentaram demovê-lo deste propósito e, a despeito disso, ele insistiu em seu desiderato.

Segundo o Ilustre Suscitado, o disparo que atingiu terceiro, por erro na execução, foi deflagrado após (...)tentar desarmá-lo, ou seja, no momento em que estava sendo empurrado e se atracavam.

Para a Douta Suscitante, contudo,(...)somente interferiu quando notou que o indiciado começou a puxar o gatilho (estando a arma encostada na cabeça da vítima visada) e, em face de sua intervenção, o disparo atingiu e feriu (...).

Há, em verdade, declarações em ambos os sentidos, mas a fala de ADALBERON, justamente aquele cuja intervenção foi decisiva, confirma a dinâmica exposta pela Promotora Criminal:

 

“...porém ele começou a puxar o gatilho da arma, momento em que o depoente o empurrou e entrou em luta corporal com (...), momento em que a arma disparou...” (fls. 09).

 

Estando o increpado com a arma encostada na região encefálica da vítima e tendo iniciado o movimento tendente ao disparo, fica evidenciado que pretendia matá-la, como momentos antes chegou a verbalizar.

Acrescente-se que na existência de dúvidas nesta fase da persecução penal acerca do elemento subjetivo, estas devem ser dirimidas em favor da sociedade, na esteira do entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

                               

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. JUSTIÇA MILITAR E JUSTIÇA COMUM. FUNDADA DÚVIDA QUANTO AO ELEMENTO SUBJETIVO DO HOMICÍDIO DOLOSO. DISPARO DE ARMA DE FOGO NA DIREÇÃO DO VEÍCULO DA VÍTIMA. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO SOCIETATE”. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL.

- Os crimes dolosos contra a vida cometidos por militar contra civil, mesmo que no desempenho de suas atividades, serão da competência da Justiça comum (Tribunal do Júri), nos termos do art. 9.º, parágrafo único, do Código Penal Militar.

- No caso, somente com a análise aprofundada de todo o conjunto probatório a ser produzido durante a instrução criminal será possível identificar, categoricamente, a intenção do militar ao efetuar o disparo de arma de fogo no carro da vítima. Havendo fundada dúvida quanto ao elemento subjetivo, o feito deve tramitar na Justiça Comum, por força do princípio in dubio pro societate.

Precedentes.

Conflito negativo de competência conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara de Caldas/MG (suscitado)”.

(CC 129.497/MG, Rel. Ministro ERICSON MARANHO – DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP, 3.ª SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe de 16/10/2014)

 

Nada obsta, por óbvio, que durante a instrução criminal, sob o crivo do contraditório, outras provas possam modificar o quadro que até o momento se anteviu.

Diante do exposto, conhece-se da presente remessa, determinando-se que a atribuição para oficiar nos autos e formar a opinião delitiva compete ao Douto Promotor do Júri.

Para preservação de sua independência funcional, determina-se seja outro membro ministerial designado para prosseguir neste feito, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 02 de setembro de 2015.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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