Conflito Negativo de Atribuição

 

Protocolado n.º 49.710/10

Autos n.º 425/10 – MM. Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Taubaté

Suscitante: Promotoria de Justiça Criminal de Taubaté

Suscitada: Promotoria de Justiça Criminal de São Caetano do Sul

Assunto: foro competente para apuração de delito de duplicata simulada

 

 

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. DUPLICATA SIMULADA (CP, ART. 172). CRIME FORMAL. DELITO QUE SE CONSUMA COM A EMISSÃO DO TÍTULO, ENTENDIDA COMO O LOCAL EM QUE A CÁRTULA É POSTA EM CIRCULAÇÃO (SENTIDO NORMATIVO DA CONDUTA NUCLEAR). O FORO COMPETENTE, PORTANTO, É O LOCAL EM QUE O DOCUMENTO FOI APRESENTADO A DESCONTO BANCÁRIO, OU SEJA, AQUELE EM QUE ATUA O DOUTO SUSCITADO.

1.      O crime de duplicata simulada dá-se quando o agente “Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado”.

2.      O conceito de emissão não deve ser interpretado de maneira puramente objetiva, como se fora sinônimo de elaborar um documento, em papel, e entregá-lo a outrem. O sentido da conduta é normativo e compreende o ato de pôr em circulação, materializado nos autos por meio da apresentação do documento para desconto na instituição financeira.

3.      A summatum opus, portanto, deu-se no território correspondente à Comarca em que oficia o competente Suscitado, sendo este o locus commissi delicti, nos termos do art. 70 do CPP. Nesse sentido, inclusive, a orientação sufragada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ, RHC n. 16.053, rel. Ministro PAULO MEDINA, DJU de 12/09/2005, p. 368).

Solução: dirimo o presente conflito para declarar que a atribuição para oficiar nos autos incumbe ao Douto Suscitado.

 

O presente inquérito policial teve origem com a notícia da prática, em tese, do delito de duplicata simulada (CP, art. 172), que teria sido perpetrado por representantes da empresa “INDÚSTRIAS QUÍMICAS TAUBATÉ”.

Os Doutos Promotores de Justiça, em exercício nas Comarcas de São Caetano do Sul e Taubaté, divergem acerca do efetivo local da consumação do crime, motivo pelo qual foi suscitado conflito negativo de atribuição.

É o relatório.

A questão fundamental a ser analisada consiste em definir o que se entende por “emissão” da duplicata e, portanto, qual o momento consumativo da infração penal descrita no art. 172 do CP.

Há, como se sabe, divergência a respeito do assunto. A orientação majoritária, no entanto, caminha no sentido de que não basta preenchê-la, sendo necessário colocá-la em circulação.

         Confira-se, nesse sentido, precedente do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

 

“PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DUPLICATA SIMULADA. ART. 172 DO CÓDIGO PENAL. CRIME FORMAL E UNISSUBSISTENTE. COMPETÊNCIA QUE SE DEFINE PELO LOCUS DELICTI. COMPETENTE A COMARCA ONDE OS DOCUMENTOS FORAM POSTOS INICIALMENTE EM CIRCULAÇÃO, INDEPENDENTE DO LOCAL DE OCORRÊNCIA DO PREJUÍZO. RECURSO PROVIDO.

O habeas corpus é ação constitucional adequada à obstar coação ilegal quando quem a ordenar não tiver competência para fazê-lo (art. 648, inciso III, do CPP).

A consumação do delito previsto no art. 172 do CP, crime formal e unissubsistente, dá-se com a simples e efetiva colocação da duplicata em circulação, independentemente do prejuízo.

Demonstrado que a emissão dos títulos de crédito foi efetuada na cidade Franca/SP, consoante documentos acostados aos autos, a competência para o processamento e julgamento do feito é do Juízo Comum Estadual daquela Comarca, lugar em que ocorrida a infração”.

(STJ, RHC n. 16.053, rel. Ministro PAULO MEDINA, DJU de 12/09/2005, p. 368; grifo nosso).

 

Pois bem. No caso em tela, as cártulas foram emitidas em Taubaté, mas foram colocadas em circulação, de fato, na cidade São Caetano do Sul, quando foram descontadas pelo banco “HSBC”, através da agência situada na Rua João Pessoa, n. 73. Nesse mesmo Município, outrossim, foram levadas a protesto (cf. documento de fls. 13).

O locus commissi delicti, destarte, nos termos do art. 70 do CPP é o foro perante o qual atua o Douto Suscitado, vale dizer, o competente Promotor de Justiça Criminal oficiante em São Caetano do Sul.

Pondere-se, ademais, que se mostra desnecessária a designação de outro promotor de justiça para oficiar nos autos.

Não se pode olvidar, como ensina PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN, que, em conflitos de atribuição decididos pelo Procurador-Geral de Justiça: a exclusão de ambos (os Promotores de Justiça em litígio) só pode se dar em caráter excepcional, porque essa modalidade de controvérsia pressupõe, de ordinário, que a atuação caiba a uma das autoridades em dissídio. (...). É evidente que a livre convicção do promotor natural deve ser preservada, mas não ao custo de subtrair-lhe o caso em que lhe cabe atuar, pois o dever de agir, que porventura tenha, é irrenunciável, intransferível e insuscetível de ser eliminado por interpretação unilateral do órgão ao qual toca satisfazê-lo. (...). Somente há incompatibilidade com o desempenho funcional – e, portanto, inconveniência para a sociedade – se o pronunciamento anterior, na sua essência, traduz uma promoção de arquivamento ou envolve uma antecipada afirmação de que a demanda é inviável” (REGIME JURÍDICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO PENAL. São Paulo: Editora Verbatim, 2009. pág. 155; parêntese nosso).

 

São Paulo, 20 de abril de 2010.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

 

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