Conflito Negativo de Atribuição

 

Protocolado n.º 41.187/11

Autos n.º 176/08 – MM. Juízo da 5.ª Vara Criminal da Comarca de São José dos Campos

Investigados: Representantes legais de “BARSOTI FERREIRA E CASTRO ANDRADE LTDA.”

Assunto: conflito de atribuição conhecido como representação para suscitar o incidente perante o Supremo Tribunal Federal

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. FALSIDADE IDEOLÓGICA (CP, ART. 299) OU CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (LEI N. 8.137/90, ART.1º). AUTOMÓVEL LICENCIADO EM OUTRA UNIDADE FEDERATIVA, ONDE SE SIMULOU A EXISTÊNCIA DE FILIAL DA EMPRESA DE LOCAÇÃO DE VEÍCULOS. “FALSUM” PRATICADO COMO MEIO EXECUTÓRIO PARA O COMETIMENTO DE SONEGAÇÃO FISCAL. INQUÉRITO ENVIADO À COMARCA DE PALMAS-TO E, DE VOLTA, A ESTE ESTADO. CONFLITO DE ATRIBUIÇÃO SUSCITADO PELO PROMOTOR DE JUSTIÇA PAULISTA. REMESSA CONHECIDA COMO REPRESENTAÇÃO PARA ENCAMINHAMENTO DA CONTROVÉRSIA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, NOS TERMOS DO AVISO N. 549/2008-PGJ. MEDIDA INDEFERIDA NO MÉRITO. ATRIBUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SÃO PAULO.

1.     A hipótese concreta consubstancia possível conflito negativo de atribuição entre membros do “Parquet” de diferentes unidades federativas. Em casos tais, compete ao Supremo Tribunal Federal dirimi-lo, nos termos do atual entendimento sufragado pela citada Corte (cf. STF, ACO n. 1281, Relatora:  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 13/10/2010).

2.     Considerando que cabe somente ao Procurador-Geral de Justiça representar o Ministério Público estadual perante o Pretório Excelso, quando o membro do “Parquet” julgar que de outra unidade ministerial seja a responsabilidade de oficiar no feito, cumpre-lhe representar à Chefia Institucional para que, em acolhendo a tese sustentada, remeta a questão à Suprema Corte ou, se discordar, atribua o exercício funcional ao promotor natural do caso. Nesse sentido, o Aviso n. 549/2008-PGJ, publicado no D.O.E. de 11/09/2008.

3.     No caso em tela, o delito a se imputar, segundo nosso entender, é o crime contra a ordem tributária, eis que o falsum serviu como meio para a perpetração da lesão ao fisco, resultado desejado pelo agente. O foro competente, bem por isso, é mesmo a Comarca de São José dos Campos, conforme orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça em caso semelhante ao presente (CC n. 96.939, Relator Ministro NILSON NAVES, julgado em 05.03.2009).

Solução: conhece-se da remessa como representação para suscitar conflito de atribuição perante o Supremo Tribunal Federal e, no mérito, indefere-se-a, determinando o retorno do procedimento à origem, designando outro promotor de justiça para formar a opinio delicti a respeito da infração penal consumada em São José dos Campos.

 

Cuida-se de inquérito policial instaurado para averiguar crimes de falsidade ideológica e contra a ordem tributária, praticados, em tese, pelos representantes legais da pessoa jurídica “BARSOTI FERREIRA E CASTRO ANDRADE LTDA.”.

Pelo apurado, um dos veículos da “BARSOTI” foi apreendido durante a operação denominada “Olho na Placa”, realizada pela Secretaria Estadual da Fazenda de São Paulo, com vistas ao combate à sonegação de IPVA – Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores.

O automóvel da empresa de locação de veículos apresentava placa da cidade de PALMAS-TO, mas circulava pelas ruas deste Estado, o que despertou a atenção dos agentes fazendários.

Isto porque, de acordo com o Fisco, diversas empresas de aluguel de veículos automotores sediadas em São Paulo, com o intuito de fraudar o pagamento do tributo a esta unidade da Federação, licenciam o automóvel fora deste Estado, simulando possuírem filiais em plena atividade, normalmente no Paraná e em Tocantins.

O carro em questão era conduzido, no dia da abordagem, por (...), a qual revelou tê-lo locado de um estabelecimento situado em São José dos Campos (fls. 60).

O feito foi relatado, e a Douta Promotora de Justiça oficiante requisitou a complementação das diligências, com vistas à inquirição do representante legal da locadora e a intimação da cliente para apresentação de cópia do contrato celebrado (fls. 65).

A Delegacia de Palmas, paralelamente, enviou relatório de investigação noticiando que, ao pesquisar o endereço fornecido, descobriu que se trata de escritório situado em centro comercial, e permanece constantemente com as portas fechadas, não exercendo qualquer atividade de fato, embora pague regiamente o aluguel do imóvel, acostando cópia do respectivo contrato (fls. 73/78).

Quanto às providências solicitadas pelo Ministério Público, todas foram atendidas, conforme se nota a fls. 91 e 120.

Insta anotar que a Secretaria da Fazenda autuou a empresa “BARSOTI” a pagar a diferença que julgou devida a título de imposto sobre a propriedade de veículo automotor (fls. 107/111).

Seu representante legal negou os delitos contra a fé pública ou contra a ordem tributária, asseverando que mantém a filial situada na cidade de PALMAS-TO em plena atividade (fls. 120).

