Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 156.476/11

Autos n.º 376/11 - MM. Juízo do Juizado Especial Criminal da Comarca de Batatais

Suscitante: 1.º Promotor de Justiça de Batatais

Suscitado: 3.ª Promotor de Justiça de Batatais

Assunto: divergência quanto ao enquadramento dos fatos (ameaça ou coação no curso do processo)

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. PROMOTORES DE JUSTIÇA CRIMINAL E DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO (CP, ART. 344) OU AMEAÇA (CP, ART. 147). FATO OCORRIDO APÓS O TÉRMINO DA AUDIÊNCIA, APARENTEMENTE DESVINCULADO AO FAVORECIMENTO DE INTERESSE PRÓPRIO OU ALHEIO. AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECÍFICO RELATIVO AO DELITO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA. ATRIBUIÇÃO DO MEMBRO DO PARQUET RESPONSÁVEL PELO EXAME DO CRIME SUBSIDIÁRIO.

1.     A divergência reside em definir se houve crime de coação no curso do processo (CP, art. 344) ou ameaça (CP, art. 147), infração de menor potencial ofensivo. O delito contra a administração da Justiça é apenado com reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência, motivo por que não se insere na estrita competência do Juizado Especial Criminal. Tal infração visa à tutela da integridade física e psíquica da autoridade, parte ou pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo ou em juízo arbitral. A conduta típica consiste em usar violência ou grave ameaça, visando favorecer interesse próprio ou de terceiro, contra autoridade, parte ou qualquer pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral. São meios executórios: a) violência contra a pessoa (vias de fato, lesão corporal ou morte), ou, ainda, b) a grave ameaça (promessa séria de inflição de mal grave, justo ou injusto). O elemento subjetivo é o dolo (elemento genérico) e abarca a vontade e a consciência de usar de violência ou grave ameaça contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral. Há, ainda, elemento subjetivo específico, consistente no escopo de favorecer interesse pessoal ou de outrem. Pouco importa, deve-se frisar, a natureza do interesse que se busca privilegiar.

2.     No tocante à ameaça, a sanção cominada é de detenção, de um a seis meses, ou multa; consubstancia, portanto, delito de pequeno potencial ofensivo. Tal infração não foge à característica fundamental dos crimes contra a liberdade pessoal, ou seja, são eminentemente subsidários. Com efeito, há diversas infrações penais que contêm a ameaça como um dos meios executórios possíveis, dentre as quais a coação no curso do processo. O discrimen se dá pelo exame da finalidade especial a que se dirige a conduta do agente.

3.     No caso em tela, como bem asseverou o Douto Suscitado, o depoimento da testemunha já havia se encerrado. De mais a ver, trata-se esta de policial militar, motivo pelo qual não é crível que a suspeita, ao abordá-lo ainda nas dependências do Fórum, pretendesse, com isso, intimidá-lo a ponto de esperar uma modificação na versão fornecida por este. Não se pode presumir esta intenção, sobretudo quando nem o próprio sujeito passivo o indicou. Subsiste, destarte, apenas o delito subsidiário ou famulativo.

Conclusão: conheço do presente conflito para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição compete ao Douto Suscitante.

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado a partir de auto de prisão em flagrante, visando à apuração da prática, em tese, do crime de coação no curso do processo (CP, art. 344), supostamente cometido por (...).

O Douto Promotor de Justiça Criminal, ao receber o procedimento, vislumbrou a prática do delito de ameaça (CP, art. 147), diante da ausência do elemento essencial do delito contra a administração da justiça, ou seja, o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, pugnando, assim, por seu encaminhamento ao Juizado Especial Criminal (fls. 27).

O Ilustre Representante Ministerial que o recebeu, contudo, discordando do posicionamento de seu antecessor, suscitou conflito negativo de atribuições (fls. 31/33).

Eis a síntese do necessário.

 

Preliminarmente

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a presente remessa assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

Pois bem.

