Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 142.370/15

Autos n.º 0013311-88.2012.8.26.0050 – MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Mairiporã

Suscitante: 1.º Promotor de Justiça de Mairiporã

Suscitada: 5.ª Promotoria de Justiça Criminal do Foro Central da Capital

Assunto: foro competente para apuração de delito de duplicata simulada

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. DUPLICATA SIMULADA (CP, ART. 172). CRIME FORMAL. DELITO QUE SE CONSUMA COM A EMISSÃO DO TÍTULO, ENTENDIDA COMO O LOCAL EM QUE A CÁRTULA É POSTA EM CIRCULAÇÃO (SENTIDO NORMATIVO DA CONDUTA NUCLEAR). O FORO COMPETENTE, PORTANTO, É O LOCAL EM QUE O DOCUMENTO FOI APRESENTADO A DESCONTO BANCÁRIO, OU SEJA, AQUELE EM QUE ATUA A DOUTA SUSCITADA.

1.      O crime de duplicata simulada dá-se quando o agente “emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado”.

2.      O conceito de emissão não deve ser interpretado de maneira puramente objetiva, como se fora sinônimo de elaborar um documento, em papel, e entregá-lo a outrem. O sentido da conduta é normativo e compreende o ato de por em circulação, materializado nos autos por meio da apresentação do documento para desconto na instituição financeira.

3.      A summatum opus, portanto, deu-se no território correspondente à Comarca em que oficia a competente Suscitada, sendo este o locus commissi delicti, nos termos do art. 70 do CPP. Nesse sentido, inclusive, a orientação sufragada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ, RHC n. 16.053, rel. Ministro PAULO MEDINA, DJU de 12/09/2005, p. 368).

Solução: conhece-se do presente conflito para dirimi-lo e declarar que a atribuição para oficiar nos autos incumbe à Douta Suscitada.

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado visando à apuração da conduta de (...), representante legal da pessoa jurídica denominada (...), (...), (...).”, pois, em tese, teria emitido duas duplicatas em face da (...) sem o devido lastro em operações de prestação de serviços.

O boleto bancário referente à duplicata de maior valor foi repassada à (...), que, em razão do inadimplemento, o levou a protesto.

Concluídas as providências de polícia judiciária, a Ilustre Representante Ministerial inicialmente oficiante pugnou pelo envio do procedimento à Comarca de Mairiporã, onde teria sido realizado o serviço de terraplanagem supostamente contratado pela vítima (fl. 170, verso).

O Douto Membro do Parquet que o recebeu, por sua vez, considerando que o crime de duplicata simulada é formal e unissubsistente e que os títulos de crédito foram colocados em circulação na Comarca da Capital, realizando integralmente o ilícito, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 177/181).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a vinda da questão a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n.º 734/93.

Encontra-se configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

Pois bem.

A questão fundamental a ser analisada consiste em definir qual o momento consumativo da infração penal descrita no art. 172 do CP.

Há, como se sabe, divergência a respeito do assunto. A orientação majoritária, no entanto, caminha no sentido de que a efetiva emissão da cártula não se dá com o mero preenchimento, mas no instante em que esta é posta em circulação.

         Confira-se, nesse linha, precedente do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

“PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DUPLICATA SIMULADA. ART. 172 DO CÓDIGO PENAL. CRIME FORMAL E UNISSUBSISTENTE. COMPETÊNCIA QUE SE DEFINE PELO LOCUS DELICTI. COMPETENTE A COMARCA ONDE OS DOCUMENTOS FORAM POSTOS INICIALMENTE EM CIRCULAÇÃO, INDEPENDENTE DO LOCAL DE OCORRÊNCIA DO PREJUÍZO. RECURSO PROVIDO.

O habeas corpus é ação constitucional adequada à obstar coação ilegal quando quem a ordenar não tiver competência para fazê-lo (art. 648, inciso III, do CPP).

A consumação do delito previsto no art. 172 do CP, crime formal e unissubsistente, dá-se com a simples e efetiva colocação da duplicata em circulação, independentemente do prejuízo.

Demonstrado que a emissão dos títulos de crédito foi efetuada na cidade Franca/SP, consoante documentos acostados aos autos, a competência para o processamento e julgamento do feito é do Juízo Comum Estadual daquela Comarca, lugar em que ocorrida a infração”.

(STJ, RHC n. 16.053, rel. Ministro PAULO MEDINA, DJU de 12/09/2005, p. 368; grifo nosso).

 

No caso em tela, os documentos foram colocados em circulação na Comarca da Capital, onde, inclusive, estão sediadas a sacadora “LOCWAY” (fls. 06/08), a sacada (...) (fls. 123/134), a instituição financeira recebedora (fls. 21/22) e a empresa de assessoria de cobrança (...) (fls. 114/117). Esta recebeu da credora o boleto bancário de R$ 72.750,00 (setenta e dois mil, setecentos e cinquenta reais) referente ao (suposto) serviço de terraplanagem realizado na cidade de Terra Preta (SP), conforme nota fiscal de fls. 97; e, após a negativa do sujeito passivo em quitá-lo, decidiu levá-lo a registro no “SCPC” (fl. 27).

O locus commissi delicti, destarte, nos termos do art. 70 do CPP, é o foro perante o qual atua a Douta Suscitada, vale dizer, a competente Promotora de Justiça Criminal da Capital.

Diante do exposto, conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, declarando incumbir a ela a atribuição para atuar no feito.

Afigura-se desnecessário designar outro membro para oficiar nos autos, tendo em vista que a presente solução não infirma eventual entendimento acerca da natureza do crime, tão somente se referindo ao local de sua consumação. Cumpre frisar que, em conflitos de atribuição decididos pelo Procurador-Geral de Justiça:

 

“a exclusão de ambos (os Promotores de Justiça em litígio) só pode se dar em caráter excepcional, porque essa modalidade de controvérsia pressupõe, de ordinário, que a atuação caiba a uma das autoridades em dissídio. (...). É evidente que a livre convicção do promotor natural deve ser preservada, mas não ao custo de subtrair-lhe o caso em que lhe cabe atuar, pois o dever de agir, que porventura tenha, é irrenunciável, intransferível e insuscetível de ser eliminado por interpretação unilateral do órgão ao qual toca satisfazê-lo. (...). Somente há incompatibilidade com o desempenho funcional – e, portanto, inconveniência para a sociedade – se o pronunciamento anterior, na sua essência, traduz uma promoção de arquivamento ou envolve uma antecipada afirmação de que a demanda é inviável” (Pedro Henrique Demercian, Regime Jurídico do Ministério Público no Processo Penal, São Paulo, Editora Verbatim, 2009, pág. 155; parêntese nosso).

 

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 14 de outubro de 2015.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                     

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