Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 185.276/14

Autos n.º 0043217.18.2014 – MM. Juízo da 6.ª Vara Criminal da Comarca de Guarulhos

Suscitante: Promotoria de Justiça Criminal de Guarulhos

Suscitada: Promotoria de Justiça do Tribunal do Júri de Guarulhos

Assunto: definição do correto enquadramento dos fatos, com reflexo na atribuição funcional

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. DIVERGÊNCIA ACERCA DA CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS COM REFLEXO NA ATRIBUIÇÃO FUNCIONAL. TENTATIVA DE LATROCÍNIO (CP, ART. 157, §3º, PARTE FINAL, C.C. ART. 14, INC. II) OU ROUBO MAJORADO TENTADO EM CONCURSO MATERIAL COM TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (CP, ART. 121, §2º, INC. V, C.C. ART. 14, INC. II). SUSPEITO QUE, PORTANDO ARMA DE FOGO E SE FAZENDO ACOMPANHAR DE TERCEIRO, ABORDA O OFENDIDO, O QUAL REAGE, IMPEDINDO A SUBTRAÇÃO DE SEUS BENS. NA FUGA, O INDICIADO ATIRA CONTRA O SUJEITO PASSIVO, QUE REAGE EM LEGÍTIMA DEFESA. DISPAROS NÃO RELACIONADOS COM QUALQUER VIOLÊNCIA LIGADA À TOMADA DOS OBJETOS, A QUAL SE VIU COMPLETAMENTE FRUSTRADA PELA ATITUDE DA VÍTIMA. TENTATIVA DE HOMICÍDIO CONFIGURADA. ATRIBUIÇÃO DA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DO TRIBUNAL DO JÚRI.

1.      A controvérsia consiste em saber se o indiciado, ao disparar contra a vítima do roubo tentado quando já em fuga, cometeu o delito autônomo de tentativa de homicídio ou, pelo contrário, deu ensejo à figura qualificada do crime patrimonial prevista no art. 157, §3.º, parte final (na forma tentada).

2.      Dá-se o latrocínio consumado quando se verifica a morte do ofendido como desdobramento da violência empregada na consecução do roubo. A tentativa, por seu turno, requer que da vis absoluta perpetrada durante a subtração se pratique comportamento destinado a ceifar a vida do sujeito passivo.

3.      No feito em tela, os disparos foram efetuados pelo agente depois de frustrada completamente a tomada de bens da vítima. Aqueles, portanto, não estavam de qualquer modo vinculados à subtração patrimonial.

4.      Descabe falar, ademais, em latrocínio como desdobramento de um roubo impróprio, posto que, neste caso, se faria necessária a efetiva subtração de coisas materiais, hipótese aqui ausente.

5.      Subsiste, portanto, o concurso material entre o roubo majorado tentado e o homicídio qualificado tentado.

Solução: conhece-se do presente conflito para declarar que a atribuição para formar a opinião delitiva incumbe ao Douto Promotor do Júri, designando-se outro representante ministerial para atuar no feito, devendo nele prosseguir até seus ulteriores termos.

 

Cuida-se de investigação penal instaurada a partir da lavratura de auto de prisão em flagrante, visando à apuração das condutas supostamente praticadas por (...).

Isto porque, no dia 05 de novembro de 2014, o policial militar (...) parou o veículo que conduzia, momento em que um indivíduo, portando arma de fogo e aparentando nervosismo, bateu no vidro gritando: “perdeu, perdeu”.

A vítima pediu calma ao suspeito, mas diante da reiteração de sua conduta, e temendo sofrer agressão, sem abrir os vidros disparou dois tiros.

O sujeito saiu correndo, e (...) desceu do automóvel, visualizando o increpado se evadir na companhia de dois comparsas.

O indivíduo que portava o instrumento bélico deflagrou mais dois projéteis e o ofendido reagiu atirando.

Em seguida, o servidor se retirou do local, pois próximo a uma favela, e acionou a Polícia Militar.

