Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 17.348/16

Autos n.º 0029276-72.2015.8.26.0577 – MM. Juízo do DIPO 3 (Comarca da Capital)

Suscitante: 8.º Promotor de Justiça de São José dos Campos

Suscitado: 20.º Promotor de Justiça de São José dos Campos

Assunto: divergência acerca do correto enquadramento dos fatos, com reflexo na atribuição funcional

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO OU LESÃO CORPORAL DOLOSA. INDICIADO QUE EFETUOU GOLPE COM INSTRUMENTO PÉRFURO-CORTANTE (“FACÃO”) NA CABEÇA DE SUA IRMÃ, SOMENTE NÃO PROSSEGUINDO NA EXECUÇÃO PORQUE A OFENDIDA SE DEFENDEU EFICAZMENTE E UMA TESTEMUNHA CONSEGUIU SEPARÁ-LOS. PROPÓSITO CONFIRMADO POSTERIORMENTE QUANDO O AUTOR,  DEPOIS DE CONTIDO POR POLICIAIS, BRADOU INSISTENTEMENTE QUE PRETENDIA MATÁ-LA.  “ANIMUS NECANDI” SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADO PARA EFEITO DE IMPUTAÇÃO PREAMBULAR. ATRIBUIÇÃO DO PROMOTOR DE JUSTIÇA DO TRIBUNAL DO JÚRI.

1.      A controvérsia estabelecida no feito em testilha não diz respeito à dinâmica do fato, mas à identificação do “animus necandi” na conduta do increpado.

 

2.      Pelo que se apurou, os sujeitos ativo e passivo são irmãos e o increpado encontrava-se com seu ânimo alterado devido ao consumo de bebidas alcóolicas, quando passou a discutir verbalmente com a vítima, chegando a arremessar um prato contra seu rosto. O agente se retirou momentaneamente e retornou munido de um facão, com o qual desfechou violento golpe na região encefálica da ofendida, que, em sua defesa, reagiu e também o golpeou na cabeça. Uma testemunha conseguiu separá-los e a Polícia Militar foi acionada, efetivando a prisão em flagrante.

3.      De ressaltar-se que o indiciado, enquanto permanecia sob observação no nosocômio, uma vez que ostentava ferimentos, pois foi contido em sua ânsia agressiva por terceiro, bradou repetidamente que pretendia matar a vítima, confirmando seu propósito homicida.

4.      Os autos contêm, destarte, base suficiente para se imputar ao agente um homicídio tentado, valendo ressaltar que nesta fase da persecução penal eventuais dúvidas acerca do elemento subjetivo, se existentes, devem ser dirimidas em favor da sociedade, na esteira do entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. JUSTIÇA MILITAR E JUSTIÇA COMUM. FUNDADA DÚVIDA QUANTO AO ELEMENTO SUBJETIVO DO HOMICÍDIO DOLOSO. DISPARO DE ARMA DE FOGO NA DIREÇÃO DO VEÍCULO DA VÍTIMA. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO SOCIETATE”. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. 1. Os crimes dolosos contra a vida cometidos por militar contra civil, mesmo que no desempenho de suas atividades, serão da competência da Justiça comum (Tribunal do Júri), nos termos do art. 9.º, parágrafo único, do Código Penal Militar. 2. No caso, somente com a análise aprofundada de todo o conjunto probatório a ser produzido durante a instrução criminal será possível identificar, categoricamente, a intenção do militar ao efetuar o disparo de arma de fogo no carro da vítima. Havendo fundada dúvida quanto ao elemento subjetivo, o feito deve tramitar na Justiça Comum, por força do princípio in dubio pro societate. Precedentes. 3. Conflito negativo de competência conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara de Caldas/MG (suscitado)” (CC 129.497/MG, Rel. Ministro ERICSON MARANHO – DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP, 3.ª SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe de 16/10/2014)

5.      Nada obsta, por óbvio, que durante a instrução criminal, sob o crivo do contraditório, outras provas possam modificar o quadro que até o momento se anteviu.

 

Solução: designa-se outro promotor de justiça para oferecer a peça inaugural, bem como para prosseguir no feito em seus ulteriores termos.

 

 

 

Cuida-se de investigação penal instaurada visando à apuração da conduta de (...), o qual, de posse de um instrumento pérfuro-cortante (“facão”), vibrou golpes contra a cabeça de (...), provocando-lhe lesões corporais.

