Conflito Negativo de Atribuição

 

Protocolado n.º 136.893/10

Autos n.º 110/10 – MM. Juízo do Juizado Especial Criminal da Comarca de Pindamonhangaba

Autor do fato: (...)

Vítima: (...)

Suscitante: Promotor de Justiça do Juizado Especial Criminal de Pindamonhangaba

Suscitado: Promotor de Justiça Criminal de Pindamonhangaba

Assunto: subsunção do fato ao conceito de violência doméstica ou familiar contra a mulher

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CRIME DE AMEAÇA (CP, ART. 147). INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO (LEI N. 9.099/95, ART. 61). VÍTIMA DO SEXO FEMININO. INEXISTÊNCIA DE SITUAÇÃO CARACTERIZADORA DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO. INAPLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA (LEI N. 11.340/06)

1.     O objeto central da discussão reside em saber se a conduta do agente, que ameaçou de morte sua cunhada, subsume-se ao conceito de violência doméstica ou familiar contra a mulher, conforme dispõe a Lei n. 11.340/06 e, via de consequência, se a atribuição para atuar na causa deve ficar sob a responsabilidade do órgão do Parquet oficiante na esfera dos Juizados Especiais Criminais ou no âmbito da Vara Criminal Comum.

2.     Na hipótese concreta, não há qualquer dado fático que possa indicar cuidar-se de comportamento criminoso no qual houve violência de gênero. Deve-se acentuar que o Diploma acima citado enfeixa diversas normas restritivas de liberdade individual, com o válido e necessário intuito de conferir proteção eficaz à mulher, atingida em sua condição de hipossuficiência, seja física, econômica ou de qualquer natureza.

3.     Significa que a incidência das regras contidas na legislação especial não se justifica pura e simplesmente porque uma pessoa do sexo feminino figurou como vítima, mas, além disso, há que se encontrar no caso uma nota característica, traduzida na necessidade de se outorgar a especial proteção à mulher atingida no contexto doméstico ou familiar. Essa vem sendo, inclusive, a interpretação dada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça ao tema, como se pode conferir em diversos julgados (CC n. 88.027, rel. Min. OG FERNANDES, 3ª SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe de 18/12/2008; CC 96.533, rel. Min. OG FERNANDES, 3ª SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe de 05/02/2009).

Solução: dirimo o presente conflito para declarar que a atribuição de oficiar nos autos incumbe ao Promotor de Justiça em exercício no âmbito dos Juizados Especiais Criminais.

 

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar crime de ameaça cometido por (...) em face de sua cunhada, (...).

O feito foi encaminhado ao MM. Juízo da 2.ª Vara da Comarca de Pindamonhangaba, tendo o Douto Promotor de Justiça declinado de sua atribuição por entender que a hipótese retrata delito de pequeno potencial ofensivo à qual não se aplica a Lei Maria da Penha (fls. 44/45).

O Ilustre Membro do Parquet a quem a causa foi remetida, contudo, houve por bem suscitar o presente conflito negativo de atribuição, arguindo a incidência da Lei n. 11.340/06 à espécie (fls. 70/71).

Eis a síntese do necessário.

Com a devida vênia do mui diligente Suscitante, parece-nos que a situação retratada no inquérito não se subsume ao conceito de violência doméstica e familiar previsto na Lei Maria da Penha.

Isto porque não há qualquer dado fático que possa indicar cuidar-se de comportamento criminoso no qual houve violência de gênero.

Deve-se acentuar, nesta ordem de ideias, que o Diploma acima citado enfeixa diversas normas restritivas de liberdade individual, com o válido e necessário intuito de conferir proteção eficaz à mulher, atingida em sua condição de hipossuficiência, seja física, econômica ou de qualquer natureza.

Significa que a incidência das regras contidas na legislação especial não se justifica pura e simplesmente porque uma pessoa do sexo feminino figurou como vítima, mas, além disso, há que se encontrar no caso uma nota característica, traduzida na necessidade de se outorgar a especial proteção ao sujeito passivo. Essa vem sendo, inclusive, a interpretação dada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça ao tema, como se pode conferir nos seguintes julgados:

 

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E JUIZ DE DIREITO. CRIME COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER. CRIME CONTRA HONRA PRATICADO POR IRMÃ DA VÍTIMA. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 11.340/06. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL.

1. Delito contra honra, envolvendo irmãs, não configura hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06, que tem como objeto a mulher numa perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou inferioridade física e econômica.

2. Sujeito passivo da violência doméstica, objeto da referida lei, é a mulher. Sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade.

3. No caso, havendo apenas desavenças e ofensas entre irmãs, não há qualquer motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize situação de relação íntima que possa causar violência doméstica ou familiar contra a mulher. Não se aplica a Lei nº 11.340/06.

4. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Governador Valadares/MG, o suscitado”.

(CC 88.027/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe de 18/12/2008; grifo nosso)

 

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E JUIZ DE DIREITO. CRIME COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER. AGRESSÕES MÚTUAS ENTRE NAMORADOS SEM CARACTERIZAÇÃO DE SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE DA MULHER. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 11.340/06. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL.

1. Delito de lesões corporais envolvendo agressões mútuas entre namorados não configura hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06, que tem como objeto a mulher numa perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou vulnerabilidade.

2. Sujeito passivo da violência doméstica objeto da referida lei é a mulher. Sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade, além da convivência, com ou sem coabitação.

3. No caso, não fica evidenciado que as agressões sofridas tenham como motivação a opressão à mulher, que é o fundamento de aplicação da Lei Maria da Penha. Sendo o motivo que deu origem às agressões mútuas o ciúmes da namorada, não há qualquer motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06.

4. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Conselheiro Lafaiete/MG”.

(CC 96.533/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe 05/02/2009)

 

Em face do exposto, dirimo o presente conflito para declarar que a atribuição para oficiar nos autos compete ao Douto Suscitante, sendo desnecessário designar outro Representante do Parquet para atuar no feito.

Destaque-se que, como ensina PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN, em conflitos de atribuição decididos pelo Procurador-Geral de Justiça: “a exclusão de ambos (os Promotores de Justiça em litígio) só pode se dar em caráter excepcional, porque essa modalidade de controvérsia pressupõe, de ordinário, que a atuação caiba a uma das autoridades em dissídio. (...). É evidente que a livre convicção do promotor natural deve ser preservada, mas não ao custo de subtrair-lhe o caso em que lhe cabe atuar, pois o dever de agir, que porventura tenha, é irrenunciável, intransferível e insuscetível de ser eliminado por interpretação unilateral do órgão ao qual toca satisfazê-lo. (...). Somente há incompatibilidade com o desempenho funcional – e, portanto, inconveniência para a sociedade – se o pronunciamento anterior, na sua essência, traduz uma promoção de arquivamento ou envolve uma antecipada afirmação de que a demanda é inviável” (REGIME JURÍDICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO PENAL. São Paulo: Editora Verbatim, 2009. pág. 155; parêntese nosso).

Cumpra-se. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 28 de outubro de 2010.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador Geral de Justiça

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