Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 170.747/13

Autos n.º 2.644/13 e IPM n.º 60.748/11 – MM. Juízo da 1.ª Vara do Júri do Foro Central da Capital

Suscitante: Promotoria de Justiça do I Tribunal do Júri da Capital

Suscitado: 1.º Promotor de Justiça Militar da Capital

Assunto: divergência a respeito do enquadramento legal dos fatos com reflexo na atribuição funcional

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. DIVERGÊNCIA ACERCA DO ENQUADRAMENTO LEGAL. TENTATIVA DE HOMICÍDIO OU LESÃO CORPORAL DOLOSA CONSUMADA. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA (CP, ART. 15). CAUSA DE EXCLUSÃO DA ADEQUAÇÃO TÍPICA DO DELITO TENTADO DEVIDAMENTE CONFIGURADA. POLICIAIS QUE, APÓS EFETUAREM O DISPARO, VIABILIZARAM O SOCORRO EFICAZ AO ATINGIDO. INEXISTÊNCIA, PORTANTO, DE CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. INCUMBÊNCIA DO PROMOTOR DE JUSTIÇA MILITAR PARA FORMAR A OPINIÃO DELITIVA. CONFLITO DIRIMIDO NO SENTIDO DE ATRIBUIR AO DOUTO SUSCITADO O DEVER DE OFICIAR NOS AUTOS.

1. Cuida-se de investigações penais instauradas para investigar a conduta de milicianos que, em perseguição ao agente, o qual se evadiu quando recebeu a ordem de parada, efetuaram contra ele disparo de arma de fogo, tão logo o viram levar a mão à cintura, fazendo possível menção de sacar instrumento bélico.

2. Os policiais, logo após o atingirem, acionaram o resgate, comparecendo este ao local. O sujeito foi devidamente socorrido e, por força desta postura, sobreviveu.

3. Configura-se nos autos, em tese, a figura da desistência voluntária, prevista no art. 15 do CP. Desse modo, mesmo se fosse possível atribuir aos investigados – inicialmente – um crime doloso contra a vida, a título, quando muito, de dolus eventualis, os demais atos afastam semelhante conclusão.

4. O feito, assim, deve permanecer sob os cuidados da Promotoria de Justiça Militar. Não se aplica à espécie, destarte, o disposto no art. 125, §4.º, da CF.

Solução: conhece-se do conflito para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição para intervir nos autos recai sobre o Douto Suscitado.

 

 

Cuida-se o presente de conflito negativo de atribuição suscitado pela Promotora de Justiça do I Tribunal do Júri da Comarca da Capital em face do 1.º Promotor de Justiça Militar.

Verifica-se nos autos que o Douto Representante do Ministério Público oficiante na esfera da Justiça Castrense requereu o envio do inquérito policial ao Juízo Popular, pois considerou praticado, em tese, crime doloso contra a vida por parte de militar em face de civil (fl. 138 do IPM n.º 60.748/11).

O Nobre Membro do Parquet que o recebeu, porém, não vislumbrou ânimo homicida na conduta dos agentes públicos e ponderou que a eventual incidência de alguma excludente de ilicitude deveria ser avaliada pela Justiça Militar; em consequência, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 226/228 do procedimento n.º 2.644/13).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o encaminhamento do expediente a esta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra com a Douta Suscitante, com a máxima vênia do Ilustre Suscitado.

Consoante se depreende dos elementos de informação coligidos, os policiais militares (...), (...) e (...), no dia 22 de dezembro de 2010, avistaram em um posto de gasolina um indivíduo, o qual, ao notar a aproximação da viatura, empreendeu fuga dirigindo motocicleta.

Os milicianos o seguiram e o biciclo parou. Eles, então, deram ordem ao condutor para levantar os braços e descer da moto, mas o suspeito levou uma das mãos à cintura.

Os servidores entenderam que fazia menção de sacar arma de fogo e (...) e (...) deflagraram um tiro cada, atingindo a vítima; a partir daí, acionaram o SAMU, que a socorreu.

Com o ferido, não obstante, não foi encontrado nenhum instrumento bélico.

Posteriormente, constatou-se que a motocicleta era um veículo “dublê” e pertenceria ao também policial militar (...), de quem foi roubada no dia 09 de maio de 2010 (fls. 58 e 114/119 do feito principal, fls. 04/07, 33 e 45 do expediente apenso).

As testemunhas ouvidas não presenciaram os fatos (fls. 26, 27 e 129 destes autos, fls. 08, 67/68 do anexo).

O sujeito passivo, (...), chegou a ser auscultado no Inquérito Policial Militar, ofertando sua versão (fls. 25/26).

Neste procedimento, encartou-se cópia do exame de ultrassonografia efetivado na vítima e do relatório médico (fls. 124/125).

O Cap. PM – Oficial Encarregado apresentou relatório, concluindo pelo cometimento, em tese, de crime militar pelos indiciados, mas sua atuação encontraria amparo em causas de excludentes de ilicitude (legítima defesa e estrito cumprimento do dever legal), não restando perpetrada, destarte, transgressão disciplinar (fls. 47/55), solução com a qual concordou o Major PM Comandante Interino (fls. 56/59).

 Posteriormente, (...), genitora de (...), noticiou seu falecimento, ocorrido no dia 23 de setembro de 2012, asseverando que ele, transitando na rua, caiu no chão. Populares o acudiram, mas ele chegou já morto no hospital (fl. 180).

Na certidão de óbito, não obstante, consta causa da morte indeterminada (181), não sendo por ora esclarecida.

Nota-se, portanto, da breve síntese exposta, que mesmo se fosse possível atribuir a (...) e (...) – inicialmente – um crime doloso contra a vida, a título, quando muito, de dolus eventualis, os demais atos afastam semelhante conclusão, podendo se cogitar, inclusive e ad argumentandum tantum, de desistência voluntária (CP, art. 15).

O feito, assim, deve permanecer sob os cuidados da Promotoria de Justiça Militar.

Não se aplica à espécie, destarte, o disposto no art. 125, §4.º, da CF.

Diante do exposto, conhece-se deste incidente para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição para intervir nos autos recai sobre o Douto Suscitado.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, já que a presente decisão colide com sua opinio delicti, designo outro representante ministerial para oficiar na causa, requerendo o que de direito.

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 07 de novembro de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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