Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 23.653/12

Autos n.º 24/10 – MM. Juízo da Vara do Júri da Comarca de Guarulhos

Suscitante: 11.º Promotor de Justiça de Guarulhos

Suscitado: 5.º Promotor de Justiça de Guarulhos

Assunto: divergência quanto ao enquadramento dos fatos

 

 

CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. PROMOTOR DE JUSTIÇA CRIMINAL (SUSCITADO) E PROMOTOR DE JUSTIÇA DO JÚRI (SUSCITANTE). AGENTE QUE ENTREGA A MENOR VEÍCULO AUTOMOTOR. JOVEM QUE PERDE O CONTROLE DO AUTOMÓVEL E ATROPELA FATALMENTE DUAS PESSOAS. ADOLESCENTE CONDENADO, NA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE, POR ATO INFRACIONAL EQUIPARADO A (DUPLO) HOMICÍDIO CULPOSO DE TRÂNSITO AGRAVADO (CTB, ART. 302, PARÁGRAFO ÚNICO, I E II). ATO QUE SE SUBSUME AO ART. 310 DO CTB (ENTREGA DE VEÍCULO AUTOMOTOR A PESSOA NÃO HABILITADA). IMPUTAÇÃO DE CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA AFASTADA. ATRIBUIÇÃO AFETA AO DOUTO SUSCITADO. DESIGNAÇÃO DE OUTRO PROMOTOR DE JUSTIÇA PARA PRESERVAR SUA INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL.

1.      A solução da presente controvérsia importa em verificar a presença de liame subjetivo entre o ato do investigado, que entregou o veículo ao menor, e a conduta deste, o qual, culposamente, produziu a morte de terceiros.

2.      Não nos parece, com a devida vênia da Ilustre Suscitada, que se possa cogitar de crime doloso contra a vida. Isto porque não se pode atribuir nexo psicológico por parte de suposto partícipe por mera presunção, notadamente quando o agente não atuou com o propósito preconcebido de causar o passamento das vítimas.

3.      Deve-se frisar que o adolescente foi condenado na Vara da Infância e Juventude por ato infracional equiparado a delito culposo.

4.      Inexiste nos autos, ademais, qualquer elemento informativo capaz de autorizar a suposição de que, ao efetuar a entrega do automóvel a pessoa não habilitada, tinha o agente condições de antever que esta o conduziria de maneira anormal, produzindo o risco concreto de matar as vítimas.

5.      Afastada a hipótese de crime de competência do Tribunal do Júri, exsurge evidente que a atribuição para formar a opinio delicti compete à Douta Representante Ministerial oficiante no Juízo Criminal.

Solução: conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, declarando que à Douta Suscitada incumbe intervir no feito; a fim de que não haja menoscabo à sua independência funcional, porém, designa-se outro promotor de justiça para atuar nos autos.

 

 

Cuida-se de expediente instaurado visando à apuração da suposta prática do delito tipificado no art. 310 da Lei nº. 9.503/97 cometido, em tese, por (...), o qual entregou o veículo marca “VW”, modelo “Voyage LS”, de placas CDQ-4142, ao adolescente (...).

Consta que o nomeado menor foi representado na Vara da Infância e Juventude por infração à norma contida no art. 302, par. único, I e II, do CTB, eis que, no dia 07 de dezembro de 2009, por volta das 19 horas, na Rua Anori, n.º 35, bairro Bom Clima, na Comarca de Guarulhos, perdeu o controle sobre o automóvel ao conduzi-lo, invadiu o passeio público e atingiu fatalmente (...) e (...).

A Digna Suscitada considerou que a atitude do maior configuraria, em tese, crime doloso contra a vida e, em face disto, pugnou pela remessa do procedimento ao Tribunal Popular (fls. 38).

O Ilustre Suscitante discordou do posicionamento de sua antecessora, asseverando não julgar possível inferir-se a presença de dolo eventual no agir do suspeito, acrescentando, ainda, a incompossibilidade lógica da imputação, haja vista que ao adolescente condutor atribuiu-se a forma culposa. Suscitou, assim, conflito negativo de atribuições (fls. 238/240).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o presente envio assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

Pois bem.

A solução da presente controvérsia importa em verificar a presença de liame subjetivo entre o ato do averiguado, que entregou o veículo ao menor, e a conduta deste, o qual, culposamente, produziu a morte de terceiros.

Não nos parece, com a devida vênia da Ilustre Suscitada, que se possa cogitar de crime doloso contra a vida.

Isto porque não se pode atribuir nexo psicológico por parte de suposto partícipe, se o agente não agiu com o propósito preconcebido de causar o passamento das vítimas.

Inexiste, ademais, qualquer elemento informativo capaz de autorizar a suposição de que, ao efetuar a cessão do automóvel a pessoa não habilitada, tinha o sujeito condições de antever que esta o conduziria de maneira anormal, provocando o risco concreto de matar as vítimas.

Note-se que (...), segundo a sentença proferida, operou com culpa (fls. 227/234). Supor o liame psíquico, assim, seria admitir que o autor do fato, mesmo antevendo que o adolescente dirigiria perigosamente, podendo expor a vida de outrem a risco de morte, entregou-lhe as chaves do bem.

Afastada a hipótese de crime de competência do Tribunal do Júri, exsurge evidente que a atribuição para formar a opinio delicti compete à Douta Representante Ministerial oficiante no Juízo Criminal.

Diante de todo o exposto, conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, declarando que a ela incumbe intervir no feito.

A fim de que não haja menoscabo à sua independência funcional, designa-se outro promotor de justiça para atuar nos autos, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Cumpra-se. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 14 de fevereiro de 2012.

 

 

Walter Paulo Sabella

Procurador-Geral de Justiça

                                                                                                                                 em Exercício

 

 

/aeal