Conflito Negativo de Atribuição

 

Protocolado n.º 147.640/10

Autos n.º 245/09 – MM. Juízo do Juizado Especial Criminal de Matão

Autor do fato: (...)

Suscitante: Promotoria de Justiça de Matão

Suscitado: Promotoria de Justiça de Araraquara

Assunto: conflito negativo de atribuições entre membros do Ministério Público de São Paulo

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. LESÃO CORPORAL CULPOSA NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR (CTB, ART. 302). MOTORISTA EMBRIAGADO. COMPROVAÇÃO EFETUADA POR MEIO DE PROVA ORAL, DIANTE DA RECUSA EM SE SUBMETER A EXAMES DE ETILÔMETRO E DE SANGUE. SUFICIÊNCIA DA PROVA PARA EFEITO DE IMPEDIR, NOS TERMOS DO ART. 291, §1º, DO CTB, A INCIDÊNCIA DOS ARTS. 74, 76 E 88 DA LEI N. 9.099/95. DESCABIMENTO DE TRANSAÇÃO PENAL.

1.     Cuida-se de termo circunstanciado lavrado para apurar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor. A ocorrência foi apresentada no Distrito Policial por milicianos, os quais atestaram que o condutor aparentava encontrar-se embriagado, tendo se recusado a se submeter aos exames do etilômetro e de sangue. O ofendido confirmou o acidente, mas negou que seu companheiro houvesse ingerido bebida alcoólica e não ofertou representação. Expediu-se carta precatória para a elaboração de proposta de transação penal, tendo o Douto Promotor de Justiça Suscitado se recusado a fazê-lo, por conta do estado etílico do agente. Com o retorno do expediente ao Juízo de origem, o Ilustre Representante Ministerial suscitou o presente conflito negativo de atribuição, destacando que a recusa apresentada pelo motorista em se sujeitar aos testes de embriaguez obstara a comprovação do delito capitulado no art. 306 do CTB, bem como a utilização da regra impeditiva do benefício, insculpida no art. 291, §1.º, do mesmo Diploma.

2.     Os autos não contêm subsídios capazes de imputar ao autor da conduta o delito de embriaguez ao volante, diante da ausência de qualquer comprovação acerca do elemento típico nele contido, qual seja, a concentração de  álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas. O mesmo raciocínio não se aplica, contudo, no que pertine à regra de exclusão das medidas despenalizadoras prevista no art. 291, §1º, da Lei n. 9.503/97. Esta preceitua que: “Aplica-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa o disposto nos arts. 74, 76 e 88 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, exceto se o agente estiver:  I - sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”. Deve-se sublinhar que, neste aspecto, não há qualquer exigência de que o estado etílico atinja determinado patamar, bastando a comprovação, por qualquer prova admitida em Direito, de que o suspeito encontrava-se “sob a influência de álcool”. Quanto a isto, sobejam as provas, notadamente orais, já que ambos os policiais militares auscultados foram firmes ao aduzir que o agente apresentava visíveis sinais de ebriez. Daí decorre que o crime se torna de ação penal pública incondicionada (isto é, mostra-se irrelevante o fato de o ofendido não ter oferecido representação) e, ademais, não pode ter lugar a transação penal.

Solução: conflito dirimido para declarar que a atribuição para oficiar nos autos incumbe ao Douto Suscitante.

 

Cuida-se de termo circunstanciado lavrado para apurar a conduta de (...), que, em 24 de maio de 2009, em horário incerto, conduzia veículo automotor em via pública, envolvendo-se em acidente, do qual resultou lesão corporal no passageiro que o acompanhava, (...).

A ocorrência foi apresentada no Distrito Policial por milicianos, os quais atestaram que o condutor aparentava encontrar-se embriagado, tendo se recusado a se submeter aos exames do etilômetro e de sangue (fls. 06/08 e 13/14).

O agente alegou ter sido fechado por um automóvel não identificado, negando, ademais, que se encontrava alcoolizado (fls. 10).

