Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 147.590/14

Autos n.º 3004952-85.2013 – MM. Juizado Especial Criminal da Comarca de Taubaté

Suscitante: Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal de Taubaté

Suscitada: Promotoria de Justiça Criminal de Taubaté

Assunto: controvérsia acerca do correto enquadramento dos fatos, com reflexo na atribuição funcional

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. DIVERGÊNCIA ACERCA DA CONFIGURAÇÃO DO DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. CTB, ART. 306 (COM REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 12.760/12). COMPROMETIMENTO DA CAPACIDADE PSICOMOTORA DECORRENTE DE EBRIEDADE CONFIRMADA POR TESTEMUNHAS. EXAME CLÍNICO REALIZADO MAIS DE UMA HORA APÓS, NÃO CONSTATANDO A ALCOOLEMIA. PREVALÊNCIA DA PROVA COLHIDA NO MOMENTO DA CONDUTA. APLICAÇÃO, ADEMAIS, DO PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO SOCIETATE”. CRIME CONEXO (CTB, ART. 307). ATRIBUIÇÃO DO PROMOTOR DE JUSTIÇA CRIMINAL.

1. O confronto dos elementos informativos amealhados no curso da investigação deve ser efetuado de maneira crítica, não se admitindo que uma prova, qualquer que seja, se sobreponha às demais, sem se verificar as condições nas quais colhida. No caso em tela, os policiais responsáveis pela prisão do investigado verificaram, com segurança, a embriaguez e a alteração da capacidade psicomotora, mas a perícia, realizada mais de uma hora após, não a atestou. Destaque-se, não obstante, que a contradição é apenas aparente. Isto porque, como é sabido, o organismo humano possui condições de eliminar o álcool ingerido com o passar do tempo.

2. De mais a ver, ainda que se pudesse reputar conflitante o cenário probatório, nesta fase da persecução penal as dúvidas devem ser dirimidas em favor da sociedade (nesse sentido: STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23 de março de 2011). Há de prevalecer, destarte, a constatação aferida no momento da ação.

3. O delito em questão configura, ademais, crime de perigo abstrato e sua descrição legal não atenta contra princípios constitucionais, até porque é científica e estatisticamente comprovado que a condução de veículo automotor por quem ingeriu álcool ou substâncias psicoativas em determinado patamar põe em risco a incolumidade física e a vida de terceiros, dada a diminuição dos reflexos, da percepção sensorial e motora, entre outros (vide, nesse sentido, HC n. 109.269/MG, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, j. em 27/09/2011, DJe de 11/10/2011).

4. A conduta perpetrada se subsume ao art. 306 do CTB. De acordo com o caput do tipo penal, depois da modificação decorrente da Lei n. 12.760, de 2012, incorre na infração aquele que: “Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência”. O indiciado, de maneira indisputável, dirigia motocicleta em via pública embriagado e, pela análise efetuada pelos policiais, apresentava-se, ictu oculi, com sua capacidade psicomotora alterada (pois exalava odor etílico, seus olhos estavam avermelhados, suas vestes em desordem e se portava de maneira agressiva, havendo a necessidade de algemá-lo para contê-lo). Frise-se, ainda, que o comprometimento da citada capacidade pode ser demonstrado por qualquer prova em direito admitida, inclusive testemunhal, nos exatos termos do §2.º do art. 306 do CTB.

5. Há, ainda, a infração conexa, prevista no art. 307 do CTB, pois o autor tivera sua permissão para conduzir veículos automotores suspensa. A causa, portanto, não deve permanecer sob os cuidados do Membro Ministerial atuante no Juizado Especial.

Solução: conhece-se do conflito, para dirimi-lo, declarando que a atribuição compete ao Douto Promotor de Justiça Criminal.

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado a partir da lavratura de auto de prisão em flagrante, visando à apuração da suposta prática dos crimes de violação da suspensão ou da proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículos automotores (CTB, art. 307) e embriaguez ao volante (CTB, art. 306) cometidos, em tese, por (...).

Isto porque, no dia 08 de dezembro de 2013, policiais militares visualizaram o indiciado conduzindo motocicleta de forma anormal, ao efetuar manobra brusca de retorno e pilotar em alta velocidade, justamente depois de notar a presença dos agentes da Lei.

Os milicianos lhe deram ordem de parada, atendida somente ao chegar ao bairro no qual residiria.

Os servidores públicos, então, perceberam que o autor apresentava sinais evidentes de embriaguez e, por se mostrar exaltado, houve necessidade do uso de algemas para contê-lo.

O sujeito se recusou a efetuar o teste do etilômetro ou permitir a coleta de sangue para análise pericial, constatando os policiais, em seguida, que sua habilitação estava cassada (fls. 04 e 06).