 

Dos fatos

Segundo se apurou, no dia 20 de junho de 2011, o policial militar (...) prestou depoimento em feito cujo réu era o irmão da investigada e, encerrada a audiência de instrução, ela o abordou, querendo saber o teor de suas declarações. Como o ofendido se negou a revelá-las, limitando-se a aduzir que afirmara aquilo que consta dos autos, a agente disse-lhe: “aqui dentro não, mas lá fora a gente vai ver” (fls. 07).

O miliciano que o acompanhava, (...), confirmou os fatos (fls. 04).

O pai da indiciada, (...), alegou que sua filha dirigiu as seguintes palavras ao servidor: “aqui dentro você não sabe, mais (sic) lá fora você vai saber”, narrando que ele mesmo falou para a vítima: “muitos policiais falam que você age como um animal” (fls. 06).

(...), em seu interrogatório, mencionou que realmente fez algumas perguntas ao policial acerca de seu depoimento, respondendo ele que não poderia conversar com ela no interior do edifício do Fórum, questionando-lhe, então: “e lá fora?”. Negou, entretanto, sua intenção em ameaçar (...) para beneficiar seu irmão (fls. 09).

 

Do enquadramento legal

A divergência surgida neste procedimento, consoante se antecipou, reside em definir se houve crime de coação no curso do processo (CP, art. 344) ou ameaça (CP, art. 147), infração de menor potencial ofensivo.

O delito contra a administração da Justiça consiste em:

 

“Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral”

 

O fato é apenado com reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência, motivo por que não se insere na estrita competência do Juizado Especial Criminal.

Tal infração visa à tutela da integridade física e psíquica da autoridade, parte ou pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo ou em juízo arbitral.

A conduta típica consiste em usar (utilizar-se de) violência ou grave ameaça, visando favorecer interesse (moral ou material) próprio ou de terceiro, contra autoridade (magistrado, membro  do Ministério Público, delegado de polícia etc.), parte (p. ex., autor, réu, reclamante, reclamado, querelante, querelado, assistente de acusação) ou qualquer pessoa que funciona ou é chamada a intervir (p. ex., jurado, perito, testemunha, vítima etc.) em processo judicial (de qualquer natureza: civil, trabalhista ou penal), policial ou administrativo, ou em juízo arbitral.

Pode-se citar como exemplo o ato do acusado que profere ameaças e promessas de vingança contra juiz durante audiência ou, ainda, o parente do réu que intimida as testemunhas convocadas a depor pela acusação, a fim de que se retratem.

São meios executórios: a) violência contra a pessoa (vias de fato, lesão corporal ou morte), ou, ainda, b) a grave ameaça (promessa séria de inflição de mal grave, justo ou injusto).

O elemento subjetivo é o dolo (elemento genérico) e abarca a vontade e a consciência de usar de violência ou grave ameaça contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral.

Há, ainda, elemento subjetivo específico, consistente no escopo de favorecer interesse pessoal ou de outrem. Pouco importa, deve-se frisar, a natureza do interesse que se busca privilegiar.

No tocante à ameaça, dá-se tal crimen quando o agente:

 

“Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave”

 

A sanção cominada é de detenção, de um a seis meses, ou multa; consubstancia, portanto, delito de pequeno potencial ofensivo.

A ameaça não foge à característica fundamental dos crimes contra a liberdade pessoal, ou seja, são eminentemente subsidários. Com efeito, há diversas infrações penais que contêm a ameaça como um dos meios executórios possíveis, dentre as quais a coação no curso do processo.

O discrimen se dá pelo exame da finalidade especial a que se dirige a conduta do agente.

No caso em tela, como bem asseverou o Douto Suscitado, o depoimento da testemunha já havia se encerrado. De mais a ver, trata-se esta de policial militar, motivo pelo qual não é crível que a suspeita, ao abordá-lo ainda nas dependências do Fórum, pretendesse, com isso, intimidá-lo a ponto de esperar uma modificação na versão fornecida por este.

Não se pode presumir esta intenção, sobretudo quando nem o próprio sujeito passivo o indicou.

Em nosso modo de ver, desta feita, subsiste apenas o delito subsidiário ou famulativo.

 

Conclusão

Diante do exposto, conheço do presente conflito para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição compete ao Douto Suscitante.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designo outro representante ministerial para atuar no feito, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Cumpra-se. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 11 de novembro de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

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