Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 1.267/12

Autos n.º 2.516/11 - MM. Juízo do Juizado Especial Criminal do Foro Regional de Santana

Suscitante: Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal do Foro Regional de Santana

Suscitada: 4.ª Promotoria de Justiça Criminal do Foro Central da Capital

Assunto: divergência quanto ao enquadramento dos fatos

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. DIVULGAÇÃO DE MATERIAL PUBLICITÁRIO COM SUPOSTA PROPAGANDA ENGANOSA. CONSTRUTORA QUE EXIBIU PROSPECTOS INDICANDO ÁREAS COMUNS MOBILIADAS, INDUZINDO OS CONSUMIDORES A ACREDITAREM QUE OS MÓVEIS INTEGRARIAM O BEM COMERCIALIZADO. CRIME CONTRA O CONSUMIDOR OU DELITO ESPECIAL PREVISTO NA LEI QUE DISPÕE SOBRE O CONDOMÍNIO EM EDIFICAÇÕES E AS INCORPORAÇÕES IMOBILIÁRIAS.

1.     A discussão trazida ao exame desta Procuradoria-Geral de Justiça se restringe à publicidade supostamente enganosa, decorrente da divulgação das áreas comuns mobiliadas, sem qualquer indicação de que os móveis e equipamentos não integravam a oferta. Isto porque, quanto às demais irregularidades, reconheceu-se acertadamente que se resumem à esfera cível.

2.     No mérito, cremos que o delito insculpido no art. 65 da Lei n. 4.591, de 1964, embora especial em relação ao art. 67 do Código de Defesa do Consumidor, não se encontra caracterizado. Dá-se a relação de especialidade, como é cediço, quando existir entre os tipos penais aparentemente incidentes uma relação de gênero e espécie. Em tais casos, será especial, e portanto prevalecerá, a norma que contiver todos os elementos de outra (a geral), além de mais alguns, de natureza subjetiva ou objetiva, considerados especializantes. “Toda a ação que realiza o tipo do delito especial realiza também necessariamente, e ao mesmo tempo, o tipo do geral, enquanto que o inverso não é verdadeiro” (Jescheck, Tratado de derecho penal, trad. Mir Puig e Muñoz Conde, Barcelona, Bosch, 1981, p. 1035, apud Cezar Roberto Bitencourt, Tratado de direito penal: parte geral, v. 1, p. 200).

3.     No caso concreto, entretanto, não se pode dizer que os responsáveis pela incorporação fizeram afirmação falsa, elementar do art. 65 da Lei especial. “Fazer afirmação” significa “asseverar” por qualquer meio, falado ou escrito. A elaboração de material publicitário sugerindo que as áreas comuns seriam entregues mobiliadas não se subsume ao ato de fazer afirmação. Tal ocorreria se, nos prospectos, existisse alguma frase no sentido retratado ou, ainda, se alguém verbalizasse essa ideia inverídica, algo que inocorreu.

4.     Reconhece-se, desta feita, que a única conduta possível, mas cuja tipificação definitiva não cabe a esta Procuradoria-Geral de Justiça analisar, consiste na infração de menor potencial ofensivo excogitada pela Douta Suscitada.

Solução: conhece-se do presente conflito, dirimindo-se-o para declarar que a atribuição recai sobre o Ilustre Suscitante. Para que não haja qualquer menoscabo à sua independência funcional, de vez que a questão interfere em sua opinio delicti, designo outro promotor de justiça para oficiar nos autos e prosseguir na causa em seus ulteriores termos.

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado a partir de representação oferecida pelo “CONDOMÍNIO EDIFÍCIO MONTE OLIMPO”, em face da pessoa jurídica denominada “CONSTRUTORA BRASILART LTDA.”, narrando, em síntese, que a segunda incorporou e construiu o edifício e, comercializando os apartamentos, atrasou a entrega da obra, causando prejuízos aos condôminos.

De outra parte, apresentou material publicitário no qual as áreas comuns foram exibidas mobiliadas e equipadas, levando os compradores a acreditar que faziam parte do contrato, o que não veio a ocorrer.

Acrescentou também que a construção foi entregue com defeitos e não se apresentou o atestado do sistema de proteção de descargas atmosféricas, entre outras irregularidades.

A Douta Promotora de Justiça Criminal da Capital inicialmente oficiante, vislumbrando o cometimento do delito previsto no art. 67 da Lei n. 8.078/90, pugnou por seu encaminhamento ao Juizado Especial Criminal (fls. 693/694).

O Ilustre Representante Ministerial que o recebeu, contudo, discordando do posicionamento de sua antecessora, entendendo ter se configurado o crime tipificado no art. 65 da Lei n. 4.591/64, suscitou conflito negativo de atribuições (fls. 700/702).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a presente remessa assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra, em nosso entender, com a Douta Suscitada.

Deve-se frisar, por primeiro, que a discussão jurídico-penal se restringe à publicidade supostamente enganosa, decorrente da divulgação das áreas comuns mobiliadas, sem qualquer indicação de que os móveis e equipamentos não integravam a oferta. Isto porque, quanto às demais irregularidades, reconheceu-se acertadamente que se resumem à esfera cível.

No mérito, cremos que o delito insculpido no art. 65 da Lei n. 4.591, de 1964, embora especial em relação ao art. 67 do Código de Defesa do Consumidor, não se encontra caracterizado.

Dá-se a relação de especialidade, como é cediço, quando existir entre os tipos penais aparentemente incidentes uma relação de gênero e espécie. Em tais casos, será especial, e portanto prevalecerá, a norma que contiver todos os elementos de outra (a geral), além de mais alguns, de natureza subjetiva ou objetiva, considerados especializantes.

 

“Toda a ação que realiza o tipo do delito especial realiza também necessariamente, e ao mesmo tempo, o tipo do geral, enquanto que o inverso não é verdadeiro” (Jescheck, Tratado de derecho penal, trad. Mir Puig e Muñoz Conde, Barcelona, Bosch, 1981, p. 1035, apud Cezar Roberto Bitencourt, Tratado de direito penal: parte geral, v. 1, p. 200).

 

No caso concreto, entretanto, não se pode dizer que os responsáveis pela incorporação fizeram afirmação falsa, elementar do art. 65 da Lei especial.

Fazer afirmação significa asseverar por qualquer meio, falado ou escrito. A elaboração de material publicitário sugerindo que as áreas comuns seriam entregues mobiliadas não se subsume ao ato de fazer afirmação. Tal ocorreria se, nos prospectos, existisse alguma frase no sentido retratado ou, ainda, se alguém verbalizasse essa ideia inverídica, algo que inocorreu.

Reconhece-se, desta feita, que a única conduta possível, mas cuja tipificação definitiva não cabe a esta Procuradoria-Geral de Justiça analisar, consiste na infração de menor potencial ofensivo excogitada a fls. 693/694.

Diante do exposto, conhece-se do presente conflito, dirimindo-se-o para declarar que a atribuição recai sobre o Douto Suscitante.

Para que não haja qualquer menoscabo à sua independência funcional, de vez que a questão interfere em sua opinio delicti, designo outro promotor de justiça para oficiar nos autos e prosseguir na causa em seus ulteriores termos.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Publique-se a ementa. Cumpra-se.

 

São Paulo, 10 de janeiro de 2012.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

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