Conflito Negativo de Atribuição

 

Processo n.º 169.798.0/4-00 (TJSP)

Indiciado: (...)

Suscitante: Promotoria de Justiça Criminal de Piracicaba

Suscitada: Promotoria de Justiça Criminal de Americana

Assunto: fixação de atribuição para atuar em inquérito relativo a crime patrimonial

 

 

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CRIME DE FURTO (CP, ART. 155) OU RECEPTAÇÃO (CP, ART. 180). AGENTE QUE FOI SURPREENDIDO POUCO TEMPO APÓS A SUBTRAÇÃO COM O AUTOMÓVEL. POLICIAIS REVELAM QUE O SUJEITO ADMITIU TER SIDO CONTRATADO PARA LEVAR O BEM PARA OUTRO ESTADO. PARTICIPAÇÃO NO FURTO. FORO COMPETENTE: LOCAL DA CONSUMAÇÃO NO FURTUM.

1. Na hipótese dos autos, o indiciado foi surpreendido por policiais militares junto ao veículo automotor recém subtraído. O automóvel encontrava-se com o miolo da fechadura da porta arrombado e com módulo para ignição instalado no contato (dispositivo que permite acionar o motor sem o uso da chave). O suspeito, por outro lado, possuía diversas chaves mixa, um aparelho “NEXTEL” e outros petrechos relacionados com a prática de crimes patrimoniais.

2.  De acordo com o depoimento prestado pelos milicianos, o investigado aduziu que o veículo fora furtado por outra pessoa, na Comarca de Piracicaba, e declarou ter sido “contratado” por desconhecido para levar o bem a outro Estado da Federação.

3. Muito embora não haja elementos objetivos que apontem o envolvimento do indiciado nos atos materiais do crime do art. 155 do Código Penal, denota-se claramente que ele estava, desde o início, conluiado com outros indivíduos, notadamente os furtadores, tudo a indicar ser integrante de grupo especializado no cometimento de semelhantes infrações patrimoniais.

4. Como ensina DAMÁSIO DE JESUS, qualquer pessoa pode figurar como sujeito ativo do crime de receptação, “salvo o autor, co-autor ou partícipe do delito antecedente” (Direito Penal. Parte Especial. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2009. pág. 498). CÉZAR BITENCOURT preleciona que todos, menos os envolvidos com o crime anterior, podem figurar como autores da infração penal descrita no art. 180 do CP, arrematando que: “A receptação para eventual participante do crime antecedente (como autor ou partícipe) constitui pós-fato impunível” (Tratado de Direito Penal. Parte Especial, vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2008. pág. 307).

5. Tratando-se, portanto, de furto o delito praticado, é forçoso concluir que a competência territorial dá-se junto ao local da subtração.

Solução: conflito dirimido para declarar que a atribuição incumbe ao i. Suscitante.

 

 

 

Cuida-se o presente de conflito negativo de atribuição entre os Promotores de Justiça Criminais de Piracicaba e Americana, que divergem acerca do foro competente para apuração de crime contra o patrimônio, que teria sido perpetrado, em tese, por (...).

Cumpre notar que, inicialmente, o expediente tramitou como se fora conflito negativo de competência, tendo sido encaminhado ao Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual decidiu, por meio de venerando acórdão de fls. 123/126, que a hipótese refletia questão a ser dirimida no âmbito da Procuradoria Geral de Justiça.

É o relatório.

O feito iniciou-se com auto de prisão em flagrante, porque policiais militares, no dia 07 de agosto de 2008, ao realizarem patrulhamento na Rua das Açucenas, Cidade Jardim, Americana, avistaram o investigado encostado junto à porta de um veículo estacionado, marca “FIAT”, modelo “PALIO”, de placas “EDH-5183”.

Quando da aproximação, o agente se evadiu, motivo pelo qual os milicianos resolveram abordá-lo, encontrando com ele um jogo de chaves mixa, contendo vinte peças, um aparelho “NEXTEL”, além de outros petrechos.

Constataram também que a porta do lado do motorista encontrava-se sem o miolo, e no interior do carro localizaram um artefato manual utilizado para a abertura de portas, bem como um módulo para ignição no contato (cuja finalidade é permitir o acionamento do motor sem a utilização da chave).

Inquirido a respeito, o investigado aduziu que o veículo fora furtado por outra pessoa, na Comarca de Piracicaba. Declarou, ainda, que fora “contratado” por uma pessoa que não conhece pela quantia de três mil reais, apenas para levá-lo para a cidade de Poços de Caldas, no Estado de Minas Gerais.

Os agentes públicos consultaram a placa do automóvel e, como não obtiveram qualquer resultado, entraram em contato com o proprietário, (...), residente na Rua Gastão Vidigal, n. 23, Vila Monteiro, Piracicaba; este, até o momento, não havia se dado conta da subtração.

Os depoimentos encontram-se a fls. 04/05, 06/07 e 76.

Eis os fatos.

A solução da controvérsia demanda que se defina qual a infração penal possível de se atribuir ao agente: furto ou receptação.

Pois bem. A proximidade temporal entre a subtração e a localização do bem, assim como a natureza dos objetos encontrados em poder do agente, indicam que o crime é mesmo de furto.

É preciso esclarecer que não há elementos objetivos que apontem o envolvimento do indiciado nos atos materiais do crime do art. 155 do Código Penal. Ocorre, todavia, que a narrativa por ele prestada informalmente aos policiais, quando de sua prisão, denota claramente que estava, desde o início, conluiado com outros indivíduos.

Aliás, o que se pode perceber, é que se trata de pessoa integrante de grupo especializado no cometimento de semelhantes infrações, sendo ele o responsável por alterar os dispositivos mecânicos do veículo, permitindo sua condução a outro Estado onde, aí sim, será entregue ao receptador.

Insta frisar, o fato de não ter o agente atuado na execução do furto não o isenta de responsabilidade por tal crime, vez que contratado adredemente para exercer seu mister na atividade delitiva.

Calha lembrar que o partícipe do furto não pode ser, ao mesmo tempo, autor da receptação. A imputação por tais ilícitos, como se sabe, é reciprocamente excludente.

Como ensina DAMÁSIO DE JESUS, qualquer pessoa pode figurar como sujeito ativo do crime de receptação, “salvo o autor, co-autor ou partícipe do delito antecedente” (Direito Penal. Parte Especial. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2009. pág. 498). CÉZAR BITENCOURT preleciona que todos, menos os envolvidos com o crime anterior, podem figurar como autores da infração penal descrita no art. 180 do CP, arrematando que: “A receptação para eventual participante do crime antecedente (como autor ou partícipe) constitui pós-fato impunível” (Tratado de Direito Penal. Parte Especial, vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2008. pág. 307).

Concluindo-se, então, pela ocorrência do crime de furto, para o qual o agente concorreu, deve-se verificar o local da consumação deste delito.

A informação prestada pelo sujeito passivo, revelando que o automóvel se encontrava em sua residência, permite concluir, sem qualquer dúvida, que o locus commissi delicti é a Comarca de Piracicaba, motivo por que a responsabilidade de oficiar nos autos incumbe ao i. Suscitante.

Diante do exposto, dirimo o presente conflito para declarar que a atribuição de oficiar nos autos incumbe ao Promotor de Justiça de Piracicaba.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designo outro representante ministerial para oferecer denúncia e prosseguir nos ulteriores termos da ação penal a ser instaurada.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria.

 

São Paulo, 28 de julho de 2009.

 

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

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