Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 150.530/11

Autos n.º 918/11 – MM. Juízo da 1.ª Vara do Juizado Especial Criminal da Comarca de Bragança Paulista

Suscitante: 2.º Promotor de Justiça de Bragança Paulista

Suscitado: 3.º Promotor de Justiça de Bragança Paulista

Indiciado: (...)

Assunto: divergência acerca do enquadramento legal dos fatos (estupro de vulnerável ou importunação ofensiva ao pudor)

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. DIVERGÊNCIA ACERCA DO ENQUADRAMENTO LEGAL DOS FATOS (ESTUPRO DE VULNERÁVEL OU IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR). AGENTE QUE LEVOU CRIANÇA A LOCAL ERMO E, DESPINDO-SE PARCIALMENTE, A COLOCOU EM SEU COLO, ESTANDO AMBOS DESNUDOS DA CINTURA PARA BAIXO. DELITO HEDIONDO SUFICIENTEMENTE CARACTERIZADO. ATRIBUIÇÃO AFETA AO DOUTO SUSCITADO.

1.     A prova amealhada no curso da investigação revelou que o suspeito praticou ato libidinoso com o menor, de dez anos de idade, depois de levá-lo a um local afastado e, despindo-se parcialmente, o colocou em seu colo, encontrando-se os dois sem parte das vestimentas.

2.     O contato corporal propiciado caracteriza ato libidinoso, permitindo sejam identificadas no proceder do sujeito ativo todas as elementares do crime sexual contra vulnerável (nesse sentido: AgRg no Ag 1176949/SC, rel. Ministra LAURITA VAZ, 5.ª Turma, julgado em 11/05/2010).

3.     Pondere-se, não obstante, que mesmo se houvesse dúvida razoável a respeito da capitulação jurídica da conduta, deveria aplicar-se o princípio in dubio pro societate (cf. STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, 3ª Seção, julgado em 23/03/2011).

Solução: diante do exposto, conheço do presente conflito para dirimi-lo e declarar que a atribuição para oficiar no procedimento incumbe ao Douto Suscitado.

 

 

 

 

 

Cuida-se de conflito negativo de atribuição envolvendo os Promotores de Justiça de Bragança Paulista acima epigrafados, os quais divergem acerca da natureza do fato praticado: se configura estupro de vulnerável (CP, art. 217-A) ou mera contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (LCP, art. 61).

É o relatório.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o envio do expediente a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

Pois bem.

Os fatos objeto de apuração neste inquérito policial, sobejamente comprovados por depoimentos orais, demonstraram que (...) praticou ato libidinoso com o menor (...), de dez anos de idade, depois de levá-lo a um local ermo e, despindo-se parcialmente, o colocou em seu colo, estando ambos desnudos da cintura para baixo.

Sua intenção lasciva resultou comprovada, em face da natureza do contato corporal por ele engendrado, associado ao modus operandi, consistente em levar o infante a lugar supostamente distante dos olhares de possíveis testemunhas.

Esse comportamento, com a devida vênia do Douto Promotor de Justiça Suscitado, jamais pode ser considerado mera contravenção penal.

Isto porque podem ser identificadas no proceder do sujeito ativo todas as elementares do crime sexual contra vulnerável, à medida que praticou ato libidinoso com menor de 14 anos de idade.

Conforme já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, tais atos podem se traduzir em toques, contatos íntimos ou beijos, como ocorreu na hipótese sub examen; confira-se:

 

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. DESCLASSIFICAÇÃO PARA IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DO VERBETE SUMULAR N.º 83 DESTA CORTE.

1. Este Tribunal já se manifestou no sentido de que os atos libidinosos comportam diferentes níveis de configuração, que podem englobar toques, contatos íntimos ou mesmo beijos lascivos.

2. A pretensão recursal de desclassificação não pode ser acolhida, uma vez que esta Corte tem entendimento consolidado sobre a tese em análise, atraindo a incidência do verbete sumular n.º 83 desta Corte.

3. Agravo regimental desprovido”.

(AgRg no Ag 1176949/SC, rel. Ministra LAURITA VAZ, 5.ª TURMA, julgado em 11/05/2010, DJe 07/06/2010; grifo nosso)

 

Cuida-se, portanto, de inequívoco estupro de vulnerável (CP, art. 217-A).

Pondere-se, não obstante, que mesmo havendo dúvida razoável a respeito da capitulação jurídica da conduta, deveria aplicar-se o princípio in dubio pro societate, como se pode inferir do seguinte julgado:

 

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. HOMICÍDIO, NA FORMA TENTADA, PRATICADO POR MILITAR CONTRA CIVIL. INQUÉRITO POLICIAL. NECESSIDADE DE EXAME DETALHADO E CUIDADOSO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO SOCIETATE”. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.

1. A presença de dolo, direito ou eventual, na conduta do agente só pode ser acolhida na fase inquisitorial quando se apresentar de forma inequívoca e sem necessidade de exame aprofundado de provas, eis que neste momento pré-processual prevalece o princípio do “in dubio pro societate”.

2. Os fatos serão melhor elucidados no decorrer do desenvolvimento da ação penal, devendo o processo tramitar no Juízo Comum, por força do princípio “in dubio pro societate” que rege a fase do inquérito policial, em razão de que somente diante de prova inequívoca deve o réu ser subtraído de seu juiz natural. Se durante o inquérito policial, a prova quanto à falta do “animus necandi” não é inconteste e tranqüila, não pode ser aceita nesta fase que favorece a sociedade, eis que não existem evidências inquestionáveis para ampará-la sem margem de dúvida.

3. O parágrafo único do art. 9º do CPM, com as alterações introduzidas pela Lei nº 9.299/96, excluiu do rol dos crimes militares os crimes dolosos contra a vida praticado por militar contra civil, competindo à Justiça Comum a competência para julgamento dos referidos delitos.

(...)”

(STJ, Conflito de Competência n. 113.020, rel. MIN. OG FERNANDES, julgado em 23/03/2011).

 

Diante do exposto, dirimo o presente conflito para declarar que a atribuição para atuar na causa incumbe ao Douto Suscitado.

Para que não haja qualquer menoscabo à sua independência funcional, designo outro promotor de justiça para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Cumpra-se. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 03 de novembro de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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