Os fatos se deram no dia 22 de novembro de 2015, por volta das 13 horas e 30 minutos, no interior da residência situada na Rua Guimarães Passos, n.º 77, Vila Sinha, na Comarca de São José dos Campos.

Pelo que se apurou, os sujeitos ativo e passivo são irmãos e o increpado encontrava-se com seu ânimo alterado devido ao consumo de bebidas alcóolicas, quando passou a discutir verbalmente com a vítima, chegando a arremessar contra ela um prato.

O agente se retirou momentaneamente e retornou munido de um facão, com o qual desfechou violento golpe na região encefálica da ofendida, que, em sua defesa, reagiu e também o golpeou na cabeça.

Uma testemunha conseguiu separá-los e a Polícia Militar foi acionada, efetivando a prisão em flagrante.

De ressaltar-se que o indiciado, enquanto permanecia sob observação no nosocômio, uma vez que ostentava ferimentos, pois foi contido em sua ânsia agressiva por terceiros, bradou repetidamente que pretendia matar a vítima (fls. 03 e 04).

Concluídas as providências de polícia judiciária, o Douto Promotor de Justiça atuante na Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher reconheceu ter o sujeito operado com animus necandi, motivo por que postulou o envio do caso ao Tribunal Popular (fls. 39/40).

Os autos foram encaminhados ao juízo citado, tendo o respectivo Membro do Parquet asseverado que a conduta investigada não denotava o elemento subjetivo inerente ao crime doloso contra a vida, razão pela qual suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 48/49).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento da questão para análise desta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n.º 734/93.

Encontra-se configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra com o Douto Suscitado, com a máxima vênia do Ilustre Suscitante; senão, vejamos.

A controvérsia estabelecida no feito em testilha reside em identificar a presença do animus occidendi.

Nota-se, do exame das manifestações ministeriais, que não há divergência quanto à dinâmica dos fatos; em especial, a sede do ferimento sofrido por (...).

De ver, nesse sentido, que o autor, depois de ter arremessado um prato contra o rosto de sua irmã, brevemente se afastou e retornou ao local com um facão, utilizando-o para desferir o golpe que a atingiu na região encefálica.

Nesse momento, a ofendida procurou reagir em defesa própria e uma testemunha conseguiu separá-los.

Muito embora não haja, por ora, laudo pericial na vítima acostado nos autos, a sede do ferimento resultou incontroversa pelas declarações colhidas.

Quanto ao elemento subjetivo, foram elucidativas as palavras dos policiais responsáveis pela prisão de (...), os quais declararam que ele insistentemente dizia que pretendia matá-la.

Daí se vê que o agente deu início à execução de um homicídio, que não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade.

Acrescente-se que na existência de dúvidas nesta fase da persecução penal acerca do elemento subjetivo, estas devem ser dirimidas em favor da sociedade, na esteira do entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. JUSTIÇA MILITAR E JUSTIÇA COMUM. FUNDADA DÚVIDA QUANTO AO ELEMENTO SUBJETIVO DO HOMICÍDIO DOLOSO. DISPARO DE ARMA DE FOGO NA DIREÇÃO DO VEÍCULO DA VÍTIMA. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO SOCIETATE”. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL.

- Os crimes dolosos contra a vida cometidos por militar contra civil, mesmo que no desempenho de suas atividades, serão da competência da Justiça comum (Tribunal do Júri), nos termos do art. 9.º, parágrafo único, do Código Penal Militar.

- No caso, somente com a análise aprofundada de todo o conjunto probatório a ser produzido durante a instrução criminal será possível identificar, categoricamente, a intenção do militar ao efetuar o disparo de arma de fogo no carro da vítima. Havendo fundada dúvida quanto ao elemento subjetivo, o feito deve tramitar na Justiça Comum, por força do princípio in dubio pro societate.

Precedentes.

Conflito negativo de competência conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara de Caldas/MG (suscitado)”.

(CC 129.497/MG, Rel. Ministro ERICSON MARANHO – DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP, 3.ª SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe de 16/10/2014)

 

Nada obsta, por óbvio, que durante a instrução criminal, sob o crivo do contraditório, outras provas possam modificar o quadro que até o momento se anteviu.

Diante do exposto, conhece-se da presente remessa, determinando-se que a atribuição para oficiar nos autos e formar a opinião delitiva compete ao Douto Promotor do Júri.

Para preservação de sua independência funcional, determina-se seja outro membro ministerial designado para prosseguir neste feito, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n.º 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 05 de fevereiro de 2016.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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