Conflito Negativo de Atribuição

 

Protocolado n.º 156.132/09

Autos n.º 587/09 – MM. Juízo da 3.ª Vara Judicial da Comarca de Penápolis

Investigado: (...)

Assunto: classificação jurídica da conduta atribuída ao autor (constrangimento ilegal ou tentativa de violação sexual mediante fraude)

 

 

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CONTROVÉRSIA RELATIVA AO ENQUADRAMENTO LEGAL DOS FATOS (CONSTRANGIMENTO ILEGAL OU VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE). ELEMENTO SUBJETIVO DO INJUSTO. ÂNIMO DE VAZÃO À LASCÍVIA SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADO. INTERRUPÇÃO INVOLUNTÁRIA DO “ITER CRIMINIS”. TENTATIVA DE CRIME SEXUAL CARACTERIZADO. ATRIBUIÇÃO DO SUSCITANTE.

1.      O debate trazido ao conhecimento desta Procuradoria Geral de Justiça consiste em definir se o comportamento atribuído ao investigado configura crime de constrangimento ilegal (CP, art. 146) ou tentativa de violação sexual mediante fraude (CP, art. 215, c.c. art. 14, II). Em outras palavras, é preciso determinar se o sujeito atuou com fim lascivo. Muito embora o iter criminis tenha sido interrompido logo no início da fase executória, o escopo do suspeito ficou extreme de dúvidas.

2.      No caso em estudo, o suspeito convidou a adolescente a acompanhá-lo até uma sorveteria, onde lhe daria uma “benção”. Ocorre, todavia, que a levou a um Motel e, no interior, determinou que ela se despisse, momento em que a vítima notou o engodo e conseguiu fugir do local. O opróbrio motivador do ato foi, inequivocamente, a concupiscência. A ausência de comunicação a terceiros ou à ofendida acerca da intentio não impediu aferir-se a meta optata, notadamente quando se avalia, no contexto dos fatos e mediante o cotejo das provas colhidas, a maneira como o agente se portou diante da cena criminosa.

3.      O ato libidinoso somente não se realizou por circunstâncias alheias à vontade do increpado, não cabendo falar na infração subsidiária descrita no art. 146 do CP.

Conclusão: dirimo o presente conflito para declarar que a atribuição incumbe ao Douto Suscitante.

 

 

Cuida-se de termo circunstanciado lavrado mediante requerimento formulado pela genitora da adolescente (...).

Segundo consta da delatio criminis simples, descrita a fls. 02, o autor do fato, dizendo-se “benzedor”, levou a menor a um Motel, sem o conhecimento desta, a quem dissera que a acompanharia até uma sorveteria. No local, determinou que tirasse a roupa para a “benção”, tendo a menina se dado conta do embuste e, imediatamente, se retirado.

O procedimento foi encaminhado ao Juizado Especial Criminal, tendo o Douto Promotor de Justiça oficiante declinado de sua atribuição, justificando (em síntese) que a conduta imputável ao investigado não se subsumiria a conceito de infração de menor potencial ofensivo (fls. 10/12).

O Douto Representante do Ministério Público a quem o expediente foi remetido, todavia, discordou das razões expostas e suscitou o presente conflito negativo de atribuição (fls. 16/19).

Eis a síntese do necessário.

A questão fundamental que subjaz deste protocolado reside em saber se o comportamento atribuído ao agente configura o crime subsidiário de constrangimento ilegal (CP, art. 146) ou tentativa de violação sexual mediante fraude (CP, art. 215, c.c. art. 14, II).

O deslinde desta quaestio depende da determinação precisa do elemento subjetivo do injusto. É preciso avaliar, com efeito, se o opróbrio motivador do ato foi a concupiscência. Semelhante análise, por vezes, é difícil de se efetuar, notadamente quando o iter criminis é interrompido antes da verbalização do intento, mantendo-se o desiderato enclausurado em sua psique.

A ausência de comunicação a terceiros ou à vítima da intentio, todavia, não impede aferir-se qual a meta optata, notadamente quando se avalia, no contexto dos fatos e mediante o cotejo das provas colhidas, a maneira como se portou diante da cena criminosa.

Pois bem.

O acusado, conforme resultou amplamente demonstrado, mediante fraude consistente em se dizer “benzedor”, levou a ofendida, insciente, a um Motel e, no local, determinou que esta se despisse, como condição para realizar seu “trabalho”.

Não há dúvida, em nosso sentir, que pretendia dar vazão à sua lascívia. Qual seria a intenção do agente senão a realização de ato libidinoso com a adolescente?

Ficou claro, ademais, que o investigado somente não consumou seu objetivo por circunstâncias alheias à sua vontade, de vez que a vítima, percebendo o engodo, fugiu correndo do local.

A subsunção da conduta ao tipo definidor de crime contra a dignidade sexual, destarte, mostra-se evidente.

A ação nuclear consiste em ter conjunção carnal (penetração vaginal) ou outro ato libidinoso com alguém, isto é, praticá-los, realizá-los, executá-los.

O meio executório que define a infração é o emprego de fraude, isto é, de ardil ou artifício destinado a iludir o sujeito passivo, induzindo-o ou mantendo-o em erro. Cuida-se do engodo destinado a alterar a compreensão acerca da realidade.

HUNGRIA denominava a infração de stuprum per fraudem ou estelionato sexual, sendo exemplos clássicos: a) curandeiro que convence o cliente da necessidade de despi-lo e tocá-lo para expurgar seus males; b) o irmão gêmeo que se faz passar pelo outro para manter relação sexual com sua cunhada; c) o enfermeiro que, objetivando abusar de um doente (homem ou mulher), submete-o a atos de libidinagem a pretexto de aplicar-lhe injeção de que necessitava; d) o agente que, para ministrar aula de ginecologia a uma mulher, com ela pratica atos libidinosos.

Dessa forma, em que pesem as judiciosas ponderações do competente Promotor de Justiça Suscitante, parece-nos que não cabe falar, na hipótese vertente, em simples constrangimento ilegal.

Diante do exposto, dirimo o presente conflito para declarar que a atribuição compete ao Douto Suscitante.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designo seu substituto automático. Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria. Publique-se a ementa.

                                                      

    São Paulo, 14 de dezembro de 2009.

 

 

 

                Fernando Grella Vieira

            Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

/aeal