A Douta Representante Ministerial oficiante na Comarca de Mogi Guaçu, onde fora apreendido o veículo, capitulou os fatos como falsidade ideológica (CP, art. 299) e, considerando que o automóvel fora registrado na Capital retro nominada, para tal localidade requereu a remessa do inquérito policial (fls. 162/164).

O Nobre Membro do Parquet do Tocantins, contudo, discordou do encaminhamento e, louvando-se em precedente do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, postulou o reenvio do expediente a este Estado (fls. 166, verso), no que foi acolhido (fls. 168/169).

Retornando o procedimento a Mogi Guaçu, a Ilustre Promotora, aderindo ao entendimento judicial mencionado (fls. 168/169), sustentou ser o caso de competência da Comarca de São José dos Campos, sede da empresa investigada (fls. 172/173).

O Douto Órgão Ministerial joseense, de sua parte, argumentando que o locus commissi delicti fora a Comarca de Palmas, suscitou conflito negativo de atribuição (fls. 179/181).

Eis a síntese do necessário.

Deve-se destacar, preliminarmente, que se encontra devidamente configurado o conflito negativo de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito negativo), ou quando dois ou mais deles se manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime Jurídico do Ministério Público. 6.ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007. pág. 487).

Ocorre, porém, que se trata de controvérsia envolvendo membros do Parquet de diferentes unidades federativas.

Em casos tais, compete ao Supremo Tribunal Federal dirimir o conflito, nos termos do atual entendimento sufragado pela citada Corte. Confira-se:

 

“EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA PROCESSAR E JULGAR A AÇÃO. PRECEDENTES. CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES. APURAÇÃO DE SUPOSTAS IRREGULARIDADES NA APLICAÇÃO DOS RECURSOS ORIUNDOS DO PRONAF. INTERESSE DA UNIÃO. ART. 109, INC. I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ATRIBUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL”

(ACO n. 1281, Relatora:  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 13/10/2010).

 

Considerando que cabe somente ao Procurador-Geral de Justiça representar o Ministério Público estadual perante o Pretório Excelso, quando o membro do Parquet julgar que de outra unidade ministerial seja a responsabilidade de oficiar no feito, cumpre-lhe representar à Chefia Institucional para que, em acolhendo a tese sustentada, remeta a questão à Suprema Corte ou, se discordar, atribua o exercício funcional ao promotor natural do caso.

Nesse sentido, o Aviso n. 549/2008-PGJ, publicado no D.O.E. de 11/09/2008:

 

“O Procurador-Geral de Justiça, no uso de suas atribuições e a pedido do Coordenador da Assessoria Jurídica,

Avisa aos senhores membros do Ministério Público do Estado de São Paulo que, em casos concretos, desde que formada sua convicção no sentido da necessidade de instauração de conflito de atribuições entre o Ministério Público do Estado de São Paulo e o Ministério Público Federal, ou Ministérios Públicos de outros Estados, a provocação da instauração do conflito deverá ocorrer mediante representação, fundamentada, à Procuradoria-Geral de Justiça;

Avisa ainda que deve ser evitado o encaminhamento direto dos autos pelo membro do Ministério Público ao E. STF, para fins de instauração do conflito, dada a atribuição exclusiva do Procurador-Geral de Justiça para representação judicial da instituição”.

 

Pois bem. No caso em tela, o delito a se imputar, segundo nosso entender, é o crime contra a ordem tributária, eis que o falsum serviu como meio para a perpetração da lesão ao fisco, resultado desejado pelo agente.

O foro competente, bem por isso, é mesmo a Comarca de São José dos Campos, conforme orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça:

 

“CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SUPRESSÃO OU REDUÇÃO DE TRIBUTO. IMPOSTO SOBRE PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES. LICENCIAMENTO. UNIDADE DA FEDERAÇÃO DIVERSA.

1. O licenciamento de veículo em unidade da Federação que possua alíquota do imposto sobre propriedade de veículo automotor menor do que a alíquota em cujo Estado reside o proprietário do veículo, em vez de configurar o crime de falsidade ideológica – em razão da indicação de endereço falso –, caracteriza a supressão ou redução de tributo.

2. Em casos tais, a competência para processar e julgar infração dessa natureza é da Justiça do Estado contra o qual se praticou crime em detrimento do fisco. Ademais, a supressão ou redução de tributo é delito material, consumando-se no local em que ocorrido o prejuízo decorrente da infração, isto é, onde situado o erário que deixou de receber o tributo. (...)”.

(CC n. 96.939, Relator Ministro NILSON NAVES, julgado em 05.03.2009)

 

Em face do exposto, recebo o presente conflito como representação para suscitar conflito de atribuição perante o Supremo Tribunal Federal e, no mérito, a indefiro, determinando o retorno do procedimento à origem.

Para que não haja menoscabo à independência funcional do Ilustre Suscitante, designo outro representante ministerial para atuar no feito e formar sua opinio delicti acerca da infração de sua competência territorial, facultando-se-lhe observar o disposto no art. 4-A do Ato Normativo n. 302 (PGJ/CSMP/CGMP), de 07 de janeiro de 2003, com redação dada pelo Ato Normativo n. 488 (PGJ/CSMP/CGMP), de 27 de outubro de 2006. Expeça-se portaria designando o substituto automático. Publique-se a ementa.

          

São Paulo, 04 de abril de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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