Conflito Negativo de Atribuição
Protocolado n.º 142.300/12
Autos n.º 567/12 - MM. Juízo da Vara do Juizado
Especial Criminal da Comarca de Ribeirão Preto
Suscitante: 21.º
Promotor de Justiça de Ribeirão Preto
Suscitada: 4.º
Promotor de Justiça de Ribeirão Preto
Assunto: subsunção
dos fatos ao conceito de violência doméstica ou familiar contra a mulher (Lei
n. 11.340/06)
EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CARACTERIZAÇÃO. DENÚNCIA NÃO OFERTADA. DIVERGÊNCIA RELACIONADA À DEFINIÇÃO DA OPINIO DELICTI E DA AUTORIDADE A QUEM INCUMBE FAZÊ-LO. CRIME DE AMEAÇA (CP, ART. 147). CONTROVÉRSIA A RESPEITO DA SUBSUNÇÃO DO ATO À LEI MARIA DA PENHA (LEI N. 11.340/06). UNIÃO ESTÁVEL ENTRE PESSOAS DO SEXO FEMININO (RELAÇÃO HOMOAFETIVA). ATO MOTIVADO PELA IRRESIGNAÇÃO COM O TÉRMINO DO RELACIONAMENTO. HIPÓTESE QUE SE ENQUADRA NA MENCIONADA LEI ESPECIAL. ATRIBUIÇÃO AFETA AO DOUTO SUSCITADO.
1. Cuida-se da apuração da prática de delito contra a pessoa por parte da investigada, o qual teve como opróbrio motivador a irresignação com o término do relacionamento amoroso que manteve com a ofendida por um ano.
2. Ressalte-se que a definição de violência doméstica, no que diz respeito à incidência da citada Lei, consta de seu art. 5.º: “Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Os incisos do dispositivo deixam claro que o fato pode se dar no âmbito da “unidade doméstica” (inc. I), no bojo “da família” (inc. II) ou em “qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação” (inc. III).
3. As características do comportamento da autora do fato, consoante narradas pela vítima e confirmadas pelo laudo de degravação das mensagens de texto remetidas, sugerem a presença do inciso III do art. 5.º da Lei n. 11.340/06. Note-se que ficou incontroversa a relação afetiva da indiciada com a ofendida, eis que conviveram por um ano.
4. Ressalte-se
que, para efeito de aplicação do aludido Diploma Legal, pouco importa se a
relação é de natureza heterossexual ou homossexual. Segundo o Egrégio Superior
Tribunal de Justiça: “Para a aplicação da Lei Maria da Penha, é necessária a
demonstração da motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que
caracterize situação de relação íntima. (...) devendo-se demonstrar a adequação
com a finalidade da norma, de proteção de mulheres na especial condição de
vítimas de violência e opressão, no âmbito de suas relações domésticas, íntimas
ou do núcleo familiar, decorrente de sua situação vulnerável.” (HC 176.196/RS,
Rel. Ministro GILSON DIPP, 5.ª TURMA, julgado em
Solução: conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição para oficiar neste procedimento incumbe ao Douto Suscitado.
O presente inquérito policial foi instaurado para apurar
supostos crimes de ameaça (art. 147 do CP) e injúria (art. 140 do CP) cometidos,
em tese, por (...) em face de (...).
Encerradas as providências de polícia judiciária, o
Ilustre Promotor de Justiça requereu o encaminhamento da causa ao Juizado
Especial Criminal, considerando inaplicável à espécie a Lei Maria da Penha (fls.
77).
O Douto Representante Ministerial que a recebeu, de sua parte, discordou do envio e suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 81/83).
Eis a síntese do necessário.
Há de se sublinhar, preliminarmente, que a presente remessa assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.
Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.
Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).
Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.
Pois bem.
Trata-se o feito, conforme se verifica pela prova amealhada, de condutas delitivas praticadas pela autora contra sua ex-companheira, com quem conviveu em união estável por aproximadamente um ano.
O opróbrio motivador dos atos criminosos residiu no inconformismo da investigada com o fim do relacionamento (fls. 08, 09 e mensagens de texto enviadas pelo celular transcritas a fls. 54/58).
A questão fulcral consiste em saber se a Lei Maria da Penha é aplicável ao caso sub examen.
A definição de violência doméstica no que diz respeito à incidência da citada Lei consta de seu art. 5.º:
“Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.
Os incisos do dispositivo deixam claro que o fato pode se dar no âmbito da “unidade doméstica” (inc. I), no bojo “da família” (inc. II) ou em “qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação” (inc. III).
As características do comportamento, consoante narradas pela vítima e confirmadas pelo laudo de degravação das mensagens de texto remetidas, sugerem a presença do inciso III do art. 5.º da Lei n. 11.340/06.
Note-se que ficou incontroversa a relação afetiva da indiciada com a ofendida, eis que conviveram por um ano.
A questão se subsume, portanto, à Lei Maria da Penha.
O Superior Tribunal de Justiça, em casos semelhantes, já decidiu que:
“CONFLITO NEGATIVO
DE COMPETÊNCIA. LEI MARIA DA PENHA. EX-NAMORADOS. VIOLÊNCIA COMETIDA
1. Configura
violência contra a mulher, ensejando a aplicação da Lei nº 11.340/2006, a
agressão cometida por ex-namorado que não se conformou com o fim de relação de
namoro, restando demonstrado nos autos o nexo causal entre a conduta agressiva
do agente e a relação de intimidade que existia com a vítima.
(...)”.
(CC n.
103.813/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
Ressalte-se que, para efeito de aplicação do aludido Diploma Legal, pouco importa se a relação é de natureza heterossexual ou homossexual. Segundo o Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
“Para a aplicação da Lei Maria da Penha, é necessária a demonstração da motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize situação de relação íntima. (...) devendo-se demonstrar a adequação com a finalidade da norma, de proteção de mulheres na especial condição de vítimas de violência e opressão, no âmbito de suas relações domésticas, íntimas ou do núcleo familiar, decorrente de sua situação vulnerável.”
(HC 176.196/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, 5.ª TURMA, julgado em
Diante disso, dirime-se este incidente, declarando-se
que a atribuição para oficiar nos autos incumbe ao Douto Suscitado.
Para que não haja menoscabo à sua independência
funcional, designa-se outro promotor de justiça para atuar no procedimento,
facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302
(PGJ/CSMP/CGMP), de
Expeça-se portaria designando o substituto
automático.
Publique-se a ementa.
São
Paulo,
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
/aeal