Conflito Negativo de Atribuição

 

 

Protocolado n.º 21.127/10

Inquérito Policial n.º 636/2009 – MM. Juízo da 1ª Vara Judicial da Comarca de Osvaldo Cruz

Suscitante: Promotoria de Justiça Criminal de Osvaldo Cruz

Suscitada: Promotoria de Justiça Criminal de Presidente Venceslau

Assunto: foro competente para apuração de delito de sonegação fiscal

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (LEI N. 8.137/90). FORO COMPETENTE (CPP, ART. 70, CAPUT). MOMENTO CONSUMATIVO QUE SE DÁ COM A INSCRIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO FISCAL POR MEIO DO LANÇAMENTO (SÚMULA VINCULANTE N. 24 DO STF), E, ADEMAIS, APONTA QUAL O TERRITÓRIO JURISDICIONAL EM QUE DEVE SER AJUIZADA EVENTUAL AÇÃO PENAL.

1.                 O Supremo Tribunal Federal, desde o julgamento proferido no Habeas Corpus n. 81.611, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, firmou entendimento no sentido de que a consumação do delito previsto no art. 1.º da Lei n. 8.137/90 dá-se, tão somente, com a inscrição definitiva do crédito fiscal por meio do lançamento, o que pressupõe o esgotamento da instância administrativa. Não se trata de simples condição de procedibilidade para a propositura da ação penal, mas de requisito necessário para a realização integral típica, de vez que se trata de infração que exige resultado naturalístico.

2.                 A definição exata do momento consumativo, atualmente prevista em Súmula Vinculante (24) editada pela Suprema Corte (“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1.º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”), traz consigo diversas consequências, das quais se destaca o termo a quo do prazo da prescrição da pretensão punitiva e a fixação do locus commissi delicti.

3.                 O foro competente, portanto, há de ser o do local em que, esgotando-se as instâncias administrativas para discussão da dívida tributária, ocorreu o lançamento definitivo do crédito fiscal.

Solução: conflito dirimido para declarar que a atribuição incumbe ao Douto Suscitado.

 

O presente inquérito policial foi instaurado para apurar suposto crime contra a ordem tributária, cometido, em tese, por (...)

Isto porque, no dia 23 de março de 2005, foi lavrado o AIIM n. 3.033.837 (fls. 08), tendo em conta que, no período compreendido entre 10 e 14/05/2004, restou constatado que o caminhão furgão, de placas “HQG-7534”, de propriedade do investigado, transportou mercadorias (carne bovina), acompanhadas de notas fiscais inidôneas, emitidas pela empresa denominada (...), que se encontra em situação irregular (conforme documento de fls. 36/37).

Realizadas as diligências de Polícia Judiciária, o Douto Promotor de Justiça de Presidente Prudente entendeu por bem requerer a remessa do feito à Comarca de Osvaldo Cruz (fls. 202), local em que se encontra a sede da pessoa jurídica, ao que o colega nela oficiante se opôs, suscitando o presente conflito negativo de atribuição (fls. 215/220).

Eis a síntese do necessário.

A questão debatida no presente protocolado diz respeito à determinação do momento consumativo do crime contra a ordem tributária e, via de consequência, à determinação do foro competente para seu processamento e julgamento.

O deslinde da causa pressupõe, em nosso sentir, um breve histórico a respeito da punibilidade do tipo penal da investigação.

Nesse contexto, deve-se lembrar que o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que as instâncias penal e administrativa, embora distintas, deveriam ser consideradas interdependentes nos ilícitos penais relativos a sonegação fiscal, de modo que a ação criminal somente poderia ser proposta uma vez constituído, definitivamente, o crédito tributário (HC n. 77.002, rel. Min. NELSON JOBIM).

Tempos depois, o Pretório Excelso passou a considerar que, em se tratando de delitos materiais, em que a produção do resultado naturalístico figura como conditio sine qua non para a consumação, o término da ação fiscal, com a inscrição dos valores na dívida ativa, passou a ser visto como parte integrante da infração penal (HC n. 81.611, rel. Min. Sepúlveda Pertence).

Desde então, tem predominado em nossos Tribunais Superiores a tese de que, somente com a conclusão da instância administrativa é que o crime se aperfeiçoa, correndo daí o prazo prescricional; confira-se:

 

“EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. Lei 8.137/90, art. 1º. LANÇAMENTO FISCAL: CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO FISCAL.

I. - Falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da Lei 8.137, de 1990, enquanto não constituído, em definitivo, o crédito fiscal pelo lançamento. É dizer, a consumação do crime tipificado no art. 1º da Lei 8.137/90 somente se verifica com a constituição do crédito fiscal, começando a correr, a partir daí, a prescrição. HC 81.611/DF, Ministro Sepúlveda Pertence, Plenário, 10.12.2003.

II. - HC deferido”

(STF, HC n. 85.051, rel.  Min. CARLOS VELLOSO, DJU de 01/07/2005, pág. 87; grifo nosso)

 

“PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. LAPSO PRESCRICIONAL QUE SÓ SE INICIA COM A CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO PRETÓRIO EXCELSO. NECESSIDADE DE DELIMITAÇÃO DO TERMO INICIAL.

(...)

II - Na hipótese dos autos, contudo, a análise da prescrição da pretensão punitiva também resta prejudicada, pois seria necessário o conhecimento do seu termo inicial - data da constituição definitiva do crédito tributário - que não foi delimitado pelo Tribunal de origem (Precedente).

Recurso desprovido”

(STJ, RHC n. 25.393, rel. Ministro FELIX FISCHER, DJe de 22/06/2009)

 

A Suprema Corte, em face da orientação firmada, editou a Súmula Vinculante n. 24, assim redigida:

 

“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1.º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”

 

O entendimento sumular traz consigo diversas consequências, das quais se destaca o termo a quo do prazo da prescrição da pretensão punitiva e a fixação do locus commissi delicti.

Convém mencionar, ainda, que o Código de Processo Penal acolheu, para efeito de estabelecer o juízo perante o qual deve tramitar a ação penal, a teoria do resultado (CPP, art. 70).

Diante do exposto, dirimo o presente conflito para declarar que a atribuição para intervir na causa incumbe ao Ilustre Suscitado, sendo desnecessário designar outro Membro para oficiar nos autos. Não se pode olvidar, como ensina PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN, que, em conflitos de atribuição decididos pelo Procurador-Geral de Justiça: “a exclusão de ambos (os Promotores de Justiça em litígio) só pode se dar em caráter excepcional, porque essa modalidade de controvérsia pressupõe, de ordinário, que a atuação caiba a uma das autoridades em dissídio. (...). É evidente que a livre convicção do promotor natural deve ser preservada, mas não ao custo de subtrair-lhe o caso em que lhe cabe atuar, pois o dever de agir, que porventura tenha, é irrenunciável, intransferível e insuscetível de ser eliminado por interpretação unilateral do órgão ao qual toca satisfazê-lo. (...). Somente há incompatibilidade com o desempenho funcional – e, portanto, inconveniência para a sociedade – se o pronunciamento anterior, na sua essência, traduz uma promoção de arquivamento ou envolve uma antecipada afirmação de que a demanda é inviável” (REGIME JURÍDICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO PENAL. São Paulo: Editora Verbatim, 2009. pág. 155; parêntese nosso).

Faculta-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 18 de fevereiro de 2010.

 

José Luiz Abrantes

Procurador Geral de Justiça em exercício

 

 

 

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