Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 16.683/15

Autos n.º 0003011-07.2012.8.26.0361 - MM. Juízo da 2.ª Vara Criminal da Comarca de Mogi das Cruzes

Suscitante: Promotoria de Justiça Criminal de Mogi das Cruzes

Suscitada: 2.ª Promotoria de Justiça Criminal do Foro Central da Capital

Assunto: definição da atribuição funcional para intervir no procedimento

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CONTROVÉRSIA ACERCA DO FORO COMPETENTE PARA APURAÇÃO DE FURTO QUALIFICADO TENTADO (CP, ART. 155, §4.º, I E IV) E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (CP, ART. 288, CAPUT) OCORRIDOS NA CAPITAL, MAS DESCOBERTOS EM INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA EFETUADA PERANTE O MM. JUÍZO DE MOGI DAS CRUZES. CONHECIMENTO FORTUITO OU SERENDIPIDADE. AUSÊNCIA DE VÍNCULO MATERIAL OU PROCESSUAL ENTRE AS INFRAÇÕES. AVERIGUAÇÃO QUE DEVE SE DAR, PORTANTO, DE MANEIRA DESTACADA.

1.      Cuida-se de inquérito policial instaurado visando à apuração da suposta prática dos delitos de furto qualificado tentado e associação criminosa (CP, art. 155, §4.º, I e IV, c.c. art. 14, II, e art. 288, caput).

2.      Tais ilícitos foram perpetrados na Capital, mas investigados circunstancialmente durante interceptação telefônica realizada em processo em trâmite na Comarca de Mogi das Cruzes. As infrações reveladas, ademais, não se relacionam com os fatos objeto da medida excepcional. Houvesse algum tipo de conexão, justificar-se-ia a reunião de feitos para julgamento conjunto. Não é este, porém, o cenário. O que se tem é a chamada serendipidade ou encontro fortuito, situação na qual se obtém a notícia de outro delito durante a realização de interceptação telefônica destinada a apurar fato diverso, sem que exista entre eles qualquer vínculo material ou processual (CPP, arts. 76 e 77).

Solução: conhece-se deste incidente para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição para oficiar nos autos incumbe ao Ilustre Suscitado.

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado visando à apuração da suposta prática dos delitos de furto qualificado tentado e associação criminosa (CP, art. 155, §4.º, I e IV, c.c. art. 14, II, e art. 288, caput), cometidos, em tese, por (...).

A averiguação teve início na Comarca de Mogi das Cruzes, durante a realização de interceptações telefônicas decretadas pelo MM. Juiz da 2.ª Vara Criminal da Comarca nos autos dos processos n.º 1.251/2011 e 2.617/11, os quais investigavam furto e roubo seguidos de lesão corporal de natureza grave, ocorridos no interior do Fórum da cidade.

A partir daí, identificou-se (...) como autores do furto qualificado tentado pretensamente perpetrado em face do BANCO SANTANDER, em agência situada no Bairro Moóca, nesta Capital.

Durante a colheita de elementos de informação no presente expediente, constatou-se também a participação do policial militar (...) na atividade ilícita.

Encerradas as providências inquisitivas, o Douto Promotor de Justiça oficiante em Mogi das Cruzes, ponderando que não haveria relação entre a infração objeto deste procedimento e aquelas apuradas nas interceptações telefônicas, promoveu a juntada de denúncia oferecida no feito n.º 2.617/11 e postulou o envio do caso à Capital (fls. 276/277).

O Ilustre Representante Ministerial destinatário entendeu que os fatos deveriam ter sido processados na origem, onde integralmente investigados, retornando os autos (fls. 299 e 300).

O Insigne Órgão do Parquet reiterou a manifestação anteriormente apresentada, acrescentando que o procedimento em análise cuida-se de crime tentado, sendo competente para apurá-lo o juízo do lugar em que foi praticado o último ato de execução, ou seja, São Paulo.

Assinalou, destarte, que a circunstância de ter sido a conduta descoberta em conversas captadas mediante interceptações telefônicas autorizadas pelo juízo de Mogi das Cruzes não é bastante para atrair a competência para conduzir a investigação.

Em consequência, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 337/340).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento da questão para análise desta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n.º 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra com o Douto Suscitante, com a máxima vênia do Ilustre Suscitado; senão vejamos.

Conforme preconiza o art. 70, caput, do CPP, o foro competente para a apuração do delito há de ser aquele em que ocorreu a consumação do fato ou, no caso de tentativa, o local onde se realizou o último ato de execução.

Na hipótese sub examen, cuida-se de tentativa de furto qualificado e possível associação criminosa, perpetradas na Capital, apuradas circunstancialmente durante interceptação telefônica realizada em Mogi das Cruzes.

Os ilícitos revelados, pelo que se verificou, não se relacionam com os fatos objeto da medida excepcional.

Houvesse algum tipo de conexão, justificar-se-ia a reunião de processos para julgamento conjunto.

Não é este, porém, o cenário.

O que se tem é a chamada serendipidade ou encontro fortuito, situação na qual se obtém a notícia de outro delito durante a realização de interceptação telefônica destinada a apurar fato diverso, sem que exista entre eles qualquer vínculo material ou processual (CPP, arts. 76 e 77).

Em face do exposto, conhece-se deste incidente para dirimi-lo, declarando incumbir ao Nobre Suscitado o dever de atuar no caso.

Revela-se desnecessária, outrossim, a designação de outro Representante Ministerial para oficiar em seu lugar.

Isto porque, como ensina PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN, em conflitos de atribuição decididos pelo Procurador-Geral de Justiça:

 

“a exclusão de ambos (os Promotores de Justiça em litígio) só pode se dar em caráter excepcional, porque essa modalidade de controvérsia pressupõe, de ordinário, que a atuação caiba a uma das autoridades em dissídio. (...). É evidente que a livre convicção do promotor natural deve ser preservada, mas não ao custo de subtrair-lhe o caso em que lhe cabe atuar, pois o dever de agir, que porventura tenha, é irrenunciável, intransferível e insuscetível de ser eliminado por interpretação unilateral do órgão ao qual toca satisfazê-lo. (...). Somente há incompatibilidade com o desempenho funcional – e, portanto, inconveniência para a sociedade – se o pronunciamento anterior, na sua essência, traduz uma promoção de arquivamento ou envolve uma antecipada afirmação de que a demanda é inviável” (Regime Jurídico do Ministério Público no Processo Penal, São Paulo, Editora Verbatim, 2009, pág. 155; parêntese nosso).

 

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 04 de fevereiro de 2015.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

/aeal