Conflito Negativo de Atribuição

Protocolado n.º 36.363/12

Inquérito Policial n.º 376/11 – MM. Juízo da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Bragança Paulista

Suscitante: Promotoria de Justiça Criminal de Bragança Paulista

Suscitada: Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal de Bragança Paulista

Assunto: divergência acerca do enquadramento legal do fato

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. FALSA IDENTIDADE (CP, ART. 307) OU FALSIDADE IDEOLÓGICA (CP, ART. 299). INDICIADO QUE APRESENTA QUALIFICAÇÃO FALSA PERANTE A AUTORIDADE POLICIAL COM VISTAS A OCULTAR ANTECEDENTES CRIMINAIS. DELITO DE PEQUENO POTENCIAL OFENSIVO.

1.      Na hipótese vertente, o indiciado atribuiu a si, mentirosamente, dados qualificativos diversos, com o escopo de esconder passagens criminais que ostenta. Sua conduta, destarte, se subsume ao crime do art. 307 do CP, tipo especial em relação àqueles dos arts. 299 e 304 do mesmo Estatuto.

2.      Deve-se assentar que referida ação se mostra típica e antijurídica, eis que não se encontra amparada pelo direito de defesa. Nesse sentido, o atual posicionamento dos Tribunais Superiores. Confira-se: "EMENTA CONSTITUCIONAL. PENAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE. ARTIGO 307 DO CÓDIGO PENAL. ATRIBUIÇÃO DE FALSA IDENTIDADE PERANTE AUTORIDADE POLICIAL. ALEGAÇÃO DE AUTODEFESA. ARTIGO 5º, INCISO LXIII, DA CONSTITUIÇÃO. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO GERAL. CONFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE NO SENTIDO DA IMPOSSIBILIDADE. TIPICIDADE DA CONDUTA CONFIGURADA. O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP). O tema possui densidade constitucional e extrapola os limites subjetivos das partes” (STF, R.E. n. 640139, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 22/09/2011, publicado no DJe 198, de 13-10-2011). Vide, ainda: HABEAS CORPUS. ART. 304 DO CP. USO DE DOCUMENTO FALSO PARA OCULTAR ANTECEDENTES CRIMINAIS E EVITAR PRISÃO. AUTODEFESA QUE ABRANGE SOMENTE O DIREITO A MENTIR E OMITIR SOBRE OS FATOS E NÃO QUANTO À IDENTIFICAÇÃO. CONDUTA TÍPICA. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT. ORDEM DENEGADA. 1. No âmbito desta Corte Superior de Justiça consolidou-se o entendimento no sentido de que não configura o crime disposto no art. 304, tampouco no art. 307, ambos do Código Penal a conduta do acusado que apresenta falso documento de identidade perante a autoridade policial com intuito de ocultar antecedentes criminais e manter o seu status libertatis, tendo em vista se tratar de hipótese de autodefesa, já que amparado pela garantia consagrada no art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal. 2. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, ao examinar o RE 640.139/DF, cuja repercussão geral foi reconhecida, entendeu de modo diverso, assentando que o princípio constitucional da ampla defesa não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o objetivo de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente. 3. Embora a aludida decisão, ainda que de reconhecida repercussão geral, seja desprovida de qualquer caráter vinculante, é certo que se trata de posicionamento adotado pela maioria dos integrantes da Suprema Corte, órgão que detém a atribuição de guardar a Constituição Federal e, portanto, dizer em última instância quais situações são conformes ou não com as disposições colocadas na Carta Magna, motivo pelo qual o posicionamento até então adotado por este Superior Tribunal de Justiça deve ser revisto, para que passe a incorporar a interpretação constitucional dada ao caso pela Suprema Corte. (...)”. (STJ, HC n. 151.866, Rel. Min. Jorge Mussi, 5.ª Turma, julgado em 1.º/12/2011).

 

Solução: conflito conhecido e dirimido para declarar que a atribuição de oficiar nos autos compete ao Douto Suscitado.

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar a conduta de (...) que, ao ser preso em flagrante por crime de roubo agravado (CP, art. 157, §2º, inc. I), atribuiu a si próprio, perante o Delegado de Polícia, falsa identidade, declarando chamar-se (...).

Concluídas as diligências de polícia judiciária, o Douto Promotor de Justiça oficiante requereu o encaminhamento da causa ao Juizado Especial Criminal da Comarca, por entender que o ato se subsumiria ao art. 307 do CP (falsa identidade) (fls. 93).

