Conflito Negativo de Atribuição
Protocolado n.º
146.162/15
Autos n.º 0004297-21.2013.8.26.0220
– MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Taubaté
Suscitante: 9.º
Promotor de Justiça de Taubaté
Suscitado: 3.º
Promotor de Justiça de Guaratinguetá
Assunto: foro competente para
apuração de crime de receptação (CP, art. 180)
EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE
ATRIBUIÇÃO. DELITO DE RECEPTAÇÃO (CP, ART. 180, CAPUT). DIVERGÊNCIA ENTRE PROMOTORES DE JUSTIÇA ACERCA DA
COMPETÊNCIA RATIONE LOCI. AGENTE QUE SUPOSTAMENTE
ADQUIRIU O VEÍCULO NUM TERRITÓRIO E O CONDUZIU A OUTRO, ONDE FOI APREENDIDO.
CRIME PERMANENTE, CUJA CONSUMAÇÃO ATINGIU MAIS DE UM FORO. APLICAÇÃO DA REGRA
DE DETERMINAÇÃO DE COMPETÊNCIA DESCRITA NO ART. 71 DO CPP. CRITÉRIO DA
PREVENÇÃO. ATRIBUIÇÃO MINISTERIAL VINCULADA AO LOCAL
1. Na hipótese vertente, o indiciado foi surpreendido na Comarca de Guaratinguetá por policiais militares ao volante de automóvel produto de crime. O increpado, ao ser inquirido pela autoridade policial, afirmou ter adquirido o bem numa “feira da barganha” na Comarca de Taubaté.
2. Os elementos até agora coligidos dão
suporte ao reconhecimento do crime de receptação, realizado integralmente em Guaratinguetá,
ainda que sua fase consumativa tenha tido início em outra localidade. Cuida-se de
delito permanente, motivo pelo qual tem aplicação à espécie o disposto no art.
71 do CPP: “Tratando-se de infração continuada ou permanente, praticada em
território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela
prevenção”. Precedentes jurisprudenciais (STJ, CC n.º 88617, rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJU de
3. O juízo prevento é aquele que se antecipou aos demais na prática de algum ato ou medida relativa ao processo, ou seja, o de Guaratinguetá (CPP, art. 71).
Solução: conhece-se deste incidente para dirimi-lo, declarando que a atribuição de oficiar nos autos incumbe ao Ilustre Suscitado.
Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração da conduta perpetrada por (...) quando, no dia 11 de abril de 2013, por volta das 17 horas e 50 minutos, foi surpreendido conduzindo veículo automotor produto de crime.
O agente, inquirido a respeito, afirmou ter adquirido o bem numa “feira da barganha” na Comarca de Taubaté.
A Douta Promotora de Justiça oficiante postulou o envio do feito ao foro acima citado, acolhendo representação formulada pela d. autoridade policial (fls. 129).
O Ilustre Representante Ministerial que o recebeu, contudo, discordou de sua antecessora, vislumbrando perpetrado o crime de receptação (CP, art. 180), de natureza permanente, devendo a competência para conduzir o feito, portanto, ser firmada pela prevenção; em consequência, requereu fosse suscitado judicialmente conflito negativo de competência (fls. 137/139), o qual foi recebido como conflito de atribuição (fls. 140/141).
Eis a síntese do necessário.
Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento do procedimento a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n.º 734/93.
Encontra-se configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.
Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).
Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.
Pois bem.
A razão se encontra com o Douto Suscitante, com a
devida vênia da Ilustre Suscitada; senão, vejamos.
Os elementos de prova até agora coligidos indicam a ocorrência, pelo menos, do delito de receptação dolosa simples, cuja realização integral perpassou, ao menos, o território de Guaratinguetá (local da condução do objeto).
De aplicar-se à espécie, portanto, o disposto no art. 71 do CPP, vez que se trata de crime permanente.
De acordo com o dispositivo legal indicado, em matéria de infrações permanentes, cuja consumação atingiu mais de um foro, firma-se a competência territorial pela prevenção.
In casu, o juízo prevento, nos termos do art. 83 do CPP, é, sem dúvida, o de Guaratinguetá. Nesse sentido:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL E
PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL. RECEPTAÇÃO,
NA MODALIDADE CONDUZIR OU TRANSPORTAR (CAMINHÃO), E FORMAÇÃO DE QUADRILHA.
CRIMES PERMANENTES COMETIDOS
1. Na hipótese, o crime de receptação, praticado na modalidade de conduzir ou transportar o bem subtraído do seu proprietário, no caso, um caminhão, adquirindo assim a qualidade de permanente, e o de quadrilha (que já detém essa característica) ocorreram em mais de um Estado da Federação. Nesses casos, havendo Magistrados de igual jurisdição e não sendo possível escolher pela gravidade do crime ou pelo número de infrações, a competência deve ser fixada pela prevenção. Precedentes do STJ.
2. Conhece-se do conflito, para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara Criminal de Inquéritos Policiais de Belo Horizonte/MG, o suscitado”.
(STJ, CC 88617, rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJU de
De ver, ainda, o seguinte julgado, sufragando a
mesma tese:
“CONFLITO NEGATIVO - Formação de quadrilha: roubos e recepção de
carga - Crimes ocorridos
(TJSP, Câmara Especial, CONFLITO
DE JURISDIÇÃO n. 151.925-0/9-00, da Comarca de SÃO PEDRO, rel. Des. MARIA
OLIVIA ALVES, j. em
Diante do exposto, conhece-se deste incidente para dirimi-lo, declarando que a atribuição de oficiar nos autos incumbe à Ilustre Promotora de Justiça Criminal de Guaratinguetá.
A designação de outro Representante Ministerial, na hipótese vertente, afigura-se desnecessária, haja vista não se vislumbrar qualquer menoscabo ao princípio da independência funcional.
Como bem pondera PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN,
examinando conflitos de atribuição:
“a exclusão de ambos (os Promotores de Justiça em litígio) só pode se dar em caráter excepcional, porque essa modalidade de controvérsia pressupõe, de ordinário, que a atuação caiba a uma das autoridades em dissídio. (...). É evidente que a livre convicção do promotor natural deve ser preservada, mas não ao custo de subtrair-lhe o caso em que lhe cabe atuar, pois o dever de agir, que porventura tenha, é irrenunciável, intransferível e insuscetível de ser eliminado por interpretação unilateral do órgão ao qual toca satisfazê-lo. (...). Somente há incompatibilidade com o desempenho funcional – e, portanto, inconveniência para a sociedade – se o pronunciamento anterior, na sua essência, traduz uma promoção de arquivamento ou envolve uma antecipada afirmação de que a demanda é inviável” (REGIME JURÍDICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO PENAL. São Paulo, Editora Verbatim, 2009, pág. 155); parêntese nosso.
Publique-se a ementa. Cumpra-se.
São Paulo, 19 de outubro de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
/aeal