Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 152.963/15

Autos n.° 0021742-11.2015.8.26.0114 – MM. Juízo da 3.ª Vara Criminal da Comarca de Campinas

Suscitante: 27.º Promotor de Justiça de Campinas

Suscitado: 32.º Promotor de Justiça de Campinas

Assunto: definição do correto enquadramento dos fatos, com reflexo na atribuição funcional

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CONTROVÉRSIA ACERCA DO ENQUADRAMENTO LEGAL. ESTELIONATO (CP, ART. 171, CAPUT) OU JOGO DE AZAR (LCP, ART. 50). AGENTES QUE REALIZAVAM, EM VIA PÚBLICA, A CHAMADA “CHAPINHA” OU “TAMPINHA”, NA QUAL O APOSTADOR DEVE ACERTAR O RECIPIENTE ONDE SE ENCONTRA OCULTA A ESFERA. FATOR SORTE AUSENTE, POIS O SUJEITO ATIVO MANIPULARIA O RESULTADO, FRAUDULENTAMENTE, IMPEDINDO O GANHO POR PARTE DO JOGADOR. DELITO CONTRA O PATRIMONIO CARACTERIZADO. INEXISTÊNCIA DE INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. ATRIBUIÇÃO AFETA AO DOUTO PROMOTOR DE JUSTIÇA ATUANTE PERANTE O JUÍZO COMUM.

1.     Muito embora tenham os autores sido surpreendidos realizando o jogo conhecido como “chapinha” ou “tampinha”, aparentemente baseado na sorte do apostador, verificou-se que, pela habilidade dos agentes, são eles capazes de alterar o resultado e, desta forma, impedir o ganho por parte daquele.

2.     Não se cuida de mero jogo de azar, no qual o apostador efetivamente possui alguma chance de auferir o prêmio acordado, mas de estelionato, em que o responsável pelo controle da esfera e das chapas manipula o resultado, impedindo que o transeunte vença; do contrário, o autor não obteria os lucros que ele próprio admitiu quando auscultado; afinal, fosse uma atividade baseada meramente no acaso, lhe traria prejuízo, dadas as relações probabilísticas que, em tese, lhe são desfavoráveis (aliás, esse o elemento que costuma atrair o apostador desavisado).

3.     Essa distinção é o ponto fulcral que separa a mera contravenção do crime tipificado no art. 171 do CP.

4.     Não se pode olvidar, ainda, que nesta fase da persecução penal, quando existentes dúvidas acerca da capitulação jurídica do fato, estas devem ser dirimidas em favor da sociedade.

5.     Nada impede que, uma vez ajuizada a denúncia perante o Juízo Comum, ocorra a desclassificação para a contravenção penal excogitada, acaso não se confirme, sob o crivo do contraditório, a utilização do citado artifício.

Solução: conhece-se do presente conflito, dirimindo-o, a fim de declarar que a atribuição de oficiar no feito incumbe à Douta Suscitante.

 

 

 

Cuida-se de investigação penal instaurada para apurar a conduta de (...), o qual realizava, em via pública, a prática conhecida como jogo da “tampinha” ou “chapinha”, consistente em apostar com transeuntes o local em que ocultava uma pequena esfera macia, omitida debaixo de uma dentre três peças metálicas.

Concluídas as providências de polícia judiciária, o Douto Promotor de Justiça oficiante entendeu configurado o crime de estelionato (CP, art. 171, caput), requerendo o envio dos autos ao Juízo Comum (fls. 12/13).

Efetuada a remessa, a Nobre Representante do Parquet destinatária discordou de seu antecessor, vislumbrando perpetrado unicamente o crime anão excogitado em sede policial; em consequência, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 19/22).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento do expediente a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n.º 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra com o Douto Suscitado, com a máxima vênia da Ilustre Suscitante; senão, vejamos.

Muito embora tenha o autor sido surpreendido realizando o jogo conhecido como “chapinha” ou “tampinha”, aparentemente baseado na sorte do apostador, sabe-se que, em verdade, o sujeito emprega habilidade, sendo capaz de alterar o resultado e, desta forma, impedir o ganho por parte daquele.

Não se cuida de mero jogo de azar, no qual o apostador efetivamente possui alguma chance de auferir o prêmio acordado, mas de estelionato, em que o responsável pelo controle da esfera e das chapas manipula o resultado, impedindo que o transeunte vença; do contrário, o autor não obteria os lucros que ele próprio admitiu quando auscultado a fls. 02; afinal, fosse uma atividade baseada meramente no acaso, lhe traria prejuízo, dadas as relações probabilísticas que, em tese, lhe são desfavoráveis (aliás, esse o elemento que costuma atrair o apostador desavisado).

Essa distinção é o ponto fulcral que separa a mera contravenção do crime tipificado no art. 171 do CP.

Não se pode olvidar, ainda, que nesta fase da persecução penal, quando existentes dúvidas acerca da capitulação jurídica do fato, estas devem ser dirimidas em favor da sociedade.

Nada impede que, uma vez ajuizada a denúncia perante o Juízo Comum, ocorra a desclassificação para a contravenção penal excogitada, acaso não se confirme, sob o crivo do contraditório, a utilização do citado artifício.

Em face disto, conhece-se do presente conflito, a fim de dirimi-lo e declarar que a atribuição para atuar nos autos incumbe à Douta Suscitante.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, já que esta decisão colide com sua opinio delicti, designa-se outro representante ministerial para oficiar na causa, requerendo o que de direito.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 03 de novembro de 2015.

 

                                      

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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