Conflito Negativo de Atribuição
Protocolado n.º
145.042/09
Inquérito
Policial n.º 2.221/09 – MM. Juízo da 3.ª Vara Criminal da Comarca de Guarulhos
Suscitante:
Promotoria de Justiça Criminal de Guarulhos
Suscitada:
Promotoria de Justiça Criminal da Capital
Assunto: foro competente para apuração de crime
de receptação (CP, art. 180)
EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE
ATRIBUIÇÃO. CRIME DE RECEPTAÇÃO (CP, ART. 180, CAPUT). DIVERGÊNCIA ENTRE PROMOTORES DE JUSTIÇA ACERCA DA
COMPETÊNCIA RATIONE LOCI. AGENTE QUE
ADQUIRIU O VEÍCULO NUM TERRITÓRIO E O CONDUZIU A OUTRO, ONDE FOI APREENDIDO.
MODALIDADE DE CRIME PERMANENTE, CUJA CONSUMAÇÃO ATINGIU MAIS DE UM FORO. CPP,
ART. 71. CRITÉRIO DA PREVENÇÃO. ATRIBUIÇÃO MINISTERIAL VINCULADA AO LOCAL
1. Na hipótese vertente, o indiciado foi surpreendido por policiais militares ao volante de automóvel produto de furto. Ao ser ouvido, admitiu que adquirira o bem em Guarulhos.
2. O crime de receptação em tese praticado consumou-se na Comarca acima citada, persistindo sua fase consumativa durante todo o período em que o agente o conduziu e o ocultou. Significa dizer que se trata de delito permanente, motivo por que tem aplicação à espécie o disposto no art. 71 do CPP: “Tratando-se de infração continuada ou permanente, praticada em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção”. Precedentes jurisprudenciais.
3. O juízo prevento é aquele que se antecipou aos demais na prática de algum ato ou medida relativa ao processo, ou seja, a Vara Criminal da Capital.
Solução: conflito dirimido para declarar que a atribuição de oficiar nos autos incumbe ao Ilustre Suscitado.
Cuida-se o presente feito de conflito negativo de atribuição entre os Promotores de Justiça em exercício em Guarulhos e na Capital, que divergem acerca do foro competente para apuração de crime patrimonial.
É o relatório.
O inquérito policial foi instaurado para apurar a prática, em tese, do delito de receptação (CP, art. 180, caput), que teria sido perpetrado por (...).
Conforme consta dos autos, no dia
O agente afirmou ter adquirido o bem no centro de Guarulhos.
Pois bem. Os elementos de prova acima sintetizados indicam a ocorrência, pelo menos, do crime de receptação dolosa simples, cuja consumação perpassou os territórios da Guarulhos (lugar da aquisição da res) e da Capital (local da condução do objeto).
De aplicar-se à espécie, portanto, o disposto no art. 71 do CPP, vez que se trata de crime permanente.
De acordo com o dispositivo legal indicado, em matéria de delitos permanentes, cuja consumação atingiu mais de um foro, firma-se a competência territorial pela prevenção.
In casu, o juízo prevento, nos termos do art. 83 do CPP, é, sem dúvida, aquele em que atua o Douto Suscitado, ou seja, São Paulo. Nesse sentido:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL E
PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL. RECEPTAÇÃO,
NA MODALIDADE CONDUZIR OU TRANSPORTAR (CAMINHÃO), E FORMAÇÃO DE QUADRILHA.
CRIMES PERMANENTES COMETIDOS
1. Na hipótese, o crime de receptação, praticado na modalidade de conduzir ou transportar o bem subtraído do seu proprietário, no caso, um caminhão, adquirindo assim a qualidade de permanente, e o de quadrilha (que já detém essa característica) ocorreram em mais de um Estado da Federação. Nesses casos, havendo Magistrados de igual jurisdição e não sendo possível escolher pela gravidade do crime ou pelo número de infrações, a competência deve ser fixada pela prevenção. Precedentes do STJ.
2. Conhece-se do conflito, para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara Criminal de Inquéritos Policiais de Belo Horizonte/MG, o suscitado”.
(STJ, CC 88617, rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJU de
De ver, ainda, o seguinte julgado, sufragando a
mesma tese:
“CONFLITO
NEGATIVO - Formação de quadrilha: roubos e recepção de carga - Crimes ocorridos
(TJSP, Câmara Especial, CONFLITO DE
JURISDIÇÃO n. 151.925-0/9-00, da Comarca de SÃO PEDRO, rel. Des. Maria Olivia
Alves, j. em
Diante do exposto, dirimo o presente conflito para declarar que a atribuição de oficiar nos autos incumbe ao Ilustre Promotor de Justiça Criminal da Capital.
A designação de outro Representante Ministerial, na hipótese vertente, afigura-se desnecessária, haja vista não se vislumbrar qualquer menoscabo ao princípio da independência funcional.
Como bem pondera PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN,
examinando conflitos de atribuição:
“a exclusão de ambos (os Promotores de Justiça em litígio) só pode se dar em caráter excepcional, porque essa modalidade de controvérsia pressupõe, de ordinário, que a atuação caiba a uma das autoridades em dissídio. (...). É evidente que a livre convicção do promotor natural deve ser preservada, mas não ao custo de subtrair-lhe o caso em que lhe cabe atuar, pois o dever de agir, que porventura tenha, é irrenunciável, intransferível e insuscetível de ser eliminado por interpretação unilateral do órgão ao qual toca satisfazê-lo. (...). Somente há incompatibilidade com o desempenho funcional – e, portanto, inconveniência para a sociedade – se o pronunciamento anterior, na sua essência, traduz uma promoção de arquivamento ou envolve uma antecipada afirmação de que a demanda é inviável” (REGIME JURÍDICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO PENAL. São Paulo: Editora Verbatim, 2009. pág. 155); parêntese nosso.
Publique-se a ementa. Cumpra-se.
São Paulo, 23 de novembro de 2009.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
/aeal