Conflito negativo de atribuição

Protocolado n. 142.285/12

Autos n. 578/12 – MM. Juízo da 2.ª Vara Criminal da Comarca de Ourinhos

Suscitante: 2.º Promotor de Justiça de Ourinhos

Suscitado: 4.º Promotor de Justiça de Ourinhos

Assunto: divergência acerca do enquadramento legal da conduta com reflexo na atribuição funcional

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. DIVERGÊNCIA ACERCA DO ELEMENTO SUBJETIVO DO INJUSTO. HOMICÍDIO DOLOSO (CP, ART. 121) OU LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE (CP, ART. 129, §3.º). SUJEITO QUE DESFERE VÁRIOS GOLPES NO OFENDIDO E, VENDO SUBJUGADO, PROSSEGUE DESFECHANDO OUTROS. ÓBITO DECORRENTE DE HEMATOMA SUBDURAL E EDEMA CEREBRAL. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DO DOLO EVENTUAL. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. ATRIBUIÇÃO DA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DO TRIBUNAL DO JÚRI.

 

1.      A prova colhida demonstrou que o investigado desferiu inúmeros golpes violentos com instrumento contundente no ofendido, vindo este a falecer por hematoma subdural e edema cerebral.

2.      Além disso, colheu-se depoimento testemunhal no qual se registrou ter o agente verbalizado seu propósito de suprimir a vida do sujeito passivo.

3.      Sua ação, nesse contexto, revela, quando menos, ter agido com dolo eventual com relação à provocação do óbito do falecido. Tal figura se dá quando: “o sujeito assume o risco de produzir o resultado, isto é, admite e aceita o risco de produzi-lo. Ele não quer o resultado, pois se assim fosse haveria dolo direto. Ele antevê o resultado e age. A vontade não se dirige ao resultado (o agente não quer o evento), mas sim à conduta, prevendo que esta pode produzir aquele. Percebe que é possível causar o resultado e, não obstante, realiza o comportamento. Entre desistir da conduta e causar o resultado, prefere que este se produza” (DAMÁSIO DE JESUS, Direito Penal, Vol. 1, São Paulo, Saraiva, 2008, p. 288).

4.      No que alude à relação de causalidade entre a ação e o resultado, parece inexistir dúvida, posto que foram os golpes desfechados que desencadearam o óbito (cf. laudo de exame necroscópico). De mais a ver, tendo o legislador adotado a teoria da equivalência dos antecedentes ou da conditio sine qua non (art. 13, caput, do CP), resta evidente que, não houvesse o agente desferido as agressões na região vital atingida (cabeça), a morte não teria se produzido (juízo de eliminação hipotética). Sua atitude, ademais, produziu um risco juridicamente proibido e relevante, que contribuiu decisivamente para que o perigo se convertesse no resultado.

5.      Nada impede, por óbvio, que durante a instrução do processo afigure-se outra realidade fático-probatória, ensejando a aplicação do 419 do CPP.

Solução: conflito dirimido para declarar a atribuição do Douto Suscitado, designando-se outro promotor de justiça para preservação da independência funcional.

 

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar as circunstâncias que envolveram a morte de (...).

Concluídas as providências de polícia judiciária, o Douto Promotor de Justiça Criminal, vislumbrando a prática do delito de homicídio doloso, requereu o encaminhamento do procedimento ao Membro do Parquet atuante na esfera do Tribunal do Júri da Comarca (fls. 50).

O Ilustre Representante Ministerial que o recebeu, discordando do posicionamento de seu antecessor, entendendo configurado o crime de lesão corporal seguida de morte (CP, art. 129, §3.º), postulou pelo reenvio do expediente (fls. 52), sendo, então, suscitado conflito negativo de atribuição (fls. 55/57).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a presente remessa assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

Pois bem.

Cremos que a razão está com o Douto Suscitante, fazendo-se vênia do entendimento exarado pelo Nobre Suscitado.

A controvérsia que subjaz do feito consiste em definir o elemento subjetivo do injusto no que toca ao delito cometido contra (...); vale dizer, trata-se de determinar se (...) (alcunhado de “GORDO”) atuou com animus occidendi ou com animus laedendi.

O confronto crítico dos elementos de informação revela, em nosso sentir, que a primeira hipótese apresenta-se a mais consentânea com os elementos inquisitoriais.

Isto porque a prova colhida demonstrou que o suspeito desferiu inúmeros golpes violentos no ofendido, vindo este a falecer por hematoma subdural e edema cerebral, produzidos por agente contundente (exame necroscópico de fls. 25).

Muito embora tenha o suspeito aduzido que “nunca na vida tinha a intenção de matar a vítima” (fls. 30/31), (...), em suas declarações, asseverou:

 

“...presenciou (...) sendo agredido fisicamente por “Gordo”, ele batia com a mão, e o Véio virava piroleta no chão, ele chorava e vertia sangue, ele batia sem dó (sic)”.

 

 Tal testemunha conseguiu levantar o sujeito passivo e tirá-lo do local, mas ele retornou e:

 

“tendo presenciado “Gordo” também voltar e desta vez desferiu outro tapa em (...), o qual novamente caiu ... que “Gordo” disse “ele é sem vergonha, ele gosta de apanhar”, tendo pego um cordão e o amarrado em volta do pescoço de (...), “Gordo” disse ainda “eu vou matar esse veio, ele não passa dessa semana, nem que eu vá preso de novo (sic)”...” (fls. 13/14).

 

Sua ação, nesse contexto, revela, quando menos, que assumiu o risco de provocar a morte do falecido, atuando com dolo eventual. Tal figura se dá quando:

 

“o sujeito assume o risco de produzir o resultado, isto é, admite e aceita o risco de produzi-lo. Ele não quer o resultado, pois se assim fosse haveria dolo direto. Ele antevê o resultado e age. A vontade não se dirige ao resultado (o agente não quer o evento), mas sim à conduta, prevendo que esta pode produzir aquele. Percebe que é possível causar o resultado e, não obstante, realiza o comportamento. Entre desistir da conduta e causar o resultado, prefere que este se produza” (DAMÁSIO DE JESUS, Direito Penal. Vol. 1. São Paulo, Saraiva, 2008, p. 288).

 

Os elementos carreados aos autos, consoante já se expôs, com a devida vênia do Ilustre Promotor de Justiça do Júri, permitem concluir pela existência de crime doloso contra a vida.

No que alude à relação de causalidade entre a ação e o resultado parece inexistir dúvida, posto que foram os golpes desfechados que desencadearam o óbito (cf. laudo de exame necroscópico de fls. 25).

De mais a ver, tendo o legislador adotado a teoria da equivalência dos antecedentes ou da conditio sine qua non (art. 13, caput, do CP), resta evidente que, não houvesse o agente desferido os golpes na região vital atingida (cabeça), a morte não teria se produzido (juízo de eliminação hipotética). Sua atitude, ademais, produziu um risco juridicamente proibido e relevante, que contribuiu decisivamente para que o perigo se convertesse no resultado.

Nada impede, por óbvio, que durante a instrução do processo afigure-se outra realidade fático-probatória, ensejando a aplicação do art. 419 do CPP.

Diante do exposto, conhece-se deste incidente e o dirime-se, declarando competir ao Ilustre Suscitado a atribuição para atuar no procedimento. Para preservação de sua independência funcional, determino seja outro membro ministerial designado para prosseguir neste feito, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria designando o substituto automático. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 02 de outubro de 2012.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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