Conflito Negativo de Atribuições

 

Protocolado nº 20.352/09

Inquérito Policial nº 22/08 – MM. Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Mogi das Cruzes

Indiciados: (...) e OUTROS

Suscitante: 9º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes

Suscitado: Promotor de Justiça de Brás Cubas (em exercício)

 

Ementa: Conflito negativo de atribuições. Crime de apropriação indébita (CP, art. 168). Foro competente. Local da prática de ato indicativo da inversão do ânimo da posse.

1.      O crime de apropriação indébita qualifica-se, doutrinariamente, como delito material, motivo pelo qual seu momento consumativo dá-se com a inversão do ânimo da posse (animus rem sibi habendi). Como se trata de atitude interna (i.e., subjetiva), sua demonstração encontra-se indissociavelmente vinculada ao ato material que a indique.

2.      O foro competente há de ser, portanto, nos termos do art. 70 do CPP, o local em que se praticou o ato (material) de disposição.

3.      Quando se tratar de apropriação indébita propriamente dita (caso dos autos), o foro competente será aquele em que se realizou o ato de disposição ou outra atitude que só o dominus poderia levar a efeito.

Solução: conflito dirimido para declarar a atribuição do i. Suscitado.

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar crime de apropriação indébita cometido, em tese, por representantes de um escritório de contabilidade, os quais receberam valores pagos por cliente para efetuar o recolhimento de tributos, mas deixaram de fazê-lo, apropriando-se do montante correspondente.

O procedimento tramitou perante a MM. 1ª Vara Criminal da Comarca de Mogi das Cruzes, tendo a diligente Promotora de Justiça declinado de sua atribuição, por entender que o fato consumara-se nos limites territoriais do Foro Distrital de Brás Cubas (fls. 514/515).

O i. Promotor de Justiça em exercício na MM. Vara Distrital de Brás Cubas, de sua parte, postulou o retorno dos autos à origem, uma vez que, segundo lhe pareceu, a consumação ocorrera no local do recebimento dos valores por representantes do escritório de contabilidade, isto é, em Mogi das Cruzes (fls. 519).

Com o retorno do feito à Comarca de Mogi das Cruzes, coube à d. Promotora de Justiça oficiante suscitar o presente conflito negativo de atribuição (fls. 526/532).

É o relatório.

A questão central a ser analisada no presente protocolado consiste em estabelecer o critério decisivo para determinar o foro competente para apuração do crime de apropriação indébita.

         Tal delito, como se sabe, consuma-se no momento da inversão do ânimo da posse. Significa dizer que a realização integral típica depende, em primeiro lugar, de uma atitude interna, de natureza psicológica, consistente em passar a deter a res em seu nome, como se dominus fosse.

A demonstração do exato momento em que se dá o animus rem sibi habendi é impossível de se determinar. Esta postura psíquica somente poderá ser cabalmente caracterizada quando o agente realizar algum ato material indicativo de sua intenção.

         Em razão disso, deve-se diferenciar qual a modalidade de apropriação indébita cometida (negativa de restituição ou apropriação indébita propriamente dita).

Quando se tratar da chamada “negativa de restituição”, isto é, quando o agente se recusa a restituir o bem no momento avençado, a consumação dá-se neste exato momento, pois indica, com segurança, ato material revelador do animus inerente à infração penal em questão.

Na hipótese de “apropriação propriamente dita”, a qual se verifica quando o agente pratica ato de disposição que só o dono poderia realizar, como, por exemplo, a venda ou permuta do objeto, a consumação ocorre com a prática desse ato, que torna inequívoca a inversão de ânimo do sujeito ativo.

In casu, pode-se dizer que a atitude inequivocamente configuradora do ato de disposição deu-se com a falsificação das guias, ou seja, quando os representantes do escritório de contabilidade, na cidade de Brás Cubas, se apropriaram dos valores e elaboraram os falsos comprovantes de recolhimento. Eis o locus commissi delicti.

         Diante do exposto, dirimo o presente conflito declarando competir a atribuição ao i. Suscitado. Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designo outro promotor de justiça para se manifestar nos autos, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria.

Publique-se a ementa.

Ressalve-se, por fim, tendo em vista que a manifestação foi elaborada por Promotor de Justiça substituto, que a designação tornar-se-á sem efeito caso seja outro o membro do Ministério Público em exercício no cargo quando da remessa destes autos ao foro competente.

 

São Paulo, 16 de fevereiro de 2009.

 

                        Fernando Grella Vieira

                        Procurador-Geral de Justiça

 

 

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