Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 150.154/15

Autos n.º 0004595-64.2014.8.26.0127 – MM. Juízo da 2.a Vara Criminal da Comarca de Sorocaba

Suscitante: 11.º Promotor de Justiça de Sorocaba

Suscitada: 7.º Promotor de Justiça de Carapicuíba

Assunto: controvérsia a respeito do enquadramento legal da conduta, com reflexo na atribuição funcional

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. DIVERGÊNCIA ACERCA DA PREVALÊNCIA DO CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO SOBRE A FALSIFICAÇÃO ANTECEDENTE. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. ATRIBUIÇÃO FUNCIONAL DEFINIDA COM BASE NO DELITO-FIM. DOCUMENTO PRODUZIDO NA COMARCA DE SOROCABA E UTILIZADO NA COMARCA DE CARAPICUÍBA. ABSORÇÃO DO FALSUM PELO USUM. ATRIBUIÇÃO DA ILUSTRE SUSCITADA.

1.      Cuida-se de conflito negativo de atribuição, em que os Doutos Promotores de Justiça divergem a respeito do foro competente para apuração do crime: se o local da produção ou da utilização do documento falsificado. No caso, o falso teria sido cometido em Sorocaba e o uso, em Carapicuíba.

2.      Tendo em vista que o falso constitui antefactum impunível, dado que sua potencialidade lesiva esgota-se na utilização do documento, em contexto fático posterior, subsiste tão-somente a responsabilidade penal pelo crime do art. 304 do CP (c.c. art. 299, caput), que se consumou em Carapicuíba, nos termos do art. 70 do CPP.

3.      Em sentido semelhante, decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo: “FALSIDADE DOCUMENTAL – Falsificação de documento público e uso de documento falso – Condenação do agente pelas duas infrações – Inadmissibilidade – Falsificação que foi utilizada como crime-meio para atingir o desiderato do réu, qual seja, a utilização da contrafação – Aplicação do princípio da consunção – RT 800/599”. No mesmo sentido: TJSP, Apelação Criminal n.º 0006431-20.2010. 8.26.0125, julgada em 20.06.2013.

Solução: conhece-se do conflito para dirimi-lo e declarar que a atribuição incumbe à Douta Suscitada.

 

 

         Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração da conduta perpetrada por (...).

Isto porque entre os dias 08 e 14 de janeiro de 2013, o autor inseriu e fez inserir em documento público, declaração falsa, com o fito de alterar a veracidade acerca de fato juridicamente relevante, indicando terceira pessoa como se fora o condutor do veículo por ocasião da prática de infrações de trânsito.

O documento foi confeccionado, pelo que se deduz, na Comarca de Sorocaba, mas foi apresentado ao Ciretran de Carapicuíba, localidade em que lavrados os respectivos autos acerca dos ilícitos administrativos.

A Douta Promotora de Justiça de Carapicuíba vislumbrou configurado o delito descrito no art. 299 do CP, consumado em Sorocaba e postulou o encaminhamento do feito a tal Comarca (fls. 27/28).

O Ilustre Representante Ministerial destinatário, então, requisitou diligências complementares (fls. 32/33 e 41) e, depois de constatar que os documentos foram apresentados em Carapicuíba, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 61).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a vinda da questão para análise desta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n.º 734/93.

Encontra-se configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

As condutas do sujeito ativo, em nosso sentir, devem ser subsumidas ao delito tipificado no art. 304 do CP, fatos consumados na Comarca de Carapicuíba; senão, vejamos.

Ainda que se possa concluir ter sido o increpado o responsável pela inserção dos dados falsos na indicação de condutor de infração de trânsito, este comportamento constitui antefactum impunível, por força do princípio da consunção ou absorção.

Como se sabe, referido princípio tem como escopo afastar conflito aparente de normas, evitando a plúrima incriminação de fato produtor de lesão única ao bem jurídico (ne bis in idem).

Por meio dele, quando uma infração é perpetrada como meio necessário, fase normal de preparação ou de execução de outra, fica por esta absorvida. Na hipótese vertente, dá-se a consunção do falsum pelo usum, até porque neste exaure sua potencialidade lesiva.

O Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu nesse sentido:

 

“FALSIDADE DOCUMENTAL – Falsificação de documento público e uso de documento falso – Condenação do agente pelas duas infrações – Inadmissibilidade – Falsificação que foi utilizada como crime-meio para atingir o desiderato do réu, qual seja, a utilização da contrafação – Aplicação do princípio da consunção (TJSP) – RT 800/599.”

“APELAÇÃO – Falsificação de documento Público – Autoria e materialidade demonstradas – Falsificação que deve ser absorvida pelo uso de documento – Reconhecimento da continuidade delitiva em relação ao co-réu que concorreu para as falsificações – Substituição das penas e fixação e regime prisional aberto – Apelo de dois co-réus parcialmente providos e demais improvidos”.  (Apelação Criminal n.º 0006431-20.2010. 8.26.0125, julgada em 20.06.2013; grifo nosso).

 

Diante do exposto, conhece-se deste incidente para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição para oficiar nos autos incumbe à Douta Suscitada.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designo outro Representante Ministerial para atuar no feito, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

             São Paulo, 27 de outubro de 2015.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

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