Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 130.768/12

Autos n. 7.690/12 – MM. Juízo do Juizado Especial Criminal Central da Comarca da Capital

Suscitante: Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal da Capital

Suscitada: 5.ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital

Assunto: correto enquadramento dos fatos com reflexo na atribuição funcional

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. LESÃO CORPORAL DOLOSA LEVE (CP, ART. 129, “CAPUT”) OU CRIME DE TRÂNSITO (CTB, ART. 303, PAR. ÚN.). MOTORISTA DE VEÍCULO AUTOMOTOR QUE, CONDUZINDO-O SEM HABILITAÇÃO, EM APARENTE ESTADO DE EMBRIAGUEZ E DE MANEIRA IMPRUDENTE, AVANÇOU O SEMÁFORO NO SINAL VERMELHO E COLIDIU COM UMA MOTOCICLETA, ARREMESSANDO O PILOTO AO SOLO, CAUSANDO-LHE FERIMENTOS DE NATUREZA LEVE. CONDUTA QUE CONSTITUI, EM TESE, DELITO DE TRÂNSITO E, DADA A PRESENÇA DE CAUSA DE AUMENTO DE PENA, NÃO É DE ATRIBUIÇÃO DO PROMOTOR OFICIANTE NO ÂMBITO DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL.

 

1.        Apurou-se que o indiciado conduzia veículo automotor sem habilitação, em aparente estado de embriaguez (não confirmado senão por prova oral) e de maneira imprudente, pois cruzou o semáforo em sinal vermelho, abalroou o biciclo em que se encontrava o ofendido, provocando sua queda ao solo, produzindo-lhe lesões corporais de natureza leve.

2.        O Douto Promotor de Justiça Criminal classificou a conduta como lesão corporal dolosa leve (CP, art. 129, caput), pugnando pela remessa do caso ao Juizado Especial Criminal, imputação com a qual não aquiesceu a Ilustre Representante Ministerial Substituta, que suscitou conflito negativo de atribuição.

3.        Cuida-se, in casu, de delito de trânsito (CTB, art. 303), agravado pela falta de habilitação, nos termos do parágrafo único do dispositivo mencionado, combinado com o art. 302, parágrafo único, inc. I, da Lei n. 9.503/97.

4.        Não se ignora, por outro lado, o teor das declarações das testemunhas, unânimes em dizer que o indiciado apresentava visíveis sinais de embriaguez. Tal estado, entretanto, não foi estabelecido em prova idônea, impedindo constatar-se a elementar do tipo penal do art. 306 do CTB.

5.        Há notícia, ainda, de que o suspeito teria ameaçado investigadora de polícia por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante, o que corrobora a conclusão de que não se trata de hipótese inserida na esfera de competência do JECRIM.

Solução: conhece-se do presente conflito para dirimi-lo e declarar que a atribuição para oficiar nos autos incumbe ao Douto Suscitado, designando-se outro membro ministerial para preservar sua independência funcional.

 

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar a conduta perpetrada por (...), em virtude da qual foram produzidas lesões corporais de natureza leve em (...).

O Douto Promotor de Justiça, vislumbrando no caso apenas o cometimento do delito de lesão corporal leve (CP, art. 129, caput), de menor potencial ofensivo, requereu a remessa dos autos ao Juizado Especial Criminal (fls. 68/69).

A Ilustre Representante Ministerial que os recebeu, entretanto, suscitou conflito negativo de atribuição, com o argumento de que a pena máxima superaria o patamar de dois anos, pois o investigado encontrava-se conduzindo automóvel sem a necessária habilitação, provocando a incidência de exasperante (CTB, art. 302, parágrafo único, I), além de ter cometido o crime de ameaça, existindo, em consequência, concurso de infrações (fls. 73/75).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o envio do expediente a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

Pois bem.

 

Dos fatos

De acordo com os elementos de informação contidos no feito, (...), no dia 05 de outubro de 2011, por volta de 10 horas, dirigindo veículo automotor sem habilitação e em estado de embriaguez, veio a atravessar sinal vermelho, situado no cruzamento da Av. Brigadeiro Luís Antonio com Rua Pedroso, Bairro Bela Vista, nesta Capital, atingindo a motocicleta conduzida por (...), derrubando-o e provocando-lhe lesões corporais de natureza leve (conforme laudo encartado a fls. 64).

Deu-se, por conseguinte, sua prisão em flagrante. Quando deixava as dependências da Delegacia de Polícia, asseverou à Investigadora (...) que iria agredi-la.

Os depoimentos das testemunhas encontram-se a fls. 03 e 05/08.

Quando de seu interrogatório, o autor permaneceu em silêncio (fls. 09).

Foram juntados ao procedimento, outrossim, análise técnica levada a efeito no biciclo da vítima (fls. 58/62) e laudos de lesão corporal realizados nos sujeitos ativo e passivo (fls. 63 e 64).