(...), em seu interrogatório, confirmou a ingestão de quatro cervejas e confirmou ter violado a suspensão de sua permissão legal para dirigir veículos (fl. 07).

Cerca de uma hora após o fato, o médico legista apresentou laudo de verificação de embriaguez, concluindo que o examinado não se encontrava alcoolizado (fls. 40/41).

O Douto Promotor de Justiça Criminal, recebendo o feito, entendeu que não restou configurada a ebriedade ao volante do increpado, e, portanto, o delito descrito no art. 306 do CTB.

Vislumbrando caracterizada apenas a infração prevista no art. 307 do Código de Trânsito Brasileiro, de menor potencial ofensivo, postulou o encaminhamento do expediente ao Juizado Especial (fl. 52).

O Ilustre Representante Ministerial destinatário, contudo, discordou de seu antecessor, baseando-se no teor da Lei n.º 12.760/12 e da Resolução n.º 432/2013 do CONTRAN.

Ponderou, destarte, que os policiais responsáveis pela abordagem afirmaram que o averiguado apresentava claros sinais de embriaguez, os quais, acrescidos à confissão acerca da ingestão de quatro latas de cerveja antes de dirigir a motocicleta, configurariam prova suficiente da ebriedade.

Pautando-se, destarte, nos termos do arts. 291 do CTB, 158 e 167 do CPP, e na soma das penas cominadas aos delitos, superando o limite de competência do órgão judicial em que atua, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 56/62).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento do caso a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n.º 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

        Pois bem.

A razão se encontra com o Douto Suscitante, com a máxima vênia do Ilustre Suscitado; senão, vejamos.

Deve-se frisar que a controvérsia diz respeito à caracterização do delito de embriaguez ao volante, tipificado no art. 306 do CTB.

No caso em apreço, muito embora o exame clínico não tenha sido capaz de atestar a ebriedade, esta resultou convincentemente demonstrada pelos elementos informativos colhidos no inquérito, dos quais se destacam a constatação efetuada in loco pelos policiais militares e a confissão do agente no que tange à ingestão de quantidade de álcool suficiente para inebriá-lo.

Note-se, como bem salientou o Culto Suscitante, que a confirmação da conduta típica, desde o advento da Lei n.º 12.760/12, não mais está condicionada à determinação do teor de álcool por litro de sangue, admitindo-se sua demonstração por outros meios.

De acordo com o tipo penal, depois da modificação citada, incorre na infração aquele que:

“Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência”.

No feito em tela, os milicianos atestaram o odor etílico exalado, os olhos avermelhados, a desordem nas vestes, bem como a forma agressiva e exaltada com a qual o agente se portava – sinais característicos do estado necessário à subsunção do fato ao tipo penal.

Frise-se, ainda, que o comprometimento da citada capacidade pode ser demonstrado por qualquer prova em direito admitida, inclusive testemunhal, nos exatos termos do §2.º do art. 306 do CTB.

O confronto dos elementos informativos amealhados no curso da investigação deve ser efetuado de maneira crítica, não se admitindo que uma prova, qualquer que seja, se sobreponha às demais, sem se verificar as condições nas quais colhida.

Os policiais responsáveis pela prisão do investigado verificaram, com segurança, repise-se, a embriaguez e a alteração da capacidade psicomotora, mas a perícia, realizada mais de uma hora após, não a atestou.

Destaque-se, não obstante, que a contradição é apenas aparente. Isto porque, como é sabido, o organismo humano possui condições de eliminar o álcool ingerido com o passar do tempo.

De mais a ver, ainda que se pudesse reputar conflitante o cenário probatório, nesta fase da persecução penal as dúvidas devem ser dirimidas em favor da sociedade (nesse sentido: STJ, Conflito de Competência n.º 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23 de março de 2011).

Há de prevalecer, destarte, a constatação aferida no momento da ação. Esse motivo já basta para concluir pela atribuição do Ilustre Suscitado.

Some-se a isto, por fim, a infração conexa, capitulada no art. 307 do CTB, confirmando que a causa não pode permanecer sob a responsabilidade do Membro Ministerial em exercício na esfera do Juizado Especial.

Diante do exposto, conhece-se deste incidente, dirimindo-se o conflito para declarar que a atribuição de intervir na causa incumbe ao Ilustre Representante Ministerial Suscitado.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designa-se outro promotor de justiça para formar a opinião delitiva.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria designando-se o substituto automático. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 07 de outubro de 2014.

 

 

 

                                  Márcio Fernando Elias Rosa

        Procurador-Geral de Justiça

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