Após, constatou-se o ingresso de duas pessoas feridas por arma de fogo no Hospital (...), para onde os agentes públicos se dirigiram, e a vítima reconheceu (...) como dois dos autores da tentativa de roubo, motivo pelo qual foram presos em flagrante.

Os depoimentos encontram-se a fls. 03/04 e 06/09.

Em seus interrogatórios, os indiciados permaneceram em silêncio (fls. 11 e 12).

(...), irmã de (...), aduziu que foi buscá-lo no nosocômio porque estava lotado e o levaria a outro hospital, sendo, então, abordados pelos milicianos, tomando conhecimento de sua eventual participação em prática ilícita (fl. 10).

No feito apenso, o Douto Promotor de Justiça oficiante perante o Tribunal Popular postulou o arquivamento do procedimento com relação a (...), ponderando que seu comportamento foi acobertado pela legítima defesa real, e a conversão da prisão em flagrante em preventiva.

Requereu, também, o envio do expediente a uma das Varas Criminais, porquanto não vislumbrou perpetrado crime doloso contra a vida (fls. 42/44).

Nos autos principais, o Ilustre Representante Ministerial reiterou o pedido de arquivamento parcial do caso e os demais termos de sua manifestação anterior (fl. 57), com o que concordou o MM. Juiz (fl. 59).

O Insigne Órgão do Parquet destinatário, porém, discordou de seu antecessor, pois, em sua ótica, (...) disparou na direção de (...) quando já em fuga, descaracterizando o latrocínio, tipo penal que exige a perpetração da violência logo após a subtração da coisa, o que não ocorreu na causa em testilha.

Entendendo configurados, assim, os delitos de roubo agravado tentado (CP, art. 157, §2.º, I e II, c.c. art. 14, II) e tentativa de homicídio qualificado (CP, art. 121, §2.º, V, c.c. art. 14, II), em concurso material (CP, art. 69, caput), suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 74/77).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento da questão para análise desta Chefia Institucional assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n.º 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso; assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de oficiar nos autos.

Pois bem.

A razão se encontra com a Ilustre Suscitante, com a máxima vênia do Douto Suscitado; senão, vejamos.

A controvérsia consiste em saber se (...), ao disparar contra a vítima do roubo estando já em fuga, cometeu o delito autônomo de tentativa de homicídio ou, pelo contrário, deu ensejo à figura qualificada do crime patrimonial prevista no art. 157, §3.º, parte final (na forma tentada).

Dá-se o latrocínio consumado quando se verifica a morte do ofendido como desdobramento da violência empregada na consecução do roubo. A tentativa, por seu turno, requer que da vis absoluta perpetrada durante a subtração se pratique comportamento destinado a ceifar a vida do sujeito passivo.

No feito em tela, os disparos foram efetuados pelo agente depois de frustrada completamente a tomada de bens do ofendido. Aqueles, portanto, não estavam de qualquer modo vinculados à subtração patrimonial.

Descabe falar, ademais, em latrocínio como desdobramento de um roubo impróprio, posto que, neste caso, se faria necessária a efetiva subtração de coisas materiais, hipótese aqui ausente.

Subsiste, portanto, o concurso material entre o roubo majorado tentado e o homicídio qualificado tentado.

A atribuição para intervir no feito e formar a opinião delitiva, portanto, compete ao Douto Suscitado.

Nada obsta, por óbvio, que durante a instrução criminal, sob o crivo do contraditório, outras provas possam modificar o quadro que até o momento se anteviu.

Conhece-se, portanto, deste incidente para dirimi-lo, declarando que a atribuição para oficiar no feito incumbe ao Ilustre Membro Ministerial em exercício junto ao Tribunal Popular.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designo outro Representante Ministerial para atuar nos autos, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n.º 302 PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n.º 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria designando-se o substituto automático. Publique-se a ementa.

São Paulo, 03 de dezembro de 2014.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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