Protocolado n.º 139.681/08 – Conflito Negativo de Atribuição

Inquérito Policial n.º 267/08 – MM. Juízo da 1.ª Vara Judicial da Comarca de Santa Isabel

Suscitante: Promotoria de Justiça de Santa Isabel

Suscitada: 6.ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital

 

EMENTA: CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES. RECEPTAÇÃO (CP, ART. 180, “CAPUT) OU ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR (CP, ART. 311). LOCAL DA AQUISIÇÃO OU DA CONDUÇÃO DO VEÍCULO. AUSÊNCIA DE PROVAS DA ADULTERAÇÃO OU DA AQUISIÇÃO. PREVALÊNCIA DO LOCAL DA CONDUÇÃO.

1. No presente caso não foi possível determinar quem efetuou os atos materiais de adulteração de sinal identificador de veículo automotor, de modo que tal delito não se pode imputar ao agente. Cuida-se, portanto, de crime de receptação dolosa simples.

2. O crime em tese praticado (CP, art. 180, caput) é de conteúdo variado, porquanto o tipo penal descreve as seguintes ações típicas: “adquirir, receber, ocultar, conduzir ou transportar”. No caso, o agente foi surpreendido conduzindo o veículo automotor furtado na Capital e, ao ser ouvido, alegou que o adquirira na Comarca de Santa Isabel. Não há prova segura a respeito do local da aquisição, pois tal se consubstancia apenas nas declarações do agente. Existe, de outro lado, prova segura de que o investigado conduzia o veículo pelas ruas da Capital, tanto que neste local é que se deu a apreensão do automóvel. Este, portanto, o locus commissi delicti.

3. De ver que o crime de receptação, na modalidade praticada, é crime permanente, de modo que a competência deve ser firmada pela prevenção (CPP, art. 71) – mais um motivo para se entender que o feito deve tramitar pela Capital.

Solução: conflito dirimido para declarar que a atribuição compete ao i. Suscitado.

 

 

                                      Cuida-se de conflito negativo de atribuição entre Promotores de Justiça, que divergem acerca do foro competente para apuração do crime de receptação (CP, art. 180, caput).

 

                                      No presente caso, a i. Promotora de Justiça da Capital requereu a remessa dos autos à Comarca de Santa Isabel, por entender ser este o locus commissi delicti (fls. 93).

 

                                      A d. Promotora de Justiça de Santa Isabel, de sua parte, discordando da remessa, suscitou o presente conflito de atribuição (fls. 97/99).

 

                                      É o relatório.

 

Dos fatos

 

                                      O inquérito policial foi instaurado em face da apreensão de um veículo automotor, marca “Volkswagen”, modelo “Kombi”, ano 1976, de placas (aparentes) BWH-6724 e chassi (aparente) BH447970.

 

                                      No dia dos fatos, o automóvel era conduzido por (...) pelas ruas da Capital. O bem foi apreendido e, posteriormente, constatou-se sinais de adulteração no chassi. Submetido a exame pericial, confirmou-se a origem ilícita do bem (cf. laudos de fls. 32/34 e 70/72).

 

                                      (...) reconheceu o automóvel como seu (fls. 15), apresentando boletim de ocorrência correspondente ao furto de sua “Kombi”, em data anterior à apreensão (fls. 23).

 

 

Do enquadramento típico

 

                                      Da análise dos elementos de informação coligidos no inquérito policial pode-se cogitar, em tese, de dois delitos: a adulteração de sinal identificador de veículo automotor (CP, art. 311) e de receptação dolosa simples (CP, art. 180, caput).

 

                                      O primeiro deles deve ser, desde logo, excluído, diante da absoluta ausência de indícios de autoria no sentido de quem fora o responsável pela adulteração.

 

                                      O fato a ser imputado, portanto, é aquele descrito no rol dos crimes patrimoniais.

 

 

Do foro competente

 

                                      O delito de receptação constitui crime de conteúdo variado, já que o dispositivo legal contém diversos verbos nucleares, a saber, “adquirir”, “receber”, “ocultar”, “conduzir” ou “transportar”.

 

                                      O fato consuma-se com a aquisição do bem (que o agente alegou ter ocorrido em Santa Isabel), tendo sua fase consumativa prolongada quando da condução do veículo (pelas ruas da Capital).

 

                                      É preciso frisar que o ato ocorrido em Santa Isabel não restou devidamente comprovado (baseia-se tão somente nas palavras do suspeito), diferentemente daquele praticado na Capital (local da apreensão da “Kombi” pela Polícia Militar).

 

                                      Ademais, se está diante de um crime permanente. A consumação prolongou-se no tempo e no espaço, sendo de se aplicar o disposto no art. 71 do CPP, de modo que a competência há de ser firmada pela prevenção. Tendo o fato sido levado a conhecimento da autoridade judiciária da Capital, não resta dúvida ser este o foro competente para apuração do caso.

 

                                      Em casos semelhantes, assim têm decidido nossos tribunais; confira-se:         

 

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL. RECEPTAÇÃO, NA MODALIDADE CONDUZIR OU TRANSPORTAR (CAMINHÃO), E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. CRIMES PERMANENTES COMETIDOS EM MAIS DE UM ESTADO DA FEDERAÇÃO. FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA PELA PREVENÇÃO. ART. 78, II, C, C/C 83 DO CPP. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO.

1.   Na hipótese, o crime de receptação, praticado na modalidade de conduzir ou transportar o bem subtraído do seu proprietário, no caso, um caminhão, adquirindo assim a qualidade de permanente, e o de quadrilha (que já detém essa característica) ocorreram em mais de um Estado da Federação. Nesses casos, havendo Magistrados de igual jurisdição e não sendo possível escolher pela gravidade do crime ou pelo número de infrações, a competência deve ser fixada pela prevenção. Precedentes do STJ.

2.   Conhece-se do conflito, para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara Criminal de Inquéritos Policiais de Belo Horizonte/MG, o suscitado”.

(STJ, CC 88617, rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJU de 10.03.2008, p. 1).

 

 CONFLITO NEGATIVO - Formação de quadrilha: roubos e recepção de carga - Crimes ocorridos em diversas Comarcas - Interceptação telefônica que culminou na identificação e prisão de alguns dos acusados – Ordem emanada pelo Juízo de São Pedro - Prisão ocorrida em Piracicaba - Crime permanente - Hipótese em que deve ser reconhecia a prevenção do Juízo que primeiro atuou no processo - Aplicação dos artigos 71 e 83 do Código de Processo Penal - Conflito procedente - Competência do Juízo suscitante.

(TJSP, Câmara Especial, CONFLITO DE JURISDIÇÃO n. 151.925-0/9-00, da Comarca de SÃO PEDRO, rel. Des.Maria Olivia Alves, j. em 29/10/2007).

 

 

Conclusão

 

                                      Em face disso, o foro competente para o exame da causa é a Comarca da Capital, incumbindo ao representante do Ministério Público ali oficiante atuar no caso.

 

                                      Diante do exposto, dirimo o presente conflito declarando competir a atribuição à i. Suscitada. Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designo outro promotor de justiça para oficiar nos autos. Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 17 de novembro de 2008.

 

FERNANDO GRELLA VIEIRA

Procurador-Geral de Justiça