 

Do enquadramento legal da conduta

Percebe-se, do exposto, que não há falar em lesão corporal dolosa leve, como excogitou o Douto Promotor Suscitado.

Houve, isto sim, a figura agravada de delito de trânsito, pois o indiciado provocou lesões culposas na vítima conduzindo veículo automotor sem habilitação (CTB, art. 303, parágrafo único, c.c. art. 302, parágrafo único, I).

Não se ignora, por outro lado, o teor das declarações das testemunhas, unânimes em dizer que o autor apresentava visíveis sinais de embriaguez. Tal estado, entretanto, não foi estabelecido por prova hábil, impedindo o reconhecimento da infração capitulada no art. 306 do CTB.

Consoante já decidiu anteriormente esta Chefia Institucional, em casos como o do presente:

 

“A doutrina, de forma unânime, e também a jurisprudência, firmaram entendimento no sentido de que as causas de aumento de pena devem ser consideradas em conjunto com a pena prevista em abstrato para se verificar a possibilidade de aplicação dos institutos da Lei n. 9.099/95. Tanto é assim que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça aprovaram súmulas vedando a suspensão condicional do processo em casos de concurso de crimes em que a pena mínima, em abstrato, exceda um ano (súmulas n. 723 do STF e 243 do STJ). O mesmo raciocínio deve ser aplicado em relação ao conceito de infração de menor potencial ofensivo.

No caso em análise, o crime de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor sofre, em tese, um aumento de 1/2 decorrente do fato de o agente ter deixado de prestar imediato socorro à vítima – art. 303, par. único, cc. art. 302, par. único, III, do CTB. Assim, o montante máximo da pena é de 03 anos de detenção, tornando inviável a afirmação de que se trata de infração de menor potencial ofensivo.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu, diversas vezes, que o delito de embriaguez ao volante, por ter pena máxima de 03 anos, não constitui infração de menor potencial ofensivo. Nesse sentido, podem ser consultados os acórdãos referentes aos processos de habeas corpus nº 85.019 e 81.510. Dessas decisões resta claro que, o fato de o art. 291, par. único, do CTB, admitir a aplicação dos institutos previstos nos arts. 74, 76 e 88 da Lei n. 9.099/95 a referido crime, não o tornou infração de competência do JECRIM, tendo havido, inclusive, declaração de nulidade pelo desrespeito a tal entendimento. Assim, o mesmo raciocínio deve incidir em relação ao crime de lesão culposa, que só será considerado de menor potencial ofensivo quando sua pena máxima em abstrato não ultrapassar o montante de 02 anos, o que não acontece no caso em análise. É de se mencionar que, em diversos casos, o tema vem sendo trazido à baila no Estado de São Paulo como consequência da recente instalação dos JECRIMs, porém, em Estados onde tais Juizados já estavam instalados há tempos, a questão já havia sido suscitada e levada aos tribunais superiores que decidiram do modo acima citado.

FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, tratando também do tema, assim se pronunciou:

E se houver uma causa de aumento ou diminuição de pena, como proceder? (...) Pode parecer que o máximo cominado seja o limite maior da pena abstratamente  previsto no dispositivo legal. Em princípio é, mas, se em face de uma circunstância agregada ao delito-base, a pena, no seu grau máximo superar um ano (dois anos após o advento da lei n. 10.259/2001), afasta-se a competência do Juizado, mesmo porque o delito já não é o mesmo. (...) Esse aumento ou diminuição obrigatório é que fornece o justo limite da pena máxima cominada, correspondente àquilo que Carrara denominava “quantidade política do delito’ (Programma del corso di diritto criminale, v. 1, §§ 128 a 172). Se a causa de especial aumento de pena possibilitar a ultrapassagem do limite quantitativo da pena (...), a hipótese não pode ser levada ao Juizado, mesmo porque outro é o delito” (Comentários À Lei dos Juizados Especiais Criminais, Ed. Saraiva, ano 2000, p. 27)” (Protocolado MP n. 95.070/06 – PGJ/SP – Conflito de Atribuições).

 

No presente feito, a causa de aumento da pena encontra-se prevista no parágrafo único, inc. I, do art. 302 do CTB, já que o suposto agente, repise-se, conduzia automóvel sem a necessária habilitação.

Não obstante, na esteira do quanto ponderado pela Ilustre Suscitante, o procedimento apura também a prática de delito conexo, praticado, em tese, contra a investigadora de polícia (...).

 

 

Conclusão

Diante do exposto, conhece-se do presente conflito para dirimi-lo e declarar que a atribuição para oficiar nos autos incumbe ao Douto Membro Ministerial oficiante no âmbito do Juízo Comum.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designa-se outro promotor de justiça para atuar no caso até sua conclusão.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 05 de setembro de 2012.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

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