Conflito Negativo de Atribuição

 

Protocolado n.º 38.807/11

Autos n.º 442/2011 – MM. Juízo do Juizado Especial Criminal do Foro Regional de Santo Amaro (Comarca da Capital)

Suscitante: Promotoria de Justiça Criminal de Santo Amaro

Suscitado: 4.ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital

Assunto: divergência acerca da capitulação jurídica dos fatos

 

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. DIVERGÊNCIA ACERCA DO ENQUADRAMENTO LEGAL COM REFLEXOS NA COMPETÊNCIA. CRIME DE AMEAÇA (CP, ART. 147) OU COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO (CP, ART. 344). CONDUTA QUE VISAVA COMPELIR A VÍTIMA A DESISTIR DE AÇÃO CÍVEL AJUIZADA. DELITO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA CONFIGURADO.

 

1.      O ponto distintivo entre os crimes de coação no curso do processo e ameaça reside justamente no elemento subjetivo do injusto.

2.      No primeiro, procura o agente, com a promessa de inflição de mal grave e injusto, influenciar no espírito da testemunha, juiz, parte ou perito, e, com isso, obter prova favorável a si no andamento de determinada demanda. No outro, não busca o autor nenhuma finalidade específica. Não persegue objetivo algum, senão a própria ideia de incutir no sujeito passivo o medo, o temor. Na linguagem da doutrina tradicional, a ameaça, diversamente da coação no curso do processo, não possui dolo específico.

3.      Na hipótese sub examen, nota-se que a conduta foi praticada a fim de que a ofendida desistisse de ação judicial por ela movida em face do agente, cujo objeto era o pagamento de pensão alimentícia ao filho do casal. Visava o sujeito, destarte, a favorecer interesse (material) próprio.

4.      Muito embora tenha sido eleito como modus operandi a ameaça, não se poderá imputar o crime autônomo do art. 147 do Código Penal, sequer cumulativamente, em face do princípio da subsidiariedade (implícita). Cuida-se, in casu, de norma penal que figura como elementar de outra e, portanto, apresenta natureza subsidiária ou famulativa.

5.      Nesta ordem de ideias, tendo em conta a pena máxima cominada à infração penal atentatória da administração da Justiça, conclui-se pela incompetência ratione materiae dos Juizados Especiais Criminais e pela falta de atribuição do Douto Suscitante.

Solução: dirimo o presente conflito para declarar que a atribuição para oficiar nos autos incumbe ao Promotor de Justiça oficiante no âmbito do Juízo Criminal Comum.

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado para apurar a conduta de (...), ex-companheiro de (...), que a teria ameaçado de morte, para que ela desistisse de ação cível ajuizada, na qual pleiteou o pagamento de pensão alimentícia ao filho do casal.

O Douto Promotor de Justiça Criminal considerou ter o suspeito cometido delito de ameaça (CP, art. 147), infração de pequeno potencial ofensivo, motivo por que pugnou pela remessa dos autos ao Juizado Especial Criminal (fls. 82/83).

O Ilustre Representante do Parquet em exercício no mencionado Órgão Judicial insurgiu-se contra o envio, por julgar que o comportamento investigado constitui coação no curso do processo (CP, art. 344), suscitando, destarte, o presente conflito negativo de atribuição (fls. 86).

Eis a síntese do necessário.

Deve-se destacar, preliminarmente, que a presente remessa assenta-se no art. 115 da Lei Complementar Estadual n. 734/93.

Encontra-se devidamente configurado, portanto, o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público. 6.ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007. pág. 487).

Pondere-se, não obstante, que em sede de conflito de atribuições não cumpre à Procuradoria-Geral de Justiça efetuar um juízo a respeito da existência de prova da materialidade ou indícios de autoria das infrações penais objeto do expediente. O exame deve se cingir à definição sobre qual é o Membro do Ministério Público a quem incumbe funcionar nos autos.

Pois bem. No mérito, cremos que a razão está com o Douto Suscitante, fazendo-se vênia do entendimento exarado pelo Nobre Suscitado.

Cumpre destacar, de início, que o ponto distintivo entre os crimes de coação no curso do processo e ameaça reside justamente no elemento subjetivo do injusto.

No primeiro, procura o agente, com a promessa de inflição de mal grave e injusto, influenciar no espírito da testemunha, juiz, parte ou perito, e, com isso, obter prova favorável a si no andamento de determinada demanda.

No outro, não busca o autor nenhuma finalidade específica. Não persegue objetivo algum, senão a própria ideia de incutir no sujeito passivo o medo, o temor. Na linguagem da doutrina tradicional, a ameaça, diversamente da coação no curso do processo, não possui dolo específico.

Nesse sentido, há precedente oriundo do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo:

 

“O delito do art. 344 do CP exige, para a sua configuração, o dolo específico, que se caracteriza pelo fim de favorecer interesse próprio ou alheio. Tratando-se de testemunha, consiste em obrigá-la a depor falsamente. Se esta já havia deposto, quando feita a ameaça, não há que se falar, portanto, na infração em tela” (TJSP – HC – Rel. Acácio Rebouças – RT 420/62).

 

Na hipótese sub examen, nota-se que a conduta foi praticada a fim de que a ofendida desistisse de ação judicial por ela movida em face do agente, cujo objeto era o pagamento de pensão alimentícia ao filho do casal. Visava o sujeito, destarte, a favorecer interesse (material) próprio.

Muito embora tenha sido eleito como modus operandi a ameaça, não se poderá imputar o crime autônomo do art. 147 do Código Penal, sequer cumulativamente, em face do princípio da subsidiariedade (implícita). Cuida-se, in casu, de norma penal que figura como elementar de outra e, portanto, apresenta natureza subsidiária ou famulativa.

Nesta ordem de ideias, tendo em conta a pena máxima cominada à infração penal atentatória da administração da Justiça, conclui-se pela incompetência ratione materiae dos Juizados Especiais Criminais e pela falta de atribuição do Douto Suscitante.

Diante do exposto, dirimo o presente conflito para declarar que a atribuição de atuar no feito incumbe ao Ilustre Suscitado.

Para que não haja menoscabo à sua independência funcional, designo outro promotor de justiça para oficiar nos autos, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006.

Expeça-se portaria designando o substituto automático.

Cumpra-se. Publique-se a ementa.

 

São Paulo, 28 de março de 2011.

 

 

 

    Fernando Grella Vieira

   Procurador-Geral de Justiça

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