O Ilustre Representante Ministerial a quem o feito foi enviado, todavia, considerou a conduta de forma diversa e a tipificou no art. 299 do CP (falsidade ideológica). Em face disto, postulou o retorno ao órgão de origem (fls. 98/99), tendo a Douta Promotora de Justiça recipiente suscitado conflito negativo de atribuição (fls. 104/107 e 110).

Eis a síntese do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que a presente remessa assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pág. 487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações, o Procurador-Geral de Justiça não se converte no promotor natural do caso, de modo que não lhe cumpre determinar qual a providência a ser adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências), devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe o dever de oficiar nos autos.

Pois bem.

Assiste razão à Ilustre Suscitante, com a devida vênia do Douto Suscitado.

Isto porque o comportamento imputado ao sujeito se trata de delito de falsa identidade (CP, art. 307).

Destaque-se que o increpado se limitou a atribuir a si, mentirosamente, dados qualificativos diversos, sem apresentar cédula de identidade com informações de outrem.

Na hipótese vertente, portanto, sua conduta se subsume ao tipo especial acima citado.

Deve-se assentar que referida conduta se mostra típica e antijurídica, eis que não se encontra amparada pelo direito de defesa. Nesse sentido, o atual posicionamento dos Tribunais Superiores. Confira-se:

 

"EMENTA CONSTITUCIONAL. PENAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE. ARTIGO 307 DO CÓDIGO PENAL. ATRIBUIÇÃO DE FALSA IDENTIDADE PERANTE AUTORIDADE POLICIAL. ALEGAÇÃO DE AUTODEFESA. ARTIGO 5º, INCISO LXIII, DA CONSTITUIÇÃO. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO GERAL. CONFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE NO SENTIDO DA IMPOSSIBILIDADE. TIPICIDADE DA CONDUTA CONFIGURADA. O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP). O tema possui densidade constitucional e extrapola os limites subjetivos das partes” (STF, R.E. n. 640139, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 22/09/2011, publicado no DJe 198, de 13/10/2011).

 

Vide, ainda:

 

HABEAS CORPUS. ART. 304 DO CP. USO DE DOCUMENTO FALSO PARA OCULTAR ANTECEDENTES CRIMINAIS E EVITAR PRISÃO. AUTODEFESA QUE ABRANGE SOMENTE O DIREITO A MENTIR E OMITIR SOBRE OS FATOS E NÃO QUANTO À IDENTIFICAÇÃO. CONDUTA TÍPICA. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT. ORDEM DENEGADA. 1. No âmbito desta Corte Superior de Justiça consolidou-se o entendimento no sentido de que não configura o crime disposto no art. 304, tampouco no art. 307, ambos do Código Penal a conduta do acusado que apresenta falso documento de identidade perante a autoridade policial com intuito de ocultar antecedentes criminais e manter o seu status libertatis, tendo em vista se tratar de hipótese de autodefesa, já que amparado pela garantia consagrada no art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal. 2. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, ao examinar o RE 640.139/DF, cuja repercussão geral foi reconhecida, entendeu de modo diverso, assentando que o princípio constitucional da ampla defesa não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o objetivo de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente. 3. Embora a aludida decisão, ainda que de reconhecida repercussão geral, seja desprovida de qualquer caráter vinculante, é certo que se trata de posicionamento adotado pela maioria dos integrantes da Suprema Corte, órgão que detém a atribuição de guardar a Constituição Federal e, portanto, dizer em última instância quais situações são conformes ou não com as disposições colocadas na Carta Magna, motivo pelo qual o posicionamento até então adotado por este Superior Tribunal de Justiça deve ser revisto, para que passe a incorporar a interpretação constitucional dada ao caso pela Suprema Corte. (...)”. (STJ, HC n. 151.866, Rel. Min. Jorge Mussi, 5.ª Turma, julgado em 1.º/12/2011).

 

Cuida-se, destarte, de infração de menor potencial ofensivo, cuja competência ratione materiae incumbe ao Juizado Especial Criminal e, via de consequência, constitui tema ligado à atribuição do respectivo Promotor de Justiça.

Por todo o exposto, conhece-se do presente conflito para dirimi-lo, a fim de declarar que a atribuição para oficiar no feito incumbe ao Douto Suscitado.

A fim de que não haja menoscabo à sua independência funcional, designa-se outro promotor de justiça para atuar nos autos, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático. Cumpra-se. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 12 de março de 2012.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

                          

 

 

 

 

 

 

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