O passageiro confirmou o acidente, mas negou que seu companheiro houvesse ingerido bebida alcoólica e não ofertou representação (fls. 12).

Concluídas as providências de Polícia Judiciária, o MM. Juiz determinou a expedição de carta precatória para a realização de audiência preliminar (fls. 22), tendo o Douto Promotor de Justiça de Matão indicado que a elaboração da proposta deveria ficar a cargo do Membro oficiante na esfera do Juízo Deprecado (fls. 23). Este, contudo, recusou-se a formular o pleito correspondente, aduzindo que se cuidaria de delitos de embriaguez ao volante e lesão corporal culposa sob efeito de álcool, o que impediria a incidência da medida acima mencionada (fls. 29).

Com o retorno do expediente ao Juízo de origem, coube ao Ilustre Representante Ministerial suscitar o presente conflito negativo de atribuição, destacando que a recusa apresentada pelo motorista em se sujeitar aos testes de embriaguez obstara a comprovação do delito capitulado no art. 306 do CTB, bem como a utilização da regra impeditiva do benefício, insculpida no art. 291, §1.º, do mesmo Diploma (fls. 33/39).

Eis a síntese do necessário.

Parece-nos que assiste razão, em parte, ao Douto Suscitante.

De fato, os autos não contêm subsídios capazes de imputar ao autor da conduta o delito de embriaguez ao volante, diante da ausência de qualquer comprovação acerca do elemento típico nele contido, qual seja, a concentração de  álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas.

O mesmo raciocínio não se aplica, contudo, no que pertine à regra de exclusão das medidas despenalizadoras prevista no art. 291, §1º, da Lei n. 9.503/97. Esta preceitua que:

 

§ 1o  Aplica-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa o disposto nos arts. 74, 76 e 88 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, exceto se o agente estiver:  I - sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”.

 

Deve-se sublinhar que, neste aspecto, não há qualquer exigência de que o estado etílico atinja determinado patamar, bastando a comprovação, por qualquer prova admitida em Direito, de que o suspeito encontrava-se “sob a influência de álcool”.

Quanto a isto, sobejam as provas, notadamente orais, já que ambos os policiais militares auscultados foram firmes ao aduzir que (...) apresentava visíveis sinais de ebriez.

Daí decorre que o crime se torna de ação penal pública incondicionada (isto é, mostra-se irrelevante o fato de o ofendido não ter oferecido representação) e, ademais, não pode ter lugar a transação penal.

Cumpre, desta feita, ao Douto Suscitante analisar o caso, oferecendo denúncia.

Diante do exposto, dirimo o presente conflito para determinar que a atribuição para oficiar nos autos incumbe ao Ilustre Promotor de Justiça de Matão. Afigura-se desnecessária a designação de outro órgão ministerial.

Não se pode olvidar, como ensina PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN, que, em conflitos de atribuição decididos pelo Procurador-Geral de Justiça: “a exclusão de ambos (os Promotores de Justiça em litígio) só pode se dar em caráter excepcional, porque essa modalidade de controvérsia pressupõe, de ordinário, que a atuação caiba a uma das autoridades em dissídio. (...). É evidente que a livre convicção do promotor natural deve ser preservada, mas não ao custo de subtrair-lhe o caso em que lhe cabe atuar, pois o dever de agir, que porventura tenha, é irrenunciável, intransferível e insuscetível de ser eliminado por interpretação unilateral do órgão ao qual toca satisfazê-lo. (...). Somente há incompatibilidade com o desempenho funcional – e, portanto, inconveniência para a sociedade – se o pronunciamento anterior, na sua essência, traduz uma promoção de arquivamento ou envolve uma antecipada afirmação de que a demanda é inviável” (REGIME JURÍDICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO PENAL. São Paulo: Editora Verbatim, 2009. pág. 155; parêntese nosso). Publique-se a ementa.

 

        São Paulo, 25 de novembro de 2010.

 